Capa do álbum 'Managarroba', de João Donato Arte de Flávio Flock ♪ DISCOS PARA DESCOBRIR EM CASA – Managarroba, João Donato, 2002 ♪ Em agosto de 2002, João Donato já era reverenciado como entidade da música brasileira quando renovou o repertório com álbum de músicas majoritariamente inéditas, Managarroba, produzido por Rafael Ramos para a gravadora Deck com arranjos do próprio Donato. Na época, o pianista, compositor, arranjador e cantor acriano – nascido João Donato de Oliveira Neto em 17 de agosto de 1934 em Rio Branco (AC) – estava com 68 anos, mas o som continuava jovial e Donato vivia fase de grande produtividade. Tanto que Managarroba soou como sequência, igualmente pop e ligeiramente mais sincopada, de Ê lalá lay-ê (2001), álbum de músicas inéditas lançado pelo artista no ano anterior, com produção musical do mesmo Rafael Ramos. Influência declarada de gênios como Antonio Carlos Jobim (1927 – 1994) e João Gilberto (1931 – 2019), a bossa do som de Donato sempre foi nova, moderna, pautada pela mistura fina e singular de música brasileira com ritmos da América Latina e com o jazz. No toque pessoal e intransferível do piano, Donato criou todo um universo musical que o artista reiterou e expandiu ao longo das 12 músicas que compuseram o repertório do álbum Managarroba. Havia guitarras, de Davi Moraes e Ricardo Silveira, mas o piano de Donato deu o tom, como sintetizou a imagem da capa do disco, criada pelo designer Flávio Flock. Na primeira das 12 músicas, Não tem nome, o parceiro mais frequente de Donato desde 1973, Lysias Enio, irmão caçula do compositor, escreveu letra graciosa que encadeou os nomes dos maiores sucessos do cancioneiro autoral de Donato, a começar por Nini, título da valsa que o precoce Donato compusera aos oito anos. Esse cancioneiro começara a ser notado pelo público a partir do álbum Quem é quem (1973), disco em que o artista passou a se apresentar também como cantor, dono de voz pequena, mas de apurado senso rítmico, como Donato mostrou no álbum Managarroba ao cantar … E muito mais (2001), uma das nove parcerias com Lysias Enio gravadas no disco formatado por Rafael Ramos com reverência ao estilo de Donato, mas também com algum apelo pop no time de convidados. Além da voz do autor, as músicas de Donato também começaram a ganhar, a partir de 1973, letras escritas por compositores como Gilberto Gil – parceiro recorrente no repertório do álbum seguinte Lugar comum (1975) – e Paulo César Pinheiro. O que facilitou a absorção popular da obra do artista. Acordeonista dos chás dançantes dos dourados anos 1950, João Donato se tornou pianista respeitado nas boates cariocas ainda nessa década e ganhou progressiva aclamação a partir dos anos 1960, no embalo da consagração mundial da Bossa Nova, com som descolado dessa bossa. Som que ganharia eletricidade em álbuns cultuados como A bad Donato (1970), feito nos Estados Unidos, país para onde migrou em 1959 e, após voltar ao Brasil, para onde partiu novamente em meados dos anos 1960. Aliás, na safra do álbum Managarroba, Flor do mato nada mais era do que a música Jungle flower, tema instrumental apresentado pelo artista no álbum norte-americano The new sound of Brazil – Piano of João Donato (1965). A novidade era a letra de Lysias Enio, que também pôs versos na melodia de Muito à vontade (1964). Artista que sempre se irmanou com colegas de outras gerações, como comprovou com o show e disco que fez com Tulipa Ruiz em 2019, Donato abriu parcerias no álbum Managarroba. Balança trouxe o discurso sincopado do rapper sambista Marcelo D2, parceiro de Donato na composição. Marisa Monte foi a solista e parceira (com o colega tribalista Arnaldo Antunes) de Donato no samba-canção Nunca mais, faixa com efeitos eletrônicos e com letra evocativa do universo das incursões de Dorival Caymmi (1914 – 2008) no gênero. Já E vamos lá reaproximou Donato da parceira Joyce Moreno, letrista e intérprete convidada desse samba cheio de ternura que atestou afinidade que seria amplificada no álbum Aquarius (2010), gravado por Joyce com Donato para o mercado europeu. Gravado e mixado no estúdio carioca Tambor, em 2001, o álbum Managarroba juntou João Donato (voz, piano, teclados e trombone) com músicos como Bidinho (trompete e flugelhorn), Jamil Joanes (baixo), Jurim Moreira (bateria), Ricardo Pontes (saxofones e flautas) e Sidinho (percussão). Se a balada Falta de ar (João Donato e Lysias Enio) flagrou um Donato raramente melancólico, sofrendo por amor, Caminho do sol (João Donato e Lysias Enio) seguiu o habitual trilho latino e iluminado, típico da obra do pianista. Já Não sei como foi marcou o inusitado encontro de Donato com João Bosco, convidado a cantar com o colega esse bolero composto pelo pianista com o irmão Lysias Enio. E por falar nesse gênero musical recorrente no cancioneiro de Donato, Luz de bolero – outra parceria com Lysias – explicitou na letra metalinguística a devoção de Donato pelo ritmo cubano, tratado pelo compositor e pianista com sofisticação, sem melodrama. Alocada no fim do álbum, a música-título Managarroba foi tema pautado pela swingueira com efeitos sonoros e o toque fusion da guitarra de Davi Moraes. A caminho dos 86 anos, a serem festejados no segundo semestre deste ano de 2020, João Donato continua na ativa, com bossa sempre nova, de modernidade reiterada há 18 anos em Managarroba, álbum ainda jovial como o artista que lhe deu vida e som.