Capa do álbum 'Bandeira branca', de Dalva de Oliveira Reprodução ♪ DISCOS PARA DESCOBRIR EM CASA – Bandeira branca, Dalva de Oliveira, 1970 ♪ Lâmina afiada que rasgou corações com canto melodramático que ecoou forte pelo Brasil ao longo dos áureos anos 1950, a voz de Vicentina Paula de Oliveira (5 de maio de 1917 – 30 de agosto de 1972) já soou menos incisiva no derradeiro álbum da cantora, Bandeira branca, lançado pela gravadora Odeon em 1970, dois anos antes do apagar definitivo dessa estrela da era do rádio. Ainda assim, a marcha-rancho que deu nome ao disco, Bandeira branca (Max Nunes e Laércio Alves), fez sucesso nos salões do Carnaval de 1970, atravessou gerações de foliões e permaneceu na memória popular, inclusive como o canto de cisne da estrela Dalva de Oliveira, nome artístico dessa luminosa artista paulista de Rio Claro (SP). Gravado sob direção musical do maestro paulista Lyrio Panicalli (1906 – 1984), com orquestrações e regências de Lindolpho Gaya (1921 – 1987) e Nelson Martins dos Santos (1927 – 1996), o maestro Nelsinho, o álbum Bandeira branca soou fora de sintonia com o efervescente tempo musical de 1970. A tristeza da música-título, última marca-rancho a reverberar nos salões carnavalescos, se alinhou com a nostalgia propagada na regravação de recente pérola do gênero, Estão voltando as flores (Paulo Soledade, 1961), sucesso de Helena de Lima há então nove anos. O apego ao gênero também se mostrou presente na cadência de Chuva de verão (Itaquiara e Dora Lopes, 1969), música que encerrou o álbum Bandeira branca com gravação já previamente lançada em coletânea foliã do ano anterior para fazer a música emplacar nos salões de 1970. Esse apego fez sentido porque, há três anos, no Carnaval de 1967, a voz de Dalva voltara a brilhar com a gravação da marcha-rancho Máscara negra (Zé Kétti e Pereira Matos, 1966), apresentada pela estrela em single de 1966. Aberto com a valsa Oh! meu imenso amor (Roberto Carlos e Erasmo Carlos, 1969), lançada no ano anterior por Roberto Carlos em gravação ofuscada por outras músicas (bem) mais fortes do LP de 1969 do cantor, o álbum Bandeira branca hasteou estandartes de era radiofônica em que a cristalina voz de soprano de Dalva irradiava melodramas musicais para todo o Brasil em escalada iniciada pela cantora na segunda metade dos anos 1930, como integrante do Trio de Ouro, com quem fez história em gravações como a de Ave Maria no morro (Herivelto Martins, 1942). Essa trajetória ganhou relevo quando, em 1947, Dalva fez a primeira gravação descolada do trio, projetando o samba-canção Segredo (Herivelto Martins e Marino Pinto, 1947) nas paradas nacionais. Foi o prenúncio da explosão da carreira solo iniciada efetivamente em 1950, ano em que a estrela reluziu com cinco grandes sucessos sequenciais – Olhos verdes (Vicente Paiva), Tudo acabado (Osvaldo Martins e J. Piedade), Que será? (Marino Pinto e Mário Rossi), Errei, sim (Ataulfo Alves) e Ave Maria (Jayme Redondo e Vicente Paiva) – que provaram que Dalva de Oliveira poderia seguir em cena sem a benção de Herivelto Martins (1912 – 1992), o marido compositor de quem se separara em 1949 de forma ruidosa, em litígio que gerou manchetes de jornais e alfinetadas em forma de sambas-canção. Cantora referencial para divas do porte de Gal Costa, Maria Bethânia e Marisa Monte (não por acaso, as três ecoaram, em discos e shows, músicas lançadas na voz da antecessora), Dalva de Oliveira reinou nos anos 1950 – em soberania dividida com Angela Maria (1929 – 2018) – e, como todas as rainhas do rádio, Dalva viu a coroa ir parar em outras cabeças com o surgimento da bossa nova em 1958 e da MPB a partir de 1965. Aos ouvidos do público jovem formado nos inflamados festivais dos anos 1960, Bandeira branca soou justificadamente como álbum ultrapassado, mas o fato é que o disco se mostrou fiel à alma musical de Dalva. Foi para hipotético público dos auditórios de tempos idos que Dalva pareceu regravar no álbum Bandeira branca a marcha Primavera no Rio (João de Barro) e a tristonha canção Meu último luar (Waldemar Henrique), ambas músicas curiosamente lançadas em disco em 1934 e ambas até então inéditas na voz dessa estrela que, em 1970, já começava lentamente a se apagar por problemas de saúde. Ode ao Rio de Janeiro do samba e do Carnaval, o samba Onde o Rio é mais carioca (Zé Kétti e Elton Medeiros, 1969) já tinha sido lançado por Dalva no ano anterior em compacto duplo que também antecipou outra faixa do álbum Bandeira branca, Bahia da primeira missa (Armando Cavalcanti e David Nasser, 1951), lembrança do repertório de outra rainha do rádio, Dircinha Batista (1922 – 1999). Cantora hábil a propagar cartões postais do Brasil, pela naturalidade com que ia dos graves aos agudos, Dalva de Oliveira deu voz no disco tanto a um tema de aura cívica – Cisne branco (Canção do marinheiro) (Antonio Manoel do Espírito Santo e Benedito Xavier de Macedo, 1918) – quanto a folhetins musicais como Mentira de amor (Lourival Faissal e Gustavo Carvalho, 1950), samba-canção apresentado pela própria Dalva há então 20 anos. Sem fazer concessões para tentar pegar novamente o bonde da história da música brasileira (como a contemporânea Angela Maria vinha sendo induzida a fazer, em movimento fracassado), Dalva de Oliveira cantou no álbum Bandeira branca repertório alinhado com o tom dos programas de auditório da era do rádio. Os arranjos grandiloquentes dos maestros Gaya e Nelsinho para músicas como Pequena marcha para um grande amor (Juca Chaves, 1963) e o samba-canção Um homem e uma mulher (Silvio Silva e Fernando César, 1969) contribuíram para deixar o disco dolente, com a cara de Dalva de Oliveira, cantora que expiou dores de amores na cortante voz laminada, símbolo perene do Brasil folhetinesco da era do rádio.