Motoboys, motogirls e entregadores de bicicleta dizem que não estão ganhando mais com a alta demanda por delivery. Alguns relatam que, com mais concorrência, precisam trabalhar mais horas para manter renda. Motoboys e entregadores na pandemia: como é a rotina no delivery Motoboys e entregadores de bicicletas viram a demanda de serviço aumentar com a pandemia de coronavírus, mas não necessariamente estão ganhando mais com isso. Alguns relatam que, com mais concorrência, precisam trabalhar mais horas para ter a mesma renda de antes. E parte desses trabalhadores demonstrou essa insatisfação com as paralisações de julho. Com o isolamento social para prevenção da Covid-19, quem está em casa pode contar com o delivery, muitas vezes feito por aplicativo, apesar de muitos motoboys ainda sobreviverem por trabalhos particulares, com entregas de documentação, ou fixos em determinados restaurantes, como pizzarias. Em entrevistas ao G1, entregadores de vários pontos do país, como São Paulo, Brasília, Rio de Janeiro e Recife, relatam a rotina de seu trabalho e o que mudou com a chegada da doença ao Brasil. Apesar de sentirem mais respeitados por clientes, eles contam que a concorrência aumentou e convivem com medo do coronavírus. O melhor tratamento, no entanto, não é generalizado. Na semana passada, um vídeo que mostra um entregador sofrendo ofensas racistas em condomínio no interior de São Paulo viralizou na internet. Com base nas ofensas do morador, o advogado do motoboy Matheus Pires Barbosa apresentou uma representação criminal por injúria racial contra o homem; a família diz que o agressor sofre de esquizofrenia. Kleyton Campos, 32 anos, São Paulo Kleyton Campos, 32 anos, faz entrega na região de São Paulo Arquivo Pessoal “Todo mundo tá falando que o entregador tá ganhando muito dinheiro, mas não é verdade. A demanda aumentou bastante, mas muitos profissionais estão entrando na moto (nos aplicativos)”, afirma Kleyton Campos, de 32 anos, que trabalha como motoboy há mais de 12 anos em São Paulo. Ele teve que mudar sua rotina durante a pandemia de coronavírus: perdeu o trabalho que tinha fixo em uma empresa de entregas depois do início da crise pela baixa demanda no transporte de documentos. A solução foi mudar o foco totalmente para os aplicativos de delivery, que antes eram apenas um maneira de complementar a renda. A média de faturamento, segundo ele, é de R$ 1 por km rodado. “Tenho que trabalhar até 14 horas por dia para manter o que ganhava antes da pandemia”, relata Kleyton. Antes, segundo o motoboy, ele trabalhava cerca de 8 horas por dia. Entre uma encomenda e outra durante a pandemia, Kleyton tem notado uma mudança na maioria dos clientes: o jeito de tratar o motoboy. “Eu sentia que antes da pandemia o meu trabalho não era valorizado, era discriminado. Eu percebi que nesse tempo de pandemia as pessoas mudaram”, afirma Kleyton. “As pessoas estão com afinidade com o motoboy. Estão gratas”, disse. Em um episódio que o marcou, ele relata um presente inesperado quando fazia entregas. “Ela (a cliente) me deu um ovo de páscoa. Fiquei emocionado”, relembra. Anna Rafaella, 25 anos, Brasília Anna Rafaella, 25 anos, faz entregas de bicicleta em Brasília Arquivo Pessoal Além das motos, outro tipo de forma de delivery em expansão é por meio de bicicletas. Anna Rafaella, de 25 anos, de Brasília, trabalha há 1 ano e meio pedalando pela capital federal levando entregas. “No início, era só um complemento de renda, pois eu ainda estava na universidade e fazia estágio, de forma que sobravam apenas os fins de semana para ficar online nos aplicativos de entrega. Como gostei da experiência, resolvi continuar nessa profissão após me formar, e hoje a minha renda provém integralmente dela”, explica Anna. Com o início da pandemia, ela também notou a mudança no trato por parte dos clientes: “Foi possível notar a preocupação com nós entregadores. Recebi várias mensagens de agradecimento, e pessoas pedindo para eu não esquecer de me proteger. É legal ver esse cuidado comunitário em tempos de pandemia”. Ela relata também mudanças nos pagamentos feitos pelas empresas de aplicativos. “Antes mesmo da pandemia os valores já estavam diminuindo. Na verdade, as promoções, dinâmicas (tarifas mais altas quando a procura está alta) e taxas extras é que reduziram ou deixaram de existir”, conta. “O domingo sempre foi um dia bom: antes eu conseguia aproximadamente R$ 150 nesse dia da semana. Hoje, se eu mantivesse o mesmo número de horas trabalhadas, não conseguiria nem a metade do valor. Então, a solução é trabalhar mais”, explica a entregadora. Com a renda em baixa, ela está fazendo uso do auxílio emergencial do governo durante a pandemia. “Estou usando para pagar meu aluguel”, disse. Josinei Rodrigues, 32 anos, Campinas Josinei Rodrigues, 32 anos, de Campinas (SP) abandonou os aplicativos na pandemia Arquivo Pessoal Enquanto muitos estão chegando para os aplicativos de entrega, Josinei Rodrigues, de Campinas (SP), resolveu abandonar os apps e, durante a pandemia, está fazendo apenas serviços de entregas particulares. “O aplicativo é muito bom quando chega na sua região, a taxa é boa, ele paga bem. Mas, quando começa a agregar muitos entregadores, ele abaixa o preço”, relata Josinei Rodrigues. Outro motivo para largar o atendimento via app foi a violência em sua região. “Está acontecendo muito roubo de motoboy aqui”, afirma Josinei. Além do medo de assaltos, o entregador diz tomar todos os cuidados de prevenção contra a Covid-19. “Eu tenho 3 crianças em casa. Quando chego, já vou tirando as roupas em um local separado e tenho toda precaução”, relata. Alice Rebello, 30 anos, Rio de Janeiro Alice Rebello, de 30 anos, faz entregas há 5 anos no Rio de Janeiro Arquivo Pessoal Entregadora no Rio de Janeiro há 5 anos, Alice Rebello da Costa, de 30 anos, trabalha com a sua moto depois do expediente diário normal. Além de ser motogirl, ela atua na área de seguros. “É complemento da minha renda, aquele dinheiro que realiza os desejos da minha vida. Tinha o sonho de comprar uma moto antes de começar com as entregas”, relembra. “Como uso os aplicativos, eu posso ligar eles a hora que quiser”, pondera Alice. Ela relata que não é de hoje, porém, que os entregadores reclamam das condições de trabalho. “Essa paralisação não é só motivada por esse momento, isso já vem de tempo. Essa briga é por melhor remuneração, algo que nos dê respaldo. Sem entregador, como vão oferecer o serviço?”, questiona. Mesmo com as dificuldades, Alice se declara uma apaixonada pela profissão: “Se eu não tivesse outra carreira, eu efetuaria a profissão de motogirl 100% do tempo. Seria um grande prazer”, explica. Felipe Mateus, 23 anos, Recife (PE) Felipe Mateus, 23 anos, de Recife (PE), entrou para o serviço entregas após perder emprego Arquivo Pessoal Depois de perder o emprego em uma empresa, Felipe Mateus, de 23 anos, começou a fazer entregas no Recife (PE). Ele está trabalhando com os aplicativos há cerca de 5 meses, ou seja, um pouco antes da crise do coronavírus estourar no Brasil. Ele ressalta a flexibilidade da profissão como um dos pontos positivos. "Eu mesmo faço meu horário, meu trabalho", disse. Sua rotina é trabalhar das 11 da manhã às 21h, e notou o recente aumento da concorrência. "Antes da pandemia a gente não via tanto motoboy na rua como hoje", afirma. "Muita gente está trabalhando com isso para não ficar parada". Felipe também relata que gosta de "ver a expressão no rosto das pessoas" ao fazer as entregas: "Dizem que somos guerreiros, lutadores". Mas ele também vê o medo por parte dos clientes pelo contato com os entregadores. "Tem gente que não gosta que a gente entregue diretamente nas mãos", conta. Para o recifense, em alguns lugares os entregadores estão correndo riscos por falta de medidas preventivas. "Ficamos muito em aglomerações, esperando pedidos. E vai chegando mais e mais gente", afirma. David Lima, 20 anos, Soure (PA) David Lima, Soure (PA), trabalha como entregador de pizzaria Arquivo Pessoal Em Soure, na Ilha de Marajó (PA), David Lima, de 20 anos, faz entregas para uma pizzaria há 1 ano e meio. Ele relata que o que mudou foi o uso de máscaras e álcool gel, além do número de entregas. "Dobrou (o serviço). Por um lado, a gente trabalha mais; e, por outro, o medo aumentou", diz. "Ficamos com medo de levar a doença para casa". David aponta que algumas pessoas tratam os entregadores como se estes estivessem infectados pela Covid. Durante a pandemia, ele está trabalhando das 6 da tarde até meia-noite como entregador, mas concilia com o trabalho em uma autopeça. "Aí, no outro dia, tenho que acordar às 7h da manhã". Ewerton de Lima Pereira, 31 anos, Osasco (SP) Rizolito, motoboy há 11 anos, nunca trabalhou por aplicativo Arquivo Pessoal Trabalhando há 11 anos na profissão de motoboy, Ewerton de Lima Pereira, o Rizolito, é apaixonado pelo que faz. "É muito interessante você ser livre; é muito interessante você fazer o seu próprio salário", diz. Mas, para ter os rendimentos para sustentar a família durante a pandemia, ele praticamente está preparado para atender pedidos a qualquer hora. "Na nossa profissão é um dia pelo outro. Geralmente, eu saio de casa às 7h da manhã e volto após às 18h. Mas, se eu chegar em casa e o telefone tocar de novo, eu vou de novo. Não tem horário", diz. Ao contrário de muitos que estão entrando na profissão atualmente, ele se mantém por sua própria clientela. "Eu nunca precisei trabalhar por aplicativo porque trabalho no particular há anos. Eu tenho uma carteira de clientes muito grande, mas se precisar eu vou no maior barato (trabalhar com os apps)", afirma. Mas a pandemia afetou diretamente seus negócios. "Os trampos diminuíram, sim, na pandemia. Principalmente a quantidade de clientes que eu tinha. Agora, essa carteira que eu tinha caiu 90%, mas os 10% que sobraram estão me chamando descontroladamente. O faturamento caiu, mas estou administrando". Motoboy recebe ofensas racistas no interior de SP Motoboy é vítima de agressões verbais e racismo ao fazer entrega em condomínio de Valinhos