Em meio à pandemia do novo coronavírus, foram adotadas diversas ações para liberação emergencial de recursos. Analista diz que ajuda a pequenas empresas ainda não é suficiente. O volume total do crédito ofertado pelos bancos cresceu 4,2% no primeiro semestre deste ano, para R$ 3,624 trilhões, segundo números divulgados nesta quarta-feira (29) pelo Banco Central. O crescimento do estoque foi de R$ 146,260 bilhões.
De acordo com os números da instituição, foi a maior alta do crédito bancário para o período desde 2013, ou seja, em sete anos. Nos seis primeiros meses daquele ano, o volume total do crédito bancário avançou 6,89%, para R$ 2,531 trilhões, uma alta de R$ 163,238 bilhões.
O aumento no crédito bancário, nos seis primeiros meses deste ano, está relacionado às medidas adotadas pelo Banco Central para liberar mais "liquidez", ou seja, recursos, para os bancos emprestarem em meio à pandemia do novo coronavírus.
A instituição anunciou a liberação de mais de R$ 1,2 trilhão para as instituições financeiras em março e, mais recentemente, novas ações foram divulgadas.
Ao mesmo tempo, o governo, em conjunto com o Banco Central, anunciou linhas de crédito emergenciais para as empresas. Porém, a liberação dos recursos só começou a deslanchar, com maior velocidade, nas últimas semanas. Entre as medidas anunciadas estão:
linha de crédito criada pelo governo para pequenas e médias empresas pagarem os salários de seus funcionários. Foi disponibilizado um total de R$ 40 bilhões, com juros baixos, de 3,75% ao ano. Uma das regras, porém, é que ela só pode ser acessada caso as empresas não demitam os trabalhadores. Os recursos são depositados diretamente nas contas dos funcionários. Como a adesão foi baixa, com R$ 4,52 bilhões em crédito contratados até o dia 30 de junho, quando expirou, o BC quer reformulá-la e estendê-la até outubro.
Outra linha de crédito anunciada foi o Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe). A linha de crédito foi sancionada pelo presidente da República em 19 de maio, para capital de giro (despesas como água, luz, aluguel, reposição de estoque, entre outras), para micro e pequenas empresas, com possibilidade de emprestar até R$ 18 bilhões. Os juros são de 1,25% ao ano, mais a taxa Selic (atualmente em 3% ao ano). A linha de crédito deslanchou nas últimas semanas e todos os recursos disponibilizados já foram emprestados.
O governo anunciou, no mês passado, por meio de Medida Provisória, uma nova linha de crédito para pequenas e médias empresas. Os empréstimos poderão ser buscados por empresas que tenham tido receita de R$ 360 mil a R$ 300 milhões no ano passado. A taxa de juros, porém, ainda não foi informada. Segundo o governo, até R$ 100 bilhões podem ser emprestados por meio dessa linha de crédito, mas, até o momento, somente R$ 1,26 bilhão foram contratados.
Neste mês, o Conselho Monetário Nacional (CMN) aprovou nova linha de crédito emergencial, de até R$ 120 bilhões, sendo que ao menos 80% dos recursos do Programa de Capital de Giro para Preservação de Empresas (CGPE) serão direcionados a pequenas empresas. Porém, ainda falta regulamentação.
Falta de crédito para pequenas empresas
Segundo o diretor-executivo da Associação Nacional dos Executivos de Finanças Administração e Contabilidade (Anefac), Miguel José Ribeiro de Oliveira, os dados do Banco Central sobre o comportamento do crédito bancário, no primeiro semestre deste ano, são positivos.
Ele avaliou que houve aumento do volume emprestado, queda nas taxas de juros e alongamento dos prazos, e acrescentou que os programas de crédito emergenciais geraram algum aumento do crédito bancário, em especial no caso do Pronampe. Entretanto, também fez ressalvas.
"A gente está acompanhando que há 'empoçamento' dos recursos [liberados pelo BC nos nas instituições financeiras]. Os bancos continuam sendo muito restritivos no crédito. As grandes empresas continuam tendo acesso fácil ao crédito, mas as pequenas ainda estão com muita dificuldade", declarou.
De acordo com o diretor da Anefac, os bancos vêem risco maior ao emprestar para as empresas de menor porte. "E não estão errados pois estão pensando em seu negócio. Se eles olham para frente e vêem que muitas empresas vão fechar, que vão pedir recuperação judicial, falência, não podem emprestar pois assumem o risco dessa inadimplência. Os bancos têm sido muito seletivos" concluiu.
No mês passado, o diretor de Política Econômica do BC, Fabio Kanczuk, admitiu que, apesar de o crédito para as pequenas e médias empresas do país estar "fluindo", a demanda por empréstimos durante a pandemia tem sido superior à oferta. Segundo ele disse na ocasião, os bancos não estavam conseguindo satisfazer o surto imenso de demanda por crédito bancário.
Juros bancários, 'spread' e inadimplência
De acordo com o BC, no primeiro semestre houve queda nos juros médios das instituições com recursos livres (sem contar BNDES, crédito rural e imobiliário):
a taxa média total (pessoa física e jurídica) passou de 33,4% ao ano em dezembro de 2019 para 27,9% ao ano em junho deste ano;
os juros nas operações com pessoas físicas passaram de 46% ao ano em dezembro de 2019 para 40,7% ao ano em junho deste ano;
a taxa média cobrada das empresas passou de 16,3% ao ano em dezembro de 2019 para 13% ao ano em junho deste ano;
a taxa média do cartão de crédito rotativo de pessoa física passou de 318,8% ao ano em dezembro de 2019 para 300,3% ao ano em junho deste ano. Mesmo com a queda, segue extremamente elevado, e a recomendação de analistas é que seja evitada.
a taxa média do cheque especial pessoa física passou de 247,6% ao ano em dezembro de 2019 para 110,2% ao ano em junho deste ano. Nesse caso, o BC adotou um teto para os juros.
A queda dos juros bancários médios e das operações com pessoas físicas acontece em um momento de recuo da taxa básica de juros da economia. No primeiro semestre deste ano, a Selic foi baixada pelo BC para 4,5% ao ano (dezembro do ano passado) para 2,25% ao ano (mínima histórica).
De acordo com o BC, o chamado "spread" bancário (diferença entre quanto bancos pagam pelos recursos e quanto cobram dos clientes) médio passou de 27,9 pontos percentuais, em dezembro do ano passado, para 23,4 pontos percentuais em junho – uma queda de 4,5 pontos percentuais.
Nas operações com pessoas físicas, houve redução de 40,2 pontos em dezembro de 2019 para 35,7 pontos em maio deste ano. Com isso, mesmo com a redução nos seis primeiros meses deste ano, o "spread" bancário ainda segue em patamar elevado para padrões internacionais.
O "spread" é composto pelo lucro dos bancos, pela taxa de inadimplência, por custos administrativos, pelos depósitos compulsórios (que são mantidos no Banco Central) e pelos tributos cobrados pelo governo federal, entre outros.
A taxa de inadimplência média dos bancos do crédito com recursos livres, por sua vez, permaneceu estável em 3,7% no primeiro semestre deste ano. No caso das operações com pessoas físicas, a inadimplência passou de 5% em dezembro de 2019 para 5,2% em junho, e nas empresas, caiu de 2,1% para 2% na mesma comparação.