Capa do álbum 'O andarilho', de Flávio Venturini Reprodução ♪ DISCOS PARA DESCOBRIR EM CASA – O andarilho, Flávio Venturini, 1984 ♪ Segundo álbum solo de Flávio Venturini, criado após viagem do artista pelos Andes com destino a Machu Picchu, O andarilho foi lançado em 1984 com Milton Nascimento, Lô Borges, Marcio Borges, Ronaldo Bastos, Toninho Horta e 14 Bis, entre outros nomes, no time de convidados e parceiros do artista mineiro. Esse time apontou a origem geográfica da música desse cantor, compositor e pianista que conhecera parte dessa turma – e também Beto Guedes – ao participar de festival estudantil promovido em 1969 em Belo Horizonte (MG). Só que nem sempre a origem de Flávio Hugo Venturini foi tão explicitada. Embora tenha transitado desde sempre pelas esquinas de Belo Horizonte (MG), cidade onde nasceu em 23 de julho de 1949, Flávio Venturini pareceu ser sócio de outro clube quando entrou em cena em 1974 como integrante do grupo de rock progressivo O Terço, com o qual gravou três álbuns até 1976, inclusive o cultuado Criaturas da noite (1975). Com o decorrer da carreira do artista, músico de talento precoce que se deixou seduzir pelos acordes do piano ainda na infância, foi ficando cada vez mais claro que Flávio Venturini também pertencia ao Clube da Esquina. E nem foi preciso que esperar o artista apresentar uma das mais belas gravações da música Clube da esquina 2 (Milton Nascimento, Márcio Borges e Lô Borges, 1972) – lançada no álbum Noites com sol (1994) – para que a filiação ficasse definitivamente evidenciada. Já em 1978, no álbum Clube da Esquina 2, o cantor dividiu com Milton Nascimento a interpretação da canção autoral Nascente – primeira das muitas parcerias de Venturini com o poeta letrista Murilo Antunes, lançada sem repercussão em 1977 na voz de Beto Guedes. A questão é que, como inspirado melodista e músico hábil no toque do piano e dos teclados, Venturini seguiu trilhas e trilhos que nem sempre o associaram diretamente à turma de compositores e músicos mineiros que, sob a liderança gregária de Milton, orquestrou no início dos anos 1970 o movimento pop brasileiro conhecido como Clube da Esquina. Em 1979, no embalo da (re)gravação de Nascente no LP duplo Clube da Esquina 2, Venturini recusou convite para gravar álbum solo e preferiu dar essa chance à banda que formara em Belo Horizonte (MG) com músicos como o irmão Cláudio Venturini, Sérgio Magrão – também egresso do grupo O Terço – e Vermelho. Flávio Venturini ganhou visibilidade como vocalista, compositor e músico do 14 Bis, grupo que rapidamente alçou voo ao entrar em cena naquele ano de 1979 com o tempero jovial da mistura de pop, MPB e rock progressivo que caracterizou o som da banda na fase com o vocalista mais famoso – autor das melodias das canções mais conhecidas do repertório autoral do 14 Bis, casos de Planeta sonho (Flávio Venturini, Vermelho e Marcio Borges, 1980), Linda juventude (Flávio Venturini e Marcio Borges, 1982) e Todo azul do mar (Flávio Venturini e Ronaldo Bastos, 1984). Venturini planou no 14 Bis até 1988 e, mesmo com eventuais reencontros posteriores com o grupo em shows e discos, construiu sólida discografia solo pavimentada com álbuns autorais como Cidade veloz (1990), o já mencionado Noites com sol (1994), Beija-flor (1996), Porque não tínhamos bicicleta (2003), Canção sem fim (2006), Não se apague esta noite (2009) e Venturini (2013). Editado pela gravadora EMI-Odeon em abril de 1984, o álbum O andarilho se afinou com o tom dessa discografia solo iniciada por Venturini há dois anos com o LP Nascente (1982), álbum em que, além de regravar a então já clássica faixa-título, o artista apresentou a canção Princesa (Flávio Venturini e Ronaldo Bastos, 1982) e projetou nacionalmente Espanhola (Flávio Venturini e Guarabyra, 1977). Canção lançada há então cinco anos nas vozes da dupla Sá & Guarabyra, em cuja banda Venturini já havia tocado teclados nos anos 1970 por indicação de Milton para a dupla, Espanhola ficou popularizada no registro de Venturini. Mesmo sem ter legado um grande sucesso para o cancioneiro autoral de Venturini, o álbum O andarilho guarda pérolas no baú. Gravada com o toque do violino de Marcus Viana, a canção Andarilho de luz (Flávio Venturini, Murilo Antunes e Marcio Borges) abriu o disco no universo lírico-viajante da obra do compositor – universo replantado com Rouxinol (Um jardineiro diz à rosa), parceria do compositor com Ronaldo Bastos, poeta fluminense projetado em 1972 como letrista do primeiro álbum do Clube da Esquina. Na sequência da viagem, No trem do amor seguiu por trilho tecnopop com as adesões dos músicos do 14 Bis na gravação dessa parceria de Venturini com Ronaldo Bastos. Composição de Venturini com letra de Marcio Borges, Caramelo também ganhou sabor tecnopop com programações pilotadas por Mayrton Bahia. Canção com versos de Murilo Antunes, Tarde demais mostrou que as melodias de Venturini podiam prescindir do aparato pop. Preciosa (Flávio Venturini e Murilo Antunes) trouxe o toque da gaita de Kimura, músico mineiro com quem Venturini integrara o efêmero conjunto de baile The Shines na juventude vivida em Belo Horizonte (MG). Entre os temas instrumentais São Tomé e Trilhas, Venturini cantou Solidão – tema mais espesso da parceria com Murilo Antunes – com a voz de Nana Caymmi acentuando essa densidade em gravação pontuada pelos toques precisos do violão e da guitarra de Toninho Horta. Já Anjo bom (Flávio Venturini e Ronaldo Bastos) teve o mérito de reunir a voz de Venturini com a do conterrâneo Lô Borges. E a presença de Milton Nascimentos elevou Emmanuel (Michel Colombier e Murilo Antunes) aos céus com o canto divino do criador do Clube da Esquina e com os toques sagrados dos violinos de Marcus Viana. Parceria de Venturini com Murilo Antunes, Leia meu olhar fechou O andarilho, álbum coerente com a trajetória pregressa e posterior do mineiro Flávio Venturini pelo universo pop do Brasil.