Música cantada por João Bosco & Vinícius foi parar em estádios há 10 anos, depois de ganhar versão no ritmo da cumbia. G1 conta histórias dos maiores hits do Brasil no exterior. A torcida do Newell's Old Boys e os autores de 'Chora me liga': João Bosco & Vinicius, Euler Coelho e Dudu Borges Acervo Pessoal e Reprodução/YouTube "Chora me liga" ficou no topo da lista de músicas mais tocadas nas rádios no Brasil em 2009. Só perdeu de "Halo", da Beyoncé. Mas os versos gravados por João Bosco & Vinícius seriam "apenas" mais um hit sertanejo dançante, não fosse uma história unindo ritmos latinos (cumbia e vanera) e torcidas igualmente latinas. Há 10 anos, ela virou sucesso no Chile e na Argentina, a partir de uma versão do Grupo Play. Vertida para o espanhol e para a cumbia, caiu no gosto das torcidas de times como o chileno Colo-Colo. O principal cântico de estádio, porém, foi feito por torcedores do Newell's Old Boys para zombar do rebaixamento do Rosario Central no Campeonato Argentino. Quando Euler Coelho, o compositor de "Chora me liga", viu vídeos das torcidas no YouTube, ele pirou. "Um amigo meu chegou contando essa história que ele tinha visto: 'Você viu o vídeo da torcida argentina'. 'Que brincadeira, que torcida, cê tá louco?' Eu achei inacreditável aquilo, não é possível. Uma torcida inteira cantando a música, loucura total", diz o autor ao G1 (ouça no podcast abaixo). Nesta semana, o G1 conta as histórias dos maiores hits do Brasil no exterior. E de seus compositores. Quais as músicas brasileiras que bombaram nas paradas da Europa e dos EUA? "Chora me liga" também trouxe outras surpresas para Euler. Na conta bancária. Ao ser perguntado sobre quanto ganhou com a composição, ele responde rindo: "Nunca fiz a conta de quanto me deu de direitos autorais. Mas deu pra comprar uma fazenda boa". Cheia de gado? "Cheia de mogno." 'Seven Nation Army' latina Mas por que será que a música fez tanto sucesso nas arquibancadas e virou quase uma "Seven Nation Army" latina? Para Vinícius, que forma dupla com João Bosco, o segredo está no estilo da música, a vanera. "Eu, o João, o Euler, o Dudu Borges [produtor], a gente vem do Mato Grosso do Sul, que é um estado que faz fronteira com o Paraguai, que tem o chamamé, a polca paraguaia, tem muita gente do sul do país que migrou pro nosso estado e que trouxe a vanera", explica o cantor. "É um ritmo que a gente cresceu ouvindo e cantando. Então, é como se a gente tivesse assim… 'Vinícius, qual é seu ritmo preferido pra você gravar?' É a vanera. É uma música dançante. Ela é pra cima, alegre. O ritmo por si só, ele conduz a alegria da música." Euler Coelho, empresário e compositor de 'Chora me liga', na fazenda que comprou com os direitos autorais do sucesso sertanejo Reprodução/Instagram Autora de 'Ai se eu te pego' virou produtora em Miami 'Tchetchê rere' rendeu R$ 5 milhões e versão do Bob Esponja "Chora me liga" por pouco não foi parar no repertório do Bruno & Marrone. Tudo começou quando Euler encontrou Bruno em uma festa no interior do Paraná e ouviu um pedido de "uma música quente, agitada, pra cima". "Eu falei 'Cara, eu não tenho, mas a gente tenta fazer uma'. E voltei pra casa com isso na cabeça, com esse pedido na cabeça", lembra Euler. Escrita durante um banho Euler, então, voltou para casa dele em Campo Grande, em uma noite de frio e foi tomar banho "Liguei o chuveiro para deixar esquentar, né? Porque tava muito frio. E aí, tava de toalha já e me veio a ideia da parte A e da parte B. E rapidinho já escrevi ali a parte A e a parte B." "E nisso o chuveiro rolando lá. E eu falei 'Bom, preciso tomar banho, depois eu termino isso aqui'. Deixei ali o caderno e a caneta, fui tomar banho. E aí lá no meio do banho, ensaboado, me veio a ideia do refrão: 'Chora me liga, implora…' Eu escrevi no box, o 'Chora me liga, implora', a parte do refrão inteira." “Chora me liga” é aquele clássico de João Bosco e Vinícius que a gente ama! Só que ele ficou com medo de esquecer o refrão ali, de a água apagar. "Eu resolvi sair do banho mesmo ensaboado, eu vi que ia ser esquecido durante o término do banho, término de lavar a cabeça. E aí saí e finalizei a música. Entre o começo de toalha ao fim ensaboado demorou 10, 15 minutos, e a música tava pronta." Ele chegou a escrever o nome do Bruno no destinatário do e-mail, mas apagou e botou o nome do João Bosco & Vinicius. É que ele era empresário deles naquela época, então acabou tomando essa decisão. Antes de "Chora me Liga", Euler escreveu outras músicas que foram sucessos regionais, hits no Mato Grosso do Sul, no interior de São Paulo, interior do Paraná e no triângulo mineiro. De sucesso nacional, após o maior hit, um dos destaques foi "Voa Beija-flor", do Jorge & Mateus. Por que não regravaram em espanhol? O que também chama atenção nesta história é o fato de João Bosco e Vinicius não terem pensado em fazer uma versão em espanhol. João Bosco e Vinícius Rubens Cerqueira/Divulgação Segundo Vinícius, isso sequer entrou na pauta, porque para fazer sucesso no mercado latino eles teriam que cantar muito na TV, visitar rádios e aceitar outros compromissos pela América Latina. Eles não estavam dispostos a isso, ainda mais com uma média de mais de 240 shows por ano no Brasil e uma competição forte no mercado sertanejo daqui. "Não adianta você gravar uma música em espanhol por gravar", explica Vinícius. "Você tem que gravar com um projeto, tem que ter um objetivo nisso. Porque as músicas são trabalhadas de forma individual e uma faixa em espanhol para ela ter esse avanço todo, ainda mais em 2009. É porque hoje essa pergunta que você me faz é com a cabeça de coisa." Mas e se essa história tivesse acontecido hoje, vocês teriam gravado a versão em espanhol? "Com absoluta certeza", responde rapidamente. "Porque essa integração de hoje, esse apetite que as pessoas têm com músicas que estão fazendo sucesso, com esses playlists, com todas essas mídias que a gente tem hoje, com certeza isso abrange o trabalho de uma forma mais orgânica." Mas como só foi criada uma versão oficial em português mesmo, o jeito é exaltá-la. "É uma música que vai passar 10, 20, 30, 40, 50 anos e ela não vai cair de moda, porque é uma música que não enjoa. A mensagem dela vai transcender o tempo", resume o cantor. Euler Coelho, empresário e compositor, na fazenda que comprou com bons negócios no mercado sertanejo Acervo Pessoal