Capa do álbum 'Alma de borracha', de Beto Guedes Reprodução ♪ DISCOS PARA DESCOBRIR EM CASA – Alma de borracha, Beto Guedes, 1986 ♪ A presença de Beto Guedes na música brasileira sempre foi tão discreta que poucos notaram o nome desse artista mineiro de ascendência baiana na ficha técnica do álbum duplo Clube da Esquina (1972), pedra fundamental do movimento pop das Geraes capitaneado pelo gregário Milton Nascimento no início da década de 1970 em Belo Horizonte (MG), cidade para onde Beto se mudara com a família em 1961. Contudo, Alberto de Castro Guedes – mineiro de Montes Claros (MG), nascido em 13 de agosto de 1951 – estava lá naquele disco antológico, como instrumentista polivalente no toque de baixo, guitarra, violão e percussão. Beto estava lá no LP de 1972 como esteve também, ainda criança, no grupo de choro formado pelo pai, Godofredo Guedes. No conjunto, o pequeno Beto entrou em cena como pandeirista, antes de passar para o violão. Choro de pai – composição instrumental que fechou o álbum Alma de borracha, lançado pelo artista em 1986 através da gravadora EMI-Odeon – foi alusão sensível àqueles primeiros tempos musicais com o pai protetor em (mais um) tributo prestado por Beto a Godofredo Guedes na discografia. Amigo dos irmãos Borges, com quem formou o conjunto adolescente The Beavers (1961 – 1966) para expressar a devoção aos Beatles, Beto logo se enturmou naturalmente no Clube da Esquina entre idas e vindas de Belo Horizonte (MG) para Montes Claros (MG), cidade natal onde integrara o grupo Os Brucutus entre 1968 e 1969. Músico que se tornou compositor a partir de 1969, ano das criações das músicas A quem viveu no mar (Beto Guedes e Marcio Borges) e Equatorial (Beto Guedes, Lô Borges e Marcio Borges), Beto Guedes começou a ganhar certa visibilidade em 1970 quando, em temporada na cidade do Rio de Janeiro (RJ), teve a música Feira moderna (Beto Guedes, Lô Borges e Fernando Brant, 1970) propagada em festival e disco do grupo Som Imaginário. A mencionada participação como músico no álbum Clube da Esquina abriu caminho para que Beto pavimentasse a própria discografia. O primeiro LP, lançado em 1973, foi dividido com os também emergentes Danilo Caymmi, Novelli e Toninho Horta. Já o primeiro álbum solo, A página do relâmpago elétrico, foi lançado somente em 1977 – no embalo de gravações feitas com Milton Nascimento a partir de 1975 – e alavancou definitivamente a carreira do artista. Com título alusivo a Rubber soul (1965), álbum dos Beatles, Alma de borracha foi o sexto dos oito álbuns editados por Beto Guedes na gravadora EMI-Odeon entre 1977 e 1991, em carreira solo que projetou o cancioneiro autoral do compositor com sucessos imortais como Amor de índio (Beto Guedes, 1978), Sol de primavera (1979) e O sal da terra (Beto Guedes, 1981) – três exemplos da sintonia deste melodista com a poética lírica de Ronaldo Bastos, um dos letristas mais requisitados por Beto na construção de obra alicerçada em ideais e sentimentos nobres como o amor à natureza e ao ser humano. Ronaldo Bastos, a propósito, foi o produtor de Alma de borracha e também o letrista de cinco das dez músicas então inéditas que compuseram o repertório parcialmente autoral do álbum. Mesmo sem ter legado sequer um standard ao cancioneiro de Beto Guedes, o álbum deu ao artista o primeiro Disco de ouro da carreira pelas alardeadas 100 mil cópias vendidas do LP no embalo do plano econômico que impulsionou o mercado fonográfico do Brasil naquele ano de 1986. Como outros discos gravados pelo cantor nos anos 1980, o álbum Alma de borracha ostentou sonoridade pop em sintonia com o tom da época. Essa pegada pop ficou evidente já na música que abriu o disco – Flor da razão, uma das cinco parcerias com Bastos apresentadas no disco – e reverberou em Calor humano, primeira e única parceria de Beto com Dalto, cantor e compositor fluminense que vivia fase de grande popularidade naqueles anos 1980. Dalto foi o convidado da gravação dessa canção humanista letrada por Ronaldo Bastos, também autor dos versos de Quando a saudade não se vai em outra conexão autoral com Beto. Single do álbum Alma de borracha, Tudo em você (Beto Guedes e Ronaldo Bastos) foi trilha sonora da novela Selva de pedra (TV Globo, 1986) e ecoou o universo melódico e poético da obra do compositor. Fora desse seguro trilho autoral, Beto – que popularizara a canção Paisagem da janela (Lô Borges e Fernando Brant, 1972) para a geração dos anos 1980 em gravação do álbum anterior Viagem das mãos (1984) – fez brotar Lágrima de amor (Luiz Guedes e Marcio Borges) com fluência pop e celebrou em São Paulo (Luiz Guedes e Thomas Roth) a babel e a paisagem cinzenta da maior cidade do Brasil, sob a ótica humanista do artista. Compositor dessas duas faixas, Luiz Guedes (1949 – 1997) – cabe lembrar – era primo de Beto. Assinada por Beto em parceria com Milton Nascimento e Ronaldo Bastos, a canção Objetos luminosos foi identificada no disco pela presença vocal de Zizi Possi, cantora então em fase pop da discografia. Nesse álbum de 1986, Beto Guedes se cercou dos amigos mineiros do Clube da Esquina. A música-título Alma de borracha veio com a assinatura dos irmãos Telo Borges e Marcio Borges. Já Amormeuzinho trouxe os nomes de Tavinho Moura e Fernando Brant (1946 – 2015), acentuando a sensação de coerência do disco com a obra pregressa de Beto Guedes. Após o álbum Alma de borracha, o cantor lançou no ano seguinte o disco Beto Guedes ao vivo (1987), com gravação de show de roteiro naturalmente retrospectivo, até ir sumindo progressivamente do mercado fonográfico sem sair de cena. Nos anos 1990, refratários para o artista, o cantor apresentou o último álbum de inéditas pela gravadora EMI, Andaluz (1991). Seguiram-se então álbuns cada vez mais esporádicos, casos do revisionista Dias de paz (1999) e de Em qualquer lugar (2004), este um disco com repertório inédito que gravitou pela órbita humanista em que sempre girou com discrição o arredio (porque tímido) e talentoso Alberto de Castro Guedes – Beto Guedes, para o Brasil dos anos 1970 e 1980.