Lançado pelo serviço de streaming, produção investiga vida do famoso astrólogo, uma figura misteriosa e símbolo de extravagância na América Latina e nos EUA, que morreu em novembro passado. Walter Mercado foi o astrólogo mais icônico da América Latina Netflix via BBC Seu bordão "Ligue Djá" imortalizou sua figura nas telas de TV do Brasil na década de 90. Agora, décadas depois de fazer sucesso por toda a América Latina e nos Estados Unidos, o astrólogo porto-riquenho Walter Mercado é tema de um novo documentário da Netflix. "Ligue Djá: O Lendário Walter Mercado" narra a vida deste consultor esotérico de visual andrógino que alcançava diariamente uma audiência de "120 milhões de pessoas", diz o produtor Alex Fumero. "Crescemos assistindo Walter, como muitas crianças latinas que cresceram com as avós", diz. "Quando crescemos, imaginamos como esse homem se tornou tão famoso em um mundo tão machista e homofóbico", acrescenta. Tanto ele como os diretores do documentário, Cristina Constantini e Kareem Tabsch, nasceram nos Estados Unidos de famílias latino-americanas. Kareem Tabsch, Cristina Costantini e Alex Fumero, que produziram o documentário Getty Images via BBC Na produção, Walter Mercado é mostrado para além de suas extravagâncias e seu papel midiático. O documentário aborda controvérsias previsíveis, como sua identidade sexual enigmática, e outras pouco conhecidas, como a maneira como ele construiu e expandiu sua marca. "Entramos na gravação sabendo que ele era fabuloso, ótimo, mas não sabíamos com quem depararíamos. Admito que o subestimamos um pouco. Não percebemos o quão inteligente ele era … ele era incrivelmente culto, instruído (…) um cérebro incrível", diz Constatini. As filmagens terminaram pouco antes de Mercado morrer aos 87 anos, em 2 de novembro de 2019. Confira cinco revelações do documentário. Atenção: a reportagem contém spoilers. 1) Uma estrela de novela em Porto Rico Nascido em 1932 na cidade de Ponce, Porto Rico, Walter Mercado estudou para se tornar farmacêutico. Na infância, ele tinha mais afinidade com as atividades que sua mãe fazia, como descrito no documentário. "Meu irmão estava andando a cavalo, acompanhava meu pai … fiquei com minha mãe , tocando piano, lendo livros. Tudo em mim era diferente." Os planos de abrir uma farmácia mudaram drasticamente quando ele encontrou vocações mais interessantes em dança e atuação. Depois de estudar dança na Universidade de Porto Rico, em 1950, ele começou uma carreira como ator de teatro e novela. "Estava vivendo 100 anos à frente do meu tempo", diz ele no documentário. Mercado era popular com comunidade latina por suas previsões astrológicas Getty Images via BBC 2) Astrólogo "por acidente" Mercado se tornou um astrólogo televisivo por acidente. Durante uma gravação promocional de uma das novelas em que atuou e que foi transmitida pela Telemundo, emissora de TV hispânica com sede nos Estados Unidos, Mercado conta que estava vestido como "um príncipe hindu" e que usava maquiagem especial. Naquele momento, um executivo da rede de televisão o viu e se interessou pelo fato de Mercado "estar sempre falando sobre astrologia e lendo as palmas das mãos", recorda no filme seu assistente de décadas, Willie Acosta. O executivo pediu, então, que ele fizesse isso em frente às câmeras e "uma estrela nasceu". "Durante 15 minutos, estava fazendo um monólogo", contou Mercado sobre o episódio em que ele leu todos os signos do zodíaco. Segundo o depoimento de ambos, as linhas telefônicas do canal colapsaram e o executivo pediu a Mercado que retornasse no dia seguinte para repetir o segmento com o mesmo guarda-roupa. "Depois de três meses, ele já tinha o programa 'Walter, las estrellas y usted' (Walter, as estrelas e você, em tradução livre), um programa de uma hora por dia", explica Acosta. Walter Mercado junto com Willie Acosta. Getty Images via BBC 3) Um relacionamento de décadas com Willie Acosta No início do filme, as câmeras entram na residência de Mercado em San Juan, Porto Rico, para descobrir que o astrólogo não morava sozinho. Willie Acosta, um homem alguns anos mais novo que ele, parece ajudá-lo e acompanhá-lo no café da manhã. "As pessoas pensam que sou amante dele … mas é um relacionamento muito familiar. Nunca toquei Walter com um dedo, nunca na minha vida", diz Acosta no filme. "Eu protejo Walter de tudo, de qualquer coisa", acrescenta ele. O astrólogo, por sua vez, o descreve como uma pessoa que "pertence à sua família". "Eu amo minha família, mas Willie está sempre comigo, ele me ajuda com minhas roupas, meu guarda-roupa. Ele sabe tudo , todos os meus segredos." Listado como um ícone para a comunidade LGBT, Mercado aborda repetidamente a questão de sua imagem enigmática e sexualidade reservada. "Ele foi pioneiro, alguém que desafiou as noções de homem e mulher", diz Kareem Tabsch, um dos diretores do filme. "Embora ele tenha descartado rótulos, acho que foi uma decisão subversiva e, ao fazer isso, ele inspirou outros", diz ele. 4) Um fenômeno no Brasil "No Brasil, ele não é conhecido como Walter Mercado, mas como 'Ligue Djá'", diz Bill Bakula , ex-empresário do astrólogo, no documentário . No auge de seu sucesso, com participações nos programas mais assistidos nos Estados Unidos, Mercado também entrou no mercado brasileiro com uma linha telefônica na qual vários "médiuns" davam conselhos baseados em astrologia. A linha telefônica também estava disponível na América Latina e nos Estados Unidos, e o documentário a aborda como uma prática questionável e controversa. Quando Mercado é questionado sobre as críticas de que essas linhas telefônicas "tiraram vantagem das pessoas pobres", ele responde: "Eu nunca digo 'você vai ganhar na loteria ou terá um marido em uma semana'… eu nunca… nunca tentei enganar as pessoas " "Elas sempre recebem palavras de inspiração, de motivação", argumenta. A premiada executiva de TV cubano-americana Maria Lopez Alvarez diz no documentário que pode "garantir" que Mercado "não ganhou milhões" com esse modelo de negócio, mas quem se beneficiou foi seu empresário, Bill Bakula, personagem controverso que aparece como uma espécie de figura antagônica no documentário. Walter Mercado em foto de fevereiro de 2012. Astrólogo morreu em 2019 Dennis M. Rivera Pichardo/AP/Arquivo 5) Um contrato que o levou a perder o nome Uma das razões pelas quais os produtores pensaram em lançar um documentário sobre Walter Mercado foi porque eles não sabiam o que havia acontecido com ele. Apesar de não aparecer na televisão desde 2006, Mercado gerou simpatia e um culto pop entre jovens latinos nos Estados Unidos. O que o documentário revela é que o motivo de sua ausência na mídia foi parcialmente devido a uma batalha legal que ele travou por anos com seu empresário e que finalmente venceu. O processo surgiu como resultado de um contrato que o Mercado assinou, transferindo todos os direitos de seu trabalho passado e futuro para Bakula, de acordo com a produção. O astrólogo também renunciou aos direitos de seu próprio nome, que já era uma marca de sucesso. O documentário destaca a complexa disputa legal entre os dois. Tanto Mercado quanto seu ex-agente defendem suas posições. Mas, no mesmo período em que o Mercado recuperou os direitos de seu nome, sua saúde se deteriorou. Em novembro de 2019, ele faleceu em San Juan. Nos muitos momentos em que ele mostra sua graça durante o filme, há uma frase que permanece como uma espécie de anúncio místico de seu ocaso. "Walter costumava ser uma estrela, mas agora Walter é uma constelação", diz o ícone das gerações.