Capa do álbum 'Arrasta povo', de Roberto Ribeiro Fernando Carvalho ♪ DISCOS PARA DESCOBRIR EM CASA – Arrasta povo, Roberto Ribeiro, 1976 ♪ A explosão nacional de Martinho da Vila em 1969 foi decisiva para a expansão do samba entre o público de classe média do Brasil dos anos 1970, a ponto de impactar o mercado do disco nessa década. No rastro do retumbante sucesso de Martinho, a indústria fonográfica investiu em cantores e cantoras associados ao gênero, como Alcione, Beth Carvalho (1946 – 2019) e Clara Nunes (1942 – 1983). Foi nesse movimento favorável que emergiu Demerval Miranda Maciel (20 de julho de 1940 – 8 de janeiro de 1996), ou melhor, Roberto Ribeiro, nome artístico desse grande cantor fluminense que saiu precocemente de cena, aos 55 anos, em decorrência de atropelamento sofrido na zona oeste do Rio de Janeiro (RJ), cidade onde o artista viveu dias de glória nos anos 1970 – década de álbuns como Arrasta povo (1976) – e onde também amargou injusto ostracismo ao longo da década de 1990. A injustiça continua sendo praticada, de forma inconsciente, por quem pensa que o samba Todo menino é um rei (Nelson Rufino e Zé Luiz, 1978) foi lançado por Diogo Nogueira em 2009 quando, na realidade, a composição surgiu e se popularizou 31 anos antes na privilegiada voz de Roberto Ribeiro, cantor nascido há exatos 80 anos na cidade fluminense de Campos dos Goytacazes (RJ). Todo menino é um rei impulsionou em 1978 as vendas do quinto álbum solo do artista, Roberto Ribeiro, e consolidou a carreira do cantor em ação iniciada a rigor pelo álbum Molejo (1975) – disco dos sucessos Estrela de madureira (Acyr Pimentel e Ubirajara Cardoso, 1975) e Proposta amorosa (Monarco, 1975) – e ampliada por Arrasta povo, LP lançado em 1976 no embalo do êxito de Molejo, com produção musical de Renato Corrêa e arranjos de João de Aquino, compositor – em parceria com Paulo Frederico – de Lua aberta (1970), uma das 12 músicas do LP. Apresentado com texto escrito pelo crítico Roberto Moura (1947 – 2005), o álbum Arrasta povo foi o quarto dos 15 LPs editados por Roberto Ribeiro na gravadora Odeon entre 1972 e 1987. O primeiro saiu em 1972 e foi dividido com ninguém menos do que Elza Soares, cantora que batalhou pela contratação do colega iniciante pela Odeon. Também compositor, Roberto Ribeiro tinha debutado no mercado fonográfico em 1970, ano em que lançou single pela gravadora Copacabana com duas músicas, sendo que uma, Lágrimas de dor (1970), tinha entre os autores ninguém menos do que Bezerra da Silva (1927 – 2005). Promessa de craque do futebol brasileiro que chegou a treinar no Fluminense, Roberto Ribeiro trocou a bola pela música e, no campo do samba, logo se integrou ao time do Império Serrano, uma das mais tradicionais agremiações do Carnaval do Rio de Janeiro – filiação que justificou a inclusão, no repertório do álbum Arrasta povo, de Glórias e graças da Bahia (Silas de Oliveira e Joacyr Santana, 1965), samba-enredo com o qual a escola do bairro carioca de Madureira desfilara há dez anos no Carnaval de 1966. Artista de origem pobre, Roberto Ribeiro arrastou povo com dois sambas apresentados neste coeso LP de 1976, álbum gravado com músicos do naipe de Abel Ferreira (clarinete), Altamiro Carrilho (flauta), Cabelinho (surdo), Carlinhos (cavaquinho), Doutor (repique), Geraldo Bongo (atabaque e tumbadora), Gordinho (surdo), João de Aquino (violão), Jonas (cavaquinho), Jorginho do Pandeiro (pandeiro), Marçal (cuíca e tamborim), Nelsinho (chocalho), Niquinho (bandolim), Paschoal Meirelles (bateria), Pedro Sorongo (berimboca), Valdir (violão de sete cordas) e Wilson das Neves (bateria), além das vozes de Waldir Correa, Ronaldo Correa, Roberto da Fé, Ilton, José Amaro, José Carlos, Genival, Dinorah, Zélia, Euridice e Maria Teresa no coro recorrente nas 12 faixas do disco. O maior sucesso do álbum Arrasta povo foi Acreditar (1976), então inédito samba da lavra poética de Ivone Lara (1922 – 2018) – então já começando a visibilidade como compositora – com Delcio Carvalho (1939 – 2013). Desde então sempre regravado, o samba Acreditar atravessou gerações com mais força do que o outro sucesso popular do álbum Arrasta povo, Tempo ê (1976), samba com tempero baiano (com direito a interiorano toque violeiro no arranjo de João de Aquino) dos mesmos autores, Nelson Rufino e Zé Luiz, do futuro sucesso Todo menino é um rei. Samba que também se mostrou com força popular, até porque também foi gravado e promovido por Monarco naquele mesmo ano de 1976, O quitandeiro – grande pagode da lavra do próprio Monarco com Paulo da Portela (1901 – 1949) – mostrou que, no coração imperial de Roberto Ribeiro, também havia amor pela Portela, ainda que esse coração batesse mesmo na cadência da Serrinha. Tanto que no único samba que assinou (com Joel Menezes) no repertório do álbum Arrasta povo, Império bamba (1976), o compositor louvou a agremiação verde-e-branca. No repertório do disco, o cantor também apresentou Samba de Irajá (1976) – composição do então emergente bamba carioca Nei Lopes – e Podes rir (Comprido e Daniel de Santana, 1976). Rose (1975) foi parceria do compositor baiano Ederaldo Gentil (1944 – 2012) com o conterrâneo Nelson Rufino, nome fundamental na discografia de Roberto Ribeiro, até por ser autor de sucessos blockbusters do cantor, como Vazio (Está faltando uma coisa em mim) (1979) e o já mencionado Todo menino é um rei. Rose simbolizou instante de melancolia – bisado na gravação de Meu pranto continua (Jorge Lucas e Walter de Oliveira, 1976) – em álbum pautado pela alegria do samba de tom mais expansivo. Composição de beleza triste, Rose havia sido apresentada no anterior pelo próprio autor Ederaldo Gentil no primeiro álbum do artista, Samba, canto livre de um povo (1975). Em Samba do sofá (Dicró e Geraldo Babão), Roberto Ribeiro soube diluir a melancolia causada pela dor-de-corno com certa ironia malandra e bem-humorada. Tema em que Wilson Moreira (1936 – 2018) revolveu a raiz africana do samba, Moda-ruê fechou o álbum Arrasta povo com arranjo percussivo. Voz que ecoou forte na segunda metade dos anos 1970, Roberto Ribeiro deixou álbuns antológicos como Poeira pura (1977) e Coisas da vida (1979), além do já citado Roberto Ribeiro (1978). A partir do álbum Fala meu povo! (1980), a discografia do cantor fluminense perdeu impulso nas paradas – talvez porque o artista nunca tenha se integrado à geração de sambistas do Cacique de Ramos, turma que deu o tom do samba da década de 1980 – sem jamais perder a qualidade do repertório. Álbuns como Massa, raça e emoção (1981), Fantasias (1982), Roberto Ribeiro (1983), Corrente de aço (1985) e Sorri pra vida (1987) deixaram eternizada a grande voz deste cantor que marcou época nos anos 1970, propagando samba da melhor qualidade.