Corridas particulares se tornaram mais valiosas do que nunca e o auxílio emergencial não chegou a todos que pediram. O G1 ouviu histórias de alguns desses trabalhadores. As necessárias medidas de distanciamento social para conter a pandemia do coronavírus afetaram diretamente a vida dos motoristas de aplicativos, que enfrentam dificuldades para fecharem as contas de casa. Mesmo com o relaxamento da quarentena em alguns locais do país, que já apresentam uma expressiva melhora na demanda para esse serviço, alguns contaram que vão demorar para se recuperarem — ou serão obrigados a buscar outras fontes de renda. Muitos deles precisaram se desfazer de bens, entregar casas alugadas e até devolver carros a locadoras, ficando sem o instrumento de trabalho. Nos 2 primeiros meses da pandemia, dos 200 mil carros que estavam alugados para os motoristas de aplicativos, 160 mil foram devolvidos. Agora, além dos 40 mil que permaneceram em circulação, outros 40 mil já voltaram às ruas, segundo a Associação Brasileira das Locadoras de Automóveis (Abla). Para quem continuou rodando, as empresas têm oferecido algumas ajudas que variam entre higienização dos veículos, instalação de películas ou barreiras protetoras, e distribuição de máscaras e álcool em gel 70%. Caso os motoristas prefiram realizar os cuidados por conta própria, há reembolso. Também foram definidas algumas regras pelos aplicativos: há limite para 3 passageiros, que devem estar sempre no banco traseiro. Todos os ocupantes do veículo devem usar máscaras. As medidas adotadas podem variar entre Uber, 99 e Cabify. O G1 ouviu trabalhadores de diversas partes do Brasil. Para a maioria, o auxílio emergencial do governo federal e eventuais corridas particulares se tornaram as únicas formas de sustento no momento. Conheça as histórias: Mario Mota, 32 anos, Passo Fundo (RS) Mario Mota, de Passo Fundo (RS), devolveu casa e carros alugados Arquivo pessoal Depois de dois anos trabalhando como vendedor em uma rede varejista, Mario resolveu mudar de emprego em nome de sua saúde, já que vinha sofrendo frequentes crises depressivas pelo ritmo do trabalho. Pensando em rotinas e escalas de trabalho próprias e mais flexíveis, ele escolheu se tornar motorista da Uber, onde estava há 6 meses rodando com um Fiat Argo alugado. Isso até a pandemia do coronavírus chegar ao Brasil. Porém, Mario precisou deixar tudo para trás em Itajaí (SC), onde morava e trabalhava, e voltou a morar com a mãe, em Passo Fundo (RS), com a queda drástica na demanda de passageiros e o auxílio emergencial negado A crise causada pela Covid-19 obrigou o motorista a entregar a casa e o carro alugados. Só no carro ele pagava R$ 1.045 mensais. Ainda sem a possibilidade de levar o que tinha para a casa da mãe, precisou vender ou doar tudo, entre móveis e eletrodomésticos. "A minha renda, que eu fazia R$ 160 por dia, reduziu a uns R$ 60", disse. Segundo ele, o número de corridas caiu 70% no ápice da pandemia, ainda em Itajaí. Agora, mesmo com as medidas de relaxamento acontecendo por quase todo o país, Mario já não pensa mais em voltar para os apps. Ele conseguiu um novo emprego de carteira assinada como auxiliar de produção em uma fábrica de rações em Passo Fundo. Hugo Rodrigues Júnior, 50 anos, Santo André (SP) Hugo Rodrigues, de Santo André (SP), continua com veículo alugado graças ao auxílio emergencial Arquivo pessoal Solteiro e sem filhos, há 3 anos Hugo apostou nos aplicativos de transporte uma alternativa rápida para ganhar dinheiro quando foi demitido de uma companhia de gás, onde trabalhava como técnico de manutenção. Com a chegada da pandemia do coronavírus, ele viu seu faturamento cair pela metade em uma jornada de 12 horas, mas não revelou qual era seu ganho diário ou mensal. "A gente chega a ficar uma hora, uma hora e meia parado, com o aplicativo ligado sem nem tocar uma corrida", disse Hugo. A aprovação do auxílio emergencial teve grande importância para que ele pudesse pagar o aluguel do veículo, de R$ 680. O faturamento diário, mesmo que baixo, ainda permitiu complementar o restante das contas. A recente abertura do comércio na Grande São Paulo e no ABC Paulista impactou no movimento dos aplicativos, mas segundo Hugo o faturamento ainda estava "abaixo do esperado". Para ele, o comportamento de conversa dos passageiros não mudou e, nas poucas vezes em que as pessoas estavam sem máscara, foi por esquecimento. Ele pediu e imediatamente a proteção foi colocada. "Por duas vezes dei máscaras descartáveis e aceitaram de pronto", disse. Porém, uma surpresa nada agradável fez com que Hugo decidisse por devolver o veículo: a locadora passou a praticar preços muito mais altos do que antes da pandemia, cerca de R$ 1.700 por categorias equivalentes a que ele já alugava. "Estou desde segunda (13) sem trabalhar por estar inseguro para pagar um valor tão alto na locação", disse. "Ainda não sei bem o que fazer", finalizou. Danilo Oliveira, 30 anos, Jundiaí (SP) Danilo Oliveira, de Jundiaí (SP), gastou todas as economias para tentar manter as contas em dia Arquivo pessoal Em 2018, depois de perder seu emprego como analista de planejamento em uma empresa de eletrodomésticos, Danilo resolveu trabalhar em trasporte de aplicativos com seu carro próprio pelas promessas de boa remuneração. Um ano depois, foi admitido como analista de projetos em uma empresa de telecomunicações, onde ficou apenas 4 meses e pediu demissão para retornar aos aplicativos. "Compensava mais fazer aplicativo do que ficar trabalhando de CLT", disse Danilo. Com a queda na demanda pela pandemia, Danilo precisou gastar todas as suas economias para ter algumas contas em dia, já que seu auxílio emergencial foi negado e ele só dependia de corridas particulares. A abertura de mais atividades foi um alívio para ele, que já não sabia mais de onde ter recursos para pagar as contas e o aluguel da casa. No retorno, ele conta que percebeu as pessoas mais caladas, dizendo apenas cordialidades como "bom dia, "boa tarde" e "boa noite". Porém, Jundiaí precisou retornar para a fase vermelha do plano São Paulo, a mais restritiva, reduzindo novamente o movimento de passageiros. Mas houve uma contrapartida. "A demanda de delivery (Uber Eats) aumentou, às vezes acabo desativando a opção de chamadas de passageiros e fazendo só delivery no período da noite", destacou Danilo. Bruno Tenório dos Santos, 26 anos, Maceió (AL) Bruno Tenório, de Maceió, abandonou a faculdade para trabalhar como motorista da Uber Arquivo pessoal Dividindo o aluguel de um apartamento com os irmãos, Bruno abandonou a faculdade de engenharia civil e começou a trabalhar como motorista da Uber em 2019, em busca de dinheiro para realizar seus projetos pessoais. Depois de um tempo trabalhando com um carro emprestado pela família, ele decidiu financiar seu veículo próprio. Antes da crise, Bruno conseguia uma renda até R$ 3 mil mensais com uma meta de até 9 horas diárias. Com a chegada da pandemia e, consequentemente a queda na demanda de passageiros, ele resolveu abandonar o aplicativo. "Estava dando prejuízo, eu não conseguia bater minhas metas e cobrir os custos do veículo", disse, referindo-se a combustível, revisões e desgastes naturais do carro. Bruno teve o auxílio emergencial aprovado. Com esse dinheiro e o faturamento em serviços de transporte particulares (cerca de R$ 200 cada), tem conseguido se manter com os irmãos. Mas já pensa em procurar meios judiciais para renegociar o financiamento do veículo. Claudinei de Jesus Pereira, 40 anos, Araras (SP) Claudinei de Jesus, de Araras (SP), preferiu ter carro próprio para trabalhar Arquivo pessoal Normalmente já com uma demanda menor por carros de aplicativo, as cidades do interior foram as mais atingidas pela pandemia do coronavírus. É o que diz e sente na pele o motorista Claudinei, casado e sem filhos. Para ele, nessas regiões, as corridas particulares têm grande importância e são elas, junto com o auxílio emergencial aprovado, que ele tem conseguido manter as contas em dia. Pelo aplicativo, o número de corridas caiu de aproximadamente 30 para menos de 15 por dia. Depois de cerca de 1 ano em aplicativos, há 5 meses ele alugou um carro para trabalhar, já que o seu particular não era mais aceito pelo ano de fabricação. Em paralelo ao aluguel do veículo, de R$ 1.400, Claudinei também pagava um consórcio para um veículo novo — e foi contemplado durante a pandemia. Fazendo as contas, ele percebeu que seus gastos cairiam pela metade com o carro novo, por isso, decidiu devolver o alugado. A cidade onde mora e trabalha, Araras, no interior de São Paulo, já passa pela abertura de alguns setores do comércio das 13h às 17h e surte efeito no movimento. "Teve uma leve melhora nas corridas", disse, sem detalhar quantas tem feito diariamente. Claudinei também reforça que não autoriza a entrada de passageiros sem máscara no carro. "Tem alguns que ainda perguntam se tem que usar máscara", disse. André Soares, 33 anos, Salvador (BA) Solteiro e morando de aluguel, resolveu trabalhar como motorista de aplicativo há 2 anos e meio, quando foi demitido de seu antigo emprego, em uma loja de roupas. A decisão também veio com a então recente compra de um carro. Há um ano e meio, André precisou vender seu veículo e, para não ficar parado, alugou um Renault Sandero por R$ 800 mensais — considerado que seu faturamento mensal era de aproximadamente R$ 3 mil. Com a crise e a queda no movimento causadas pela Covid-19, seu faturamento caiu para menos da metade e ele precisou devolver o veículo para a locadora, mesmo tendo o auxílio emergencial aprovado. Agora, com a melhora no movimento já relatada por amigos e parceiros motoristas, André já pensa em retomar suas atividades. "Daqui a um mês já quero arriscar em alugar outro carro para voltar a rodar", disse. Initial plugin text