Para dirigentes, empresas seguem aquilo que os consumidores querem e que não adianta o brasileiro ficar "bravo", argumentando que europeus e americanos já desmataram suas áreas no passado. Gado pasta em meio à fumaça causada por um foco de queimada da Amazônia em Rio Pardo, Rondônia, em setembro de 2019. Ricardo Moraes/Reuters O Brasil precisa atender exigências de consumidores globais de alimentos, especialmente europeus, com a adoção de práticas agrícolas sustentáveis e que coíbam o desmatamento, sob pena de ver fracassar acordos comerciais importantes, como no caso da União Europeia e Mercosul, disseram nesta segunda-feira (3) integrantes do agronegócio. Para Paulo Sousa, presidente da Cargill no Brasil, a comunidade europeia tem requisitos ambientais claros e só fechará um acordo comercial se o país "pelo menos" estiver indo na direção de uma agricultura sustentável. "Negar o pedido da sociedade que quer fazer uma parceria comercial conosco é pedir para não ter esse acordo. Temos que mostrar que estamos fazendo o dever de casa para irmos de encontro a esses requisitos que eles têm para fazer acordo de longo prazo com nosso país", afirmou o presidente da Cargill, durante o Congresso Brasileiro do Agronegócio, realizado pela internet. Até um quinto das exportações de soja e carne da Amazônia e do Cerrado para UE têm rastros de desmatamento ilegal, diz estudo Segundo ele, o consumidor é quem define como as empresas agem, e o Brasil – visto como aquele com maior capacidade de atender o crescimento global da demanda por alimentos – deve atender preocupações relacionadas à emissão de carbono e biodiversidade. "A Europa colocou para ela mesma requisitos muito fortes e metas agressivas de redução de carbono… É difícil para o consumidor europeu ver que está se liberando carbono na forma de madeira…", afirmou ele, em referência às queimadas. Segundo Sousa, não adianta o brasileiro ficar "bravo", argumentando que europeus e americanos já desmataram suas áreas no passado. "Isso é conversa que não vai levar a nada, o fato é que hoje o Brasil tem o papel de suprir a cadeia global de alimentos, tem que fazer isso com critérios modernos, com critérios que aquele consumidor queira e aprove", comentou. Para o presidente da Organização das Cooperativas do Brasil (OCB), Márcio Lopes de Freitas, "chega de botar a culpa no passado, na história". "Tem que ver o que o consumidor quer, a humanidade quer mudança, ela quer o comportamento adequado do produtor", disse ele, ressaltando que o cooperativismo, pela sua organização, tem essa capacidade de atender aqueles requisitos. A presidente do Conselho Diretor da Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (Abia), Grazielle Parenti, ressaltou que "a reputação do agro é fundamental para que possamos continuar abrindo mercados". Ela também chamou a atenção para a necessidade de o Brasil cumprir requisitos visando um acordo entre União Europeia e Mercosul, por exemplo. "(Esse acordo) é uma avenida para o Brasil que vai trazer no longo prazo um crescimento gigantesco…", comentou. Segundo Grazielle, "na guerra da comunicação" às vezes o Brasil não vai tão bem, mas "precisamos contar a nossa história". "Precisamos fazer a coisa certa, às vezes não é simples e barato, mas é a coisa certa, e temos oportunidade muito grande pela frente que não podemos desperdiçar", disse ela, reforçando que o Brasil precisa divulgar a evolução tecnológica de seus sistemas produtivos e sua sustentabilidade. Comunicação ruim Neste contexto, o presidente da OCB avaliou que o governo brasileiro não tem sido eficiente em comunicar as iniciativas do agronegócio brasileiro, principalmente aquelas que dizem respeito à sustentabilidade, e muitas vezes apenas reage de maneira equivocada. "O nosso governo tem sido muito menos competente do que a iniciativa privada na comunicação do nosso Brasil lá fora, principalmente do Brasil agro", afirmou Márcio Lopes de Freitas. Segundo Freitas, a "exceção" nesse processo tem sido a ministra da Agricultura, Tereza Cristina. Para ele, a ministra "tem sido uma gigante na habilidade inclusive de contornar problemas que o governo causa na comunicação externa". "A iniciativa privada, as empresas, as cooperativas, as próprias organizações dos produtores têm sido mais eficientes, o governo tem atrapalhado muito mais do que ajudado e precisa rever esse conceito", destacou o presidente da OCB. As críticas aumentaram durante o governo do presidente Jair Bolsonaro, que para muitos não tem uma postura firme contra o desmatamento na Amazônia. "Não é se defendendo a qualquer custo das acusações, dos desafios que se colocam, que nós vamos resolver isso, temos que encarar o problema de frente, temos que aceitar os comandos do consumidor, do consumidor global, é por aí que nós temos que andar". O agronegócio brasileiro muitas vezes é criticado por supostamente não seguir as melhores práticas de desenvolvimento sustentável, e muitos ambientalistas conectam a expansão do setor ao desmatamento, a despeito do ganho de produtividade do segmento. Também participando do congresso, o presidente da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Celso Luiz Moretti, ressaltou que o Brasil tem um código florestal que regula questões ligadas ao desmatamento e também possui programas como o RenovaBio, que visa estimular ainda mais a descarbonização da matriz de combustíveis. Conforme o sócio-diretor da MB Associados, José Roberto Mendonça de Barros, para aumentar a produção agrícola "não é preciso queimar um hectare de floresta", uma vez que a agricultura brasileira pode ampliar a produtividade e mesmo utilizar áreas de pastagens. VÍDEO: Dados do INPE mostram que a situação do desmatamento piorou em julho Dados do INPE mostram que a situação do desmatamento piorou em julho