Capa do álbum 'Um pouco de ilusão', de Toquinho & Vinicius Arte de Elifas Andreato ♪ DISCOS PARA DESCOBRIR EM CASA – Um pouco de ilusão, Toquinho & Vinicius, 1980 ♪ Um dos letristas mais diplomáticos da música brasileira, dono de obra que conciliou o peso dos dramas dos sambas-canção com a leveza do cancioneiro da bossa nova, o carioca multimídia Marcus Vinícius da Cruz de Mello Moraes (19 de outubro de 1913 – 9 de julho de 1980) contribuiu para dar tom coloquial à poesia musical nacional. Parceiro fundamental de Antonio Carlos Jobim (1927 –1994) de 1956 até 1963, Vinicius de Moraes enfatizou essa coloquialidade na obra construída ao longo dos anos 1970 em dupla com Antonio Pecci Filho, cantor, compositor e violonista paulistano artisticamente conhecido como Toquinho. A parceria tinha sido iniciada casualmente na Itália, em 1969, ano em que Vinicius gravou com Toquinho um disco produzido por Sergio Bardotti (1939 – 2007) com o cantor Sergio Endrigo (1933 – 2005) e o poeta Giuseppe Ungaretti (1988 – 1970). Popularizada no Brasil dos anos 1970 com as gravações de sambas como A tonga da mironga do kabuletê (Toquinho e Vinicius de Moraes, 1970) e Tarde em Itapoã (Toquinho e Vinicius de Moraes, 1971), a dupla Toquinho & Vinicius atravessou com sucesso esse anos 1970 – com produção concentrada na primeira metade daquela década – e somente se desfez, forçosamente, com a saída de cena do poeta, cuja morte completa exatos 40 anos nesta quinta-feira, 9 de julho de 2020. Lançado em 1980 pela gravadora Ariola, com capa assinada por Elifas Andreato, o álbum Um pouco de ilusão foi o último álbum de Toquinho & Vinicius, dupla dona de discografia farta que incluiu álbuns gravados com cantoras – como Maria Bethânia, Maria Creuza, Marília Medalha e Ornella Vanoni – e LPs com trilhas sonoras originais das novelas Nossa filha Gabriela (1972), O bem amado (1973) e Fogo sobre terra (1974). Gravado com produção musical assinada por Marco Mazzola com Cayon Gadia e o próprio Toquinho, com arranjos do pianista José Briamonte, o álbum Um pouco de ilusão foi feito com Vinicius já fragilizado por problemas de saúde. Inteiramente inédito, o repertório destacou o samba que se tornou o último sucesso da dupla, Escravo da alegria, composição de Toquinho em parceria com Lupicínio Moraes Rodrigues, compositor gaúcho conhecido como Mutinho. Em parceria com Vinicius, Toquinho compôs para o disco sambas como Amigos meus, alocado no fecho do álbum Um pouco de ilusão. A letra versava sobre o fim de noite de boemia, mas, com a morte de Vinicius em julho daquele ano de 1980, passou a soar como simbólica despedida do poeta da vida. Vida celebrada por Vinicius de Moraes com alegria em muitas letras de cancioneiro autoral que ganhou impulso a partir de 1956, com a abertura da parceria com Tom Jobim, mas que tinha sido iniciado em 1928 com a escrita da letra de Loura ou morena para música de Haroldo Tapajós (1915 – 1994) lançada em disco em 1932 pela dupla Irmãos Tapajós. Poeta, compositor, dramaturgo e diplomata, Vinicius de Moraes foi também coloquial cantor de voz rústica, ouvida no álbum Um pouco de ilusão na valsa Gilda, composta somente por Vinicius em tributo a Gilda Mattoso, última mulher do poeta. Embora Toquinho tenha sido o solista vocal dominante nas onze músicas do disco, a voz já cansada de Vinicius se fez ouvir em segundo plano ao longo do álbum. No choro Caro Raul, a voz do poeta assumiu o domínio na parte falada da faixa, em que Vinicius saudou amigos e profissionais envolvidos na produção do álbum Um pouco de ilusão. Ainda que tenha mantido a leveza do som de Toquinho & Vinicius, o álbum Um pouco de ilusão resultou mais melancólico no confronto com discos anteriores da dupla. Essa melancolia reverberou pelas frestas do samba Oi lá! (Toquinho e Mutinho) – enquadrado em delicada moldura orquestral pelo arranjador José Briamonte – e foi acentuada no canto (por Toquinho) do samba-canção Por que será?, parceria da dupla com Carlinhos Vergueiro, e no clima do samba Minha luz apagou (Toquinho e Quico). Ritmo predominante no disco, a ponto de ter sido celebrado na cadência e na letra de Até rolar pelo chão (Mutinho em bissexta parceria com Vinicius), o samba dividiu espaço com valsas no inédito repertório do álbum Um pouco de ilusão. A Valsa do bordel (Toquinho e Vinicius de Moraes) foi cantada pelo grupo feminino creditado como As Moendas na ficha técnica original do LP de 1980. Já Samba pra Endrigo saudou a cidade do Rio de Janeiro (RJ) em ponte com a Itália, país-sede da origem da dupla. Outro samba, Golpe errado (Toquinho e Vinicius de Moraes), deu lição de moral para malandros que viviam fora-da-lei. Mas o recado foi dado com a informalidade de um papo de mesa de bar e com a leveza que caracterizou o cancioneiro de Toquinho com Vinicius de Moraes, poeta que, eventuais melancolias à parte, foi um feliz escravo da alegria.