Capa do álbum 'Estrelas solitárias', de Cauby Peixoto Frederico Mendes ♪ DISCOS PARA DESCOBRIR EM CASA – Estrelas solitárias, Cauby Peixoto, 1982 ♪ Ídolo da era do rádio, Cauby Peixoto (10 de fevereiro de 1931 – 15 de maio de 2016) teve o brilho reavivado no alvorecer dos anos 1980 em álbum resultante da iniciativa de mobilizar compositores da MPB para oferecer músicas para o cantor fluminense de voz de barítono, nascido na cidade de Niterói (RJ). Lançado em 1980, o álbum Cauby! Cauby! apresentou composições inéditas de Antonio Carlos Jobim (1927 – 1994), Caetano Veloso, Jorge Ben Jor e Roberto Carlos (com Erasmo Carlos), entre outros nomes. Ironicamente, o sucesso do álbum foi a música que Chico Buarque não fez para Cauby, Bastidores, mas da qual o cantor se apropriou com tamanha personalidade que ofuscou a gravação simultânea de Cristina Buarque, irmã de Chico e verdadeira musa inspiradora da canção. No rastro do estouro de Bastidores, música que se tornaria um dos maiores sucessos da carreira iniciada por Cauby na década de 1950, a canção Loucura – oferta da então badalada Joanna em parceria com Sarah Benchimol – entrou na trilha sonora da novela Baila comigo (TV Globo, 1981) e gerou mais um hit para o disco. Animada com a repercussão do disco Cauby! Cauby!, a gravadora Som Livre arquitetou um segundo álbum no mesmo molde. Com música-título assinada por Gonzaguinha (1945 – 1991) e com capa que expôs o cantor em foto tirada por Frederico Mendes na Praia do Pepino, na cidade do Rio de Janeiro (RJ), o álbum Estrelas solitárias foi lançado em 1982 e, ao contrário dos prognósticos otimistas, passou despercebido pelo público sem legar sequer um sucesso mediano para Cauby, mesmo com músicas inéditas de compositores do porte de Fagner, Ivan Lins, Johnny Alf (1929 – 2010) e Marcos Valle (com Paulo Sérgio Valle). Contudo, entendidos na obra do cantor sabem que o álbum Estrelas solitárias é um dos melhores títulos da discografia de Cauby Peixoto. Iniciada em fevereiro de 1951 com a edição do disco de 78 rotações que apresentou o samba Saia branca (Geraldo Medeiros) e a marcha Ai! Que carestia (Victor Somón e Liz Monteiro), essa discografia heterogênea contabilizou 48 álbuns lançados entre 1955 e 2015 com o cantor ainda vivo. Títulos póstumos foram adicionados a essa obra para reviver o cantor imortalizado por sucessos como os sambas-canção Conceição (Jair Amorim e Valdemar de Abreu, 1956) e Nono mandamento (René Bittencourt e Raul Sampaio, 1958). Foi para esse cantor de aura mítica e estilo grandiloquente de interpretação, que por vezes soou over por ter pecado por excessos (inclusive na indumentária espalhafatosa), que renomados compositores da MPB criaram o repertório do álbum Estrelas solitárias. Produzido por Max Pierre, com a colaboração de Aramis Barros, o disco emoldurou a voz de Cauby com arranjos criados pelos maestros César Camargo Mariano, Eduardo Souto Neto e Lincoln Olivetti (1954 – 2015), por vezes com fidelidade ao tom arrebatado do cantor. Aberto com Tua presença, balada composta por Maurício Duboc e Carlos Colla no padrão das canções da dupla gravadas por Roberto Carlos, o álbum Estrelas solitárias prosseguiu com o fox vintage Então tá, contribuição de Guto Graça Mello e Naila Skorpio para o repertório. Canção romântica de Silvio Cesar, Palavras mágicas evidenciou o tom de canto ligeiramente mais comedido adotado por Cauby no disco sem perda da assinatura vocal desse intérprete passional que aprendera lições de musicalidade com o irmão Moacyr Peixoto (1920 – 2003). Grande cantor que soube tirar proveito das jogadas marqueteiras criadas nos áureos anos 1950 pelo empresário, Edson Collaço Veras (1914 – 2005), o controvertido Di Veras, Cauby foi estrela solitária que alimentou lendas dentro e fora dos bastidores. Ao compor a canção-título Estrela solitária, Gonzaguinha captou bem o céu e o inferno existencial de ídolos como Cauby. Contudo, a voz de timbre inigualável pairou acima de qualquer rótulo ou solidão, como Cauby comprovou ao interpretar, nesse álbum de 1982, canções como Ousadia – parceria de Irinea Maria com Zezé Motta – e a então recente valsa Luiza (Antonio Carlos Jobim, 1981), única regravação do repertório inédito por opção e conceito. Compositor então em evidência por ter tido a música Abandono (1974) regravada por Roberto Carlos em álbum de 1979, Ivor Lancellotti mostrou, com a composição Como é que pode, bom domínio do universo melodramático de Cauby Peixoto, cantor que fez nome nos anos 1950 com repertório pautado por boleros e sambas-canção de aura folhetinesca. Inspirada canção de Pedro Lopes e Américo de Macedo, únicos nomes desconhecidos no time estelar de compositores, Fênix pareceu fazer alusão ao renascimento artístico de Cauby pelo fato de o cantor ter atravessado a década de 1970 com menor visibilidade na mídia e no mercado fonográfico. Música de Ivan Lins, História de amor soou mais adequada ao intimismo das boates do que à extroversão do auditório da Rádio Nacional, palco de Cauby na fase de maior popularidade em carreira que, a partir dos anos 2000, seria dominada por discos retrospectivos e songbooks com os cancioneiros de compositores e/ou cantores como Baden Powell (1937 – 2000), Frank Sinatra (1915 – 1998), Nat King Cole (1919 – 2005) e Roberto Carlos. Em 1982, contudo, Cauby estava mergulhado no presente. No geralmente refinado repertório do álbum Estrelas solitárias, Johnny Alf brilhou com Gesto final, canção sobre amor gay, simbólica por ter sido ofertada por compositor homossexual para cantor também homossexual – ambos confinados dentro do armário ao longo das respectivas vidas por questões sociais da época em vieram ao mundo. Aberta com a voz do próprio Johnny Alf, captada ao vivo, a faixa Gesto final foi conduzida pelo piano Rhodes de César Camargo Mariano, criador do arranjo mais delicado do álbum. Fagner foi feliz na ideia de associar o canto de Cauby aos versos passionais da poeta portuguesa Florbela Espanca (1894 – 1930) sem mostrar a mesma felicidade ao musicar o poema Tortura para o cantor. No fim do álbum, a canção Vou enlouquecer, de Marcos Valle Paulo Sérgio Valle, concentrou alta dose de paixão no canto requintado de Cauby, mais uma vez emoldurado por arranjo de César Camargo Mariano. Com a mesma sofisticação do disco de 1980, o álbum Estrelas solitárias talvez tenha passado despercebido pelo repertório a rigor menos aliciante e por ter contido os arroubos de Cauby Peixoto, intérprete de tons inflamados, com os quais habituou os ouvidos do público igualmente passional, pelo qual, no íntimo, esse grande cantor do Brasil sempre quis ser saudado aos gritos de “Cauby! Cauby!”.