Capa do álbum 'Baladas do asfalto & outros blues', de Zeca Baleiro Ilustração de Elaine Ribeiro ♪ DISCOS PARA DESCOBRIR EM CASA – Baladas do asfalto & outros blues, Zeca Baleiro, 2005 ♪ Quem acompanhou a trajetória fonográfica de José Ribamar Coelho Santos – o cantor, compositor, instrumentista e produtor musical conhecido pelo nome artístico de Zeca Baleiro – jamais estranhou quando se deparou em 2005 com o álbum Baladas do asfalto & outros blues. Quinto álbum solo de estúdio de Baleiro, Baladas do asfalto & outros blues já se conectou, pelo título, com a canção que há oito anos projetara o cantor. Sucesso do primeiro álbum solo de Baleiro, Por onde andará Stephen Fry? (1997), a canção Flor da pele embutiu sentimento bluesy acentuado pela conexão com Vapor barato (Jards Macalé e Waly Salomão, 1971) e reverberou com tal força que Baleiro foi parar como convidado da gravação ao vivo feita por Gal Costa naquele ano de 1997 para álbum da série Acústico MTV. Inclusive por ser do Maranhão, onde nasceu em 11 de abril de 1966 em São Luís (MA), tendo sido criado até os oito anos na interiorana cidade de Arari (MA), Zeca Baleiro trouxe no matulão o apego ao suingue dos ritmos vivazes da região que tão bem soube fundir com outras levadas do universo pop. Segundo álbum do artista, Vô imbolá (1999) anunciou já no título a intenção do artista de investir em mistura rítmica brasileira de regionalismo diluído por arranjos de pegada pop. Contudo, no terceiro álbum, Líricas (2000), o cantor se permitiu dar voz a um repertório mais introspectivo. Sucessor de Pet shop mundo cão (2002) na discografia solo de Baleiro, cantor que em 2003 lançou álbum em dupla com o cearense Raimundo Fagner, o CD Baladas do asfalto & outros blues se filiou à lírica do disco de 2000, mas conciliando intimismo existencialista e expansividade musical. Produzido e mixado pelo tecladista Walter Costa com o baixista Dunga, o álbum Baladas do asfalto & outros blues entregou o que prometeu no título, baladas com sentimento de blues, reforçando a assinatura autoral deste artista que, embora somente tenha ganhado projeção nacional em 1997, entrara em cena em 1985. Antes da fama, Baleiro transitou pelo Brasil em busca do sucesso, participando de festivais locais, compondo trilhas sonoras para peças infantis na São Luís natal e tocando nos bares da vida noturna de Belo Horizonte (MG), para onde migrou temporariamente antes de assentar em abril de 1991 na cidade de São Paulo (SP), debutando na cena de Sampa naquele mesmo ano de 1991 com o show Vampiros não comem lasanha. Contemporâneo de Chico César, Lenine e Paulinho Moska (artistas que também se firmaram como cantores e compositores ao longo da década de 1990, após anos de caminhada profissional), Zeca Baleiro também fez nome na área da produção musical, tendo aberto em 2006 o selo Saravá Discos. Nessa área, o artista orquestrou discos relevantes de Odair José, Sérgio Sampaio (1947 – 1994) e Vanusa. A partir de 2010, o cantor passou a lançar álbuns pelo próprio selo – como os dois volumes avulsos do álbum duplo O amor no caos (2019) – sem se negar o direito e a conveniência de editar eventualmente discos por gravadoras de maior porte e força mercadológica, caso da Som Livre, por onde Baleiro lançou álbuns de estúdio como O disco do ano (2012) e Era domingo (2016) entre DVDs com registros ao vivo de shows. Editado via MZA Music, gravadora do produtor musical Marco Mazzola que lançou Zeca Baleiro no mercado fonográfico em 1997 e na qual o artista permaneceu até 2009, o álbum Baladas do asfalto & outros blues apresentou 13 músicas da lavra do artista, com diversos parceiros, no repertório inteiramente autoral. O cancioneiro era quase todo inédito, com exceção de Muzak (1999), balada apresentada há então seis anos pela cantora Rita Benneditto no álbum Pérolas aos povos (1999) e inserida pelo autor com perfeição no conceito deste disco estradeiro de 2005. Com capa que expôs o artista em ilustração de Luciane Ribeiro, o álbum Baladas do asfalto & outros blues foi aberto com a música Versos perdidos, parceria de Baleiro com Nosly Jr. e com o poeta Fausto Nilo. Nessa faixa de abertura, já ficou claro que a sonoridade do disco era essencialmente folk, mas amplificada com a pegada roqueira da banda formada por músicos como o guitarrista Billy Brandão, o tecladista Humberto Barros, o baterista (e percussionista) Marcelo Costa e o violonista Tuco Marcondes, além dos produtores musicais Dunga e Walter Costa. O blues apareceu não no ritmo, mas na atmosfera das letras poéticas de canções como Cachorro doido (Zeca Baleiro e Fernando Abreu) – faixa em que Baleiro citou Posso perder minha mulher, minha mãe, desde que eu tenha o rock'n'roll (Rita Lee, Liminha e Arnaldo Baptista, 1972), música do grupo Os Mutantes – e a composição-título Balada do asfalto. O funk roqueiro Meu amor, minha flor, minha menina evocou a sintaxe do cancioneiro mais lúdico de Baleiro, hábil ao armar jogos de palavras com aliterações e trocadilhos. Canção formatada com o mesmo acento folk que embalou Alma nova (Zeca Baleiro e Fernando Abreu), Flores do asfalto – parceria de Baleiro com Gerson da Conceição – seguiu o caminho estradeiro trilhado pelo cantor em boa parte do repertório deste disco eventualmente desviado para o rota do blues pelo dobro tocado por Tuco Marcondes. Nessa trilha, o álbum por vezes soou introspectivo e impregnado de certa angústia e melancolia, sentimentos que alimentaram a esfumaçada canção Cigarro, a cinzenta Balada do céu negro – composição assinada por Baleiro com Tuco Marcondes – e a canção Mulher amada, criada por Baleiro a partir dos versos do poema Relatividade da mulher amada (1930), obra do poeta mineiro Murilo Mendes (1901 – 1975), morto há então 30 anos. Ao pavimentar o caminho desse álbum, Baleiro se cercou de parceiros poetas, como o vivíssimo cearense Fausto Nilo, letrista da balada Quando ela dorme em minha casa, faixa de bissexto clima solar na atmosfera cinzenta do álbum Baladas do asfalto & outros blues, ainda que também haja na letra instante de lamento pela ausência da musa amada. “Eu guardo as flores mortas na sala / Eu faço sala pro tempo”, poetizou Baleiro com o sentimento bluesy de Amargo, canção de pegada progressivamente roqueira. No fecho terno do álbum, O silêncio funcionou como convite para o ouvinte cair na estrada com Zeca Baleiro e sentir a quentura por vezes amarga do asfalto e da atmosfera que geraram as baladas e os outros blues deste álbum com a lírica de José Ribamar Coelho Santos, um dos tradutores da contemporaneidade da música do Maranhão no universo pop brasileiro.