Desejo por varandas, vista desimpedida e espaços dedicados para o home office entraram no radar de quem pretende se mudar. Prédios em São Paulo NurPhoto via AFP/Arquivo A pandemia do novo coronavírus está mudando comportamentos e hábitos. E a forma de morar nos grandes centros é uma das tendências que começa a se redesenhar. Desde o início das quarentenas para combater a disseminação da Covid-19, aumentou a procura por apartamentos maiores, com cômodos mais definidos e espaços para trabalho remoto. E o desejo por casas também subiu. Dados do site QuintoAndar, fornecidos com exclusividade ao G1, mostram que a liquidez de apartamentos do tipo aumentou com a pandemia. Isso significa que um imóvel grande ficou mais fácil de ser alugado na plataforma. Posso ou não deixar de pagar o aluguel? Como renegociar? A empresa detectou que a facilidade de saída para unidades com quatro quartos subiu 67% entre as semanas de 6 de abril e 25 de maio deste ano. Para um quarto, a aceleração foi de 8%. O aumento também foi modesto para dois e três dormitórios, com taxas de 4% e 6%, respectivamente. As casas também caíram no gosto dos clientes da empresa, dentro e fora de condomínios. A aceleração para imóveis com entorno fechado, que aliam o espaço ao ambiente de mais segurança, foi de 76%. Fora, o aumento foi de 42%. Renegociações de contrato de aluguel mantêm imobiliárias funcionando Julia Stabel, de 26 anos, é um exemplo de quem foi vencida pelas limitações de pequenos espaços. A designer procura um apartamento maior depois de dois anos morando com o namorado em um studio de 35 metros quadrados, ao lado da Avenida Paulista. Antes da quarentena, tudo ia bem. Ambos trabalhavam fora e se encontravam à noite. Com o início da pandemia, e deslocados para o home office, tiveram de encaixar duas estações de trabalho no local, diminuindo ainda mais o espaço. "A convivência fica mais difícil porque não temos nem portas para nos separar", diz Julia. Além da falta de momentos para si, as consultas dela com sua psicóloga tornaram-se símbolo da falta de privacidade. Sem a opção de fazer visitas semanais ao consultório, Julia é atendida por videoconferência enquanto o namorado vai ao mercado ou sai para se exercitar. "Como o apartamento é próprio, a ideia é usar o valor do aluguel para abater o que pagaremos em um maior, mesmo que seja um pouco mais caro", diz ela. Em 2017, a Vitacon anunciou o lançamento de unidades de 10 metros quadrados em São Paulo, uma tendência que vinha forte antes da pandemia Divulgação/Vitacon A advogada Amanda Sborgi, de 29 anos, segue um curso parecido. Cansada da falta de espaço e incomodada com a planta do apartamento em Pinheiros, partiu para uma compra junto com o namorado. "O apartamento tinha 64 metros quadrados, mas 20 eram de varanda. Tive que colocar nela uma escrivaninha que comprei para trabalhar", diz Amanda. O novo local, no Jardim América, tem 90 metros quadrados. Uma reforma será feita para deixar devidamente separado, desta vez, o escritório e a churrasqueira. Para dar de entrada no imóvel, o casal juntou as economias depositadas no FGTS. As parcelas do financiamento têm o mesmo valor do que pagavam de aluguel. "Conseguimos negociar um valor 20% menor do que a tabela de mercado", diz a advogada. A procura por mais paredes se confirma na pesquisa "A influência do coronavírus no mercado imobiliário brasileiro", do Grupo Zap. O levantamento mostra que 67% dos que estão atrás de um novo imóvel acham importante ou muito importante que os cômodos sejam bem definidos. Bons serviços por perto são importantes para 65% dos entrevistados. Uma vista desimpedida, para 60%. É o mesmo percentual dos que gostariam de ter uma varanda. "É uma tendência, sim, e corretoras dão indicativos que vão pisar no freio nos lançamentos de apartamentos muito pequenos", diz Laudimiro Cavalcanti, diretor executivo do Conselho Regional de Corretores de Imóveis do Rio de Janeiro. "Mas o que se tornou central é que se tenha um lugar destinado para o trabalho remoto." Diálogo entre inquilinos e proprietários ajuda a renegociar aluguel em meio à pandemia Tendência ou impulso? Como mostrou o G1 em junho, as empresas se adaptaram bem ao home office durante a pandemia e passaram a reavaliar o tamanho de seus escritórios. A projeção, inclusive, é de que a devolução de lajes corporativas de alto padrão em São Paulo cause uma vacância de 23% no fim de 2020. O Rio de Janeiro deve seguir o mesmo curso, o que significa mais dias em casa nas grandes cidades. Número de paulistanos que não conseguem pagar aluguel cresceu 50% durante pandemia Nesse contexto, um levantamento da startup Loft – que compra e reforma imóveis para revenda – dá conta de que 45% dos clientes passaram a cogitar apartamentos maiores depois da quarentena. E, na hipótese de um aumento de espaço, 70% demonstraram desejo por uma área reservada para o trabalho remoto. Mesmo reunidas as primeiras evidências, Ana Maria Castelo, coordenadora de projetos da construção do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), diz que é cedo para falar em tendências definitivas. "Um dos motivos que impulsionou a oferta de imóveis menores foi a renda, então essa movimentação é um fenômeno de nicho", diz a economista. "Se o home office realmente ganhar espaço, essa classe média e alta volta a pensar em apartamentos maiores. Mas é uma participação relativa no todo do mercado." Mais do que o interesse demonstrado pelos clientes das plataformas, Ana Maria afirma que é importante observar também o comportamento de investidores, que têm patrimônios aplicados em outros ativos. Com a taxa Selic em mínimas históricas, hoje em 2,25% ao ano, os imóveis voltam a ser investimentos atrativos. Se nos próximos meses houver rejeição maior ao mercado de studios e micro apartamentos, a curva de lançamentos pode realmente se alterar.