Escrito por Toninho Vaz, livro 'Meu nome é ébano' é consistente e tem lançamento programado para 4 de agosto, dia em que a morte do cantor completa três anos. Resenha de livro Título: Meu nome é ébano – A vida e a obra de Luiz Melodia Autor: Toninho Vaz Editora: Tordesilhas Cotação: * * * * ♪ O maior mérito da biografia Meu nome é ébano – A vida e a obra de Luiz Melodia é mostrar que, por trás de fama de maldito e de artista “difícil”, havia um Negro Gato tão sensível quanto arisco. Tão agregador quanto indócil. As ideias de Luiz Carlos dos Santos (7 de janeiro de 1951 – 4 de agosto de 2017) nem sempre corresponderam aos fatos veiculados sobre Luiz Melodia, a personalidade que surgiu para o público a partir de novembro de 1971 quando Gal Costa apresentou a canção Pérola negra no roteiro do show Fa-tal – Gal a todo vapor (1971 / 1972) e mostrou ao Brasil a inusitada verve poética e melódica deste compositor criado no Morro de São Carlos, no bairro do Estácio, berço do samba carioca. Escrito pelo jornalista Toninho Vaz, biógrafo do poeta tropicalista Torquato Neto (1944 – 1972), o livro Meu nome é ébano – A vida e a obra de Luiz Melodia tem lançamento programado pela editora Tordesilhas para 4 de agosto, data em que a morte do artista completa três anos. Introduzida por prólogo em que Vaz contextualiza a relação do autor com a obra de Melodia, a narrativa da biografia é consistente e está estruturada em 15 capítulos. Os mais fluentes estão concentrados na primeira metade do livro, sobretudo na parte em que o escritor revela a vida pré-fama de Melodia, apelido que Luiz Carlos ganhou aos 12 anos e que aceitou por conectá-lo ao pai, Oswaldo dos Santos, compositor conhecido no morro de São Carlos como Oswaldo Melodia pelo dom musical. Garoto que amou os Beatles e Roberto Carlos, como muitos que cresceram ao som da Jovem Guarda, Luiz logo mostrou que o dom para a música era herança da família. Ainda adolescente, o artista debutante formou dupla informal com Walmir Lucena, o amigo conhecido nas quebradas de São Carlos como Mizinho, parceiro de Luiz na primeira das 146 músicas, Guarida, da obra autoral do compositor. A Guarida, logo somou-se uma segunda composição da dupla, O playboy, como revela Toninho Vaz ao detalhar a pré-história musical de Luiz. A biografia corrige pequenas distorções sobre a “descoberta” do artista pelo meio artístico da badalada zona sul carioca ao acentuar que foi o pintor carioca Hélio Oiticica (1937 – 1980) quem primeiro subiu o Morro de São Carlos e – alertado sobre o talento de Luiz pela amiga em comum Rose do Estácio –deu o toque em Waly Salomão (1943 – 2003) e em Torquato Neto. Mesmo sem ter sido o primeiro a “descobrir” Luiz Melodia, como geralmente era alardeado até então, foi Waly, efervescente poeta baiano, quem fez a ponte do compositor com Gal Costa, primeira cantora da MPB a gravar Luiz Melodia com repercussão, embora Vaz sustente que a primazia é de Lena Rios, cantora piauiense que teria gravado Garanto (Luiz Melodia e Célio José) antes de Gal (sites especializados na história da fonografia brasileira creditam o disco de Lena ao ano de 1972 enquanto o álbum ao vivo de Gal foi lançado em dezembro de 1971). Luiz Melodia tem a fama de 'difícil' contextualizada pelo jornalista Toninho Vaz na biografia 'Meu nome é ébano' Marcelo Correa / Divulgação De todo modo, o fato é que Pérola negra somente entrou no histórico show de Gal porque a censura vetou Presente cotidiano, música que Melodia fizera para a cantora incluir no show Fa-tal. Com a proibição, Pérola negra foi a composição de Luiz escolhida para o roteiro e o resto é história. Aliás, na página 48, Toninho Vaz se confunde ao cravar que Angela Maria (1929 – 2018) também teria gravado Pérola negra em álbum de 1971 intitulado Angela, quando, na realidade, a Sapoti regravou a música em LP de 1972 também intitulado Angela. Erros eventuais à parte, o autor mostra bom domínio da história que conta com notável interesse nas 336 páginas da biografia Meu nome é ébano – A vida e a obra de Luiz Melodia, relatando fatos curiosos como o porre do artista e de músicos momentos antes de entrar em cena em show idealizado por Torquato Neto para mostrar a voz de Melodia antes de o artista lançar o primeiro álbum – o que inviabilizou a apresentação e gerou rusga séria entre o cantor e o poeta tropicalista. Com o status obtido como compositor pelas gravações de Gal e de Maria Bethânia, que lançou o samba Estácio Holly, Estácio em 1972, Melodia ficou famoso, passou a ser cortejado pelas mulheres (e aproveitou a vida sexual que se descortinou e se intensificou com o aroma afrodisíaco do sucesso) e teve a oportunidade de gravar, na Philips, o primeiro álbum, Pérola negra, LP lançado em 1973 e desde então item indispensável em qualquer antologia fonográfica brasileira. Com a fama, vieram também os dissabores do sucesso e as incompreensões de um público nem sempre aberto para entender a sintaxe singular da música de Luiz Melodia. As vaias e os intoleráveis xingamentos racistas dirigidos ao cantor, em apresentação em festival no interior de Pernambuco em fevereiro de 1973, provocaram crise de choro e cicatrizes invisíveis em Luiz, que já convivera com o enojante racismo da polícia quando, antes da fama, ele era um jovem negro que, como muitos, chegou a ser interpelado por guardas somente pela cor da pele, sem ter dado motivo algum para ser alvo de desconfiança policial. A pressão de Roberto Menescal, diretor artístico da gravadora Philips, por um segundo álbum do cantor – com repertório voltado para o samba – também causou indigestão e a ruptura com a companhia. Começava a nascer a fama de “maldito” que acompanharia Luiz Melodia por toda a vida, mas que, como contextualiza Toninho Vaz, era tão somente fruto da independência artística desse cantor e compositor indomável. Além dos embates profissionais do artista, Vaz narra as aventuras afetivas de Luiz com mulheres como a dançarina capixaba Beatriz Saldanha – em união que gerou o primeiro filho do cantor, Hiram, do qual o pai ficou anos afastado porque o menino foi criado em Vitória (ES) – e a baiana Jane Reis, companheira (e futura empresária) que conheceu no verão de 1977, em Salvador (BA), e que se tornou um norte na vida do artista e de cidadão cuja existência foi pautada por excessos de afeto e álcool em combinação às vezes explosiva. Sem jamais dar tom popularesco à narrativa, Toninho Vaz mantém o domínio da arte sobre a vida privada, sobretudo na segunda metade do livro, mais concentrada nos relatos de discos e shows. O autor relata os conceitos de álbuns como Maravilhas contemporâneas (1976), Mico de circo (1978), Nós (1980), Felino (1983), Claro (1987) e Pintando o sete (1991), Relíquias (1995), 14 quilates (1997), Retrato do artista quando coisa (2001) e Zerima (2014), entre outros títulos – todos com os respectivos repertórios listados na discografia anexada à parte final do livro com as devidas capas dos LPs/CDs. Sem deixar de enaltecer o talento do artista biografado, mas tampouco sem pintar o Negro Gato com o verniz artificial das biografias chapa brancas, o livro Meu nome é ébano – A vida e a obra de Luiz Melodia cumpre bem o papel de contar a história de um ser humano complexo, artista ora amoroso, ora rebelde, por conta da natureza independente de quem nasceu, viveu e morreu livre.