Capa do álbum 'Sueli Costa', de Sueli Costa Mello Menezes ♪ DISCOS PARA DESCOBRIR EM CASA – Sueli Costa, Sueli Costa, 1977 ♪ É impossível contar detalhadamente as trajetórias das cantoras Elis Regina (1945 – 1982), Maria Bethânia, Nana Caymmi e Simone em discos e shows sem escrever algumas vezes o nome de Sueli Costa. Compositora que construiu obra sensível, pautada pela inspiração melódica da autora e pela poesia de parceiros letristas como Abel Silva, Cacaso (1944 – 1987), Paulo César Pinheiro e Tite de Lemos (1942 – 1989), entre outros grandes nomes, Sueli Correa Costa viveu o auge do período criativo nas décadas de 1970 e 1980. Sueli Costa – segundo álbum da artista de origem carioca e criação mineira, nascida em 25 de julho de 1943 – foi lançado em 1977, ano em que Simone apresentou em disco as músicas Face a face (Sueli Costa e Cacaso, 1977) e Jura secreta (Sueli Costa e Abel Silva, 1977), dois exemplos da maestria da obra dessa compositora e instrumentista que se dedicou ao toque do piano após se iniciar na música pelo violão, instrumento em que fez aos 17 anos a primeira composição, Baiãozinho (1960). Dona de voz pequena, mas suficiente para mostrar pleno entendimento das emoções entranhadas na obra da compositora, Sueli se aventurou pela arte do canto em oito álbuns lançados entre 1975 e 2018. Os cinco álbuns lançados pela artista na gravadora Odeon – Sueli Costa (1975), Sueli Costa (1977), Vida de artista (1978), Louça fina (1979) e Íntimo (1984) – concentram o suprassumo da obra da compositora, com destaque para os quatro discos dos anos 1970. Dentro dessa obra, o álbum Sueli Costa de 1977 se diferenciou por ter sido disco gravado sob produção artística de João Bosco e Aldir Blanc (1946 –2020), dupla de compositores que era a sensação da MPB naqueles anos 1970. Ninguém menos do que Wagner Tiso assinou os arranjos de tons orquestrais, bisando a parceria iniciada com Sueli em 1975 no álbum de estreia da artista. Tiso criou orquestrações requintadas, como mostrou logo de cara o registro da autora para a primeira das 11 músicas alinhadas nos lados A e B do LP Sueli Costa. Tratava-se de Amor, amor (Sueli Costa e Cacaso, 1976), composição propagada no ano anterior por Maria Bethânia – em gravação feita para o álbum Pássaro proibido (1976) – e apresentada em 1975 na voz da cantora Marília Barbosa em fonograma da trilha sonora da novela O grito (TV Globo, 1975 / 1976). Quando Sueli Costa lançou o segundo álbum em 1977, com capa em que expôs a artista em foto de Mello Menezes, fazia dez anos que a sempre antenada Nara Leão (1942 – 1989) tivera a primazia, em 1967, de ser a primeira cantora a gravar música de Sueli Costa, Por exemplo: você, parceria da compositora com o letrista João Medeiros Filho. Quatro anos depois da gravação de Nara, Maria Bethânia deu o grande impulso à carreira da compositora ao incluir nada menos do que três músicas de Sueli Costa no roteiro do antológico espetáculo Rosa dos ventos – O show encantado (1971). Uma dessas três músicas, Sombra amiga (Sueli Costa e Tite de Lemos), foi excluída do disco ao vivo com o registro do show teatral de Bethânia e ganhou o primeiro (e por ora único) registro fonográfico neste segundo álbum de Sueli Costa. O repertório do disco está repleto de músicas então inéditas que permaneceram pouco ouvidas no cancioneiro da compositora, caso do samba Poeira e maresia (Sueli Costa e Cacaso), cuja orquestração de Wagner Tiso se revelou expansiva e grandiosa – com o toque jazzy do piano que embasou o arranjo – em contraste com o tom geralmente íntimo da obra de compositora. Foram também os casos do bolero Guadalupe (Sueli Costa e Tite de Lemos), do samba-canção Doce mentira – rara música assinada somente por Sueli Costa – e de Outra canção de amor (Coração cromático), parceria da compositora com Tite de Lemos, também letrista da amarga Acorrentado, outra música lançada e esquecida neste disco. Das músicas mais conhecidas, além de Amor, amor, o destaque foi Cão sem dono, parceria então inédita de Sueli Costa com Paulo César Pinheiro que seria regravada por cantoras como Elis Regina (em 1978), Zizi Possi (também em 1978) e Leila Pinheiro (em 1983). Embora geralmente associado ao canto feminino, o cancioneiro de Sueli Costa nunca se enquadrou na corrente feminista das obras de outras compositoras, como Fátima Guedes e Joyce Moreno. Levando adiante o legado das antecessoras pioneiras Dolores Duran (1930 – 1959) e Maysa (1936 – 1977), Sueli Costa foi uma das primeiras mulheres a se impor como compositora na música brasileira, só que a poesia da obra da artista se calcou na escrita dos parceiros homens da autora. Ainda assim, a sensibilidade desses parceiros poetas – em fina sintonia com a delicadeza das melodias da compositora – moldou as canções da artista para as vozes de mulheres, intérpretes perfeitas dos versos de poetas como Cacaso. Da lavra de Sueli com Cacaso, o samba As labaredas acendeu a chama da alma carioca da artista quase na mesma cadência de outro samba, Falando sério, outra parceria da compositora com o poeta Cacaso. Completou o repertório do álbum Sueli Costa a única música sem a assinatura da compositora, Pedra da lua, parceria de Toninho Horta com Cacaso lançada pela autora antes de ganhar gravações do grupo Boca Livre e do próprio Horta. Disco com a alta densidade poética que marca o cancioneiro do compositora, o LP Sueli Costa nunca foi reeditado em CD e, embora a obra da autora sempre tenha ganhado brilho adicional em vozes mais alentadas como as de Maria Bethânia e Simone, esse álbum de 1977 foi registro fiel à alma da criadora de tantas grandes canções que desafiam os efeitos do tempo pela beleza perene.