Capa do álbum 'Sylvia Telles U.S.A.', de Sylvia Telles Reprodução ♪ DISCOS PARA DESCOBRIR EM CASA – Sylvia Telles U.S.A., Sylvia Telles, 1961 ♪ Guitarrista de jazz que influenciou a formação de muitos compositores e músicos brasileiros associados à Bossa Nova, inclusive João Gilberto (1931 – 2019), o norte-americano Barney Kessel (1923 – 2004) se tornou referencial sobretudo pela atuação no álbum Julie is her name (1955), no qual acompanhou a cantora norte-americana Julie London (1926 – 2000). A audição desse disco impactou Roberto Menescal e Eumir Deodato, para citar outros dois exemplos de artistas tocados pelo som da guitarra de Kessel. Por isso mesmo, foi espantoso que, somente seis anos depois da edição do inspirador LP de Julie London, a cantora carioca Sylvia Telles (27 de agosto de 1935 – 17 de dezembro de 1966) tenha lançado álbum gravado nos Estados Unidos no qual cantou nove músicas com acompanhamento de Barney Kessel, entre outros músicos norte-americanos, como estampado na capa do LP produzido sob a direção artística de Aloysio de Oliveira (1914 – 1995). Lançado em 1961, um ano antes de a Bossa Nova começar a conquistar os Estados Unidos e por tabela o mundo com o controvertido concerto no Carnegie Hall em Nova York (EUA), o álbum Sylvia Telles U.S.A. foi editado no Brasil pela gravadora Philips e mostrou o alcance do canto de Sylvia Telles, mas se tornou com o tempo um dos títulos mais obscuros da discografia dessa cantora ligada historicamente ao surgimento da Bossa Nova em 1958. Mesmo sem superar os discos feitos anteriormente pela artista no Brasil, o álbum de 1961 deu bela amostra do canto leve de Sylvia Telles, cuja voz macia e cheia de frescor soprou ares modernos na música brasileira da década de 1950 dois anos antes de João Gilberto (de quem a artista foi namorada) fazer a revolução com a batida diferente do violão. Sylvia Telles, a propósito, também tocava violão. E piano. Mas foi como cantora que inscreveu o nome na história da música do Brasil. Até pela proximidade dos gênios arquitetos da bossa, Sylvia Telles teve a primazia de lançar músicas que se tornariam standards planetários do cancioneiro de Antonio Carlos Jobim (1927 – 1994). Basta lembrar que, no álbum Amor de gente moça (1959), a cantora apresentou ao mundo composições como Dindi (de Tom com Aloysio de Oliveira), Demais (outra de Tom com Aloysio), Fotografia e Só em teus braços. Em carreira fonográfica iniciada em 1955 com a edição do disco de 78 rotações em que a cantora lançou a composição Amendoim torradinho (Henrique Beltrão), Sylvia Telles manteve a coerência e a modernidade na discografia formada por dez álbuns – Carícia (1957), Silvia (1958), o citado Amor de gente moça (1959), Amor em hi-fi (1960), este Sylvia Telles U.S.A. (1961), Bossa Balanço Balada (1963), Bossa session (1964 – com Lúcio Alves e Roberto Menescal), It might as well be spring (1965), Reencontro (1966 – com Edu Lobo, Quinteto Villa-Lobos e Tamba Trio) e The music of Mr. Jobim (1966) – e encerrada precocemente com a morte da artista, aos breves 31 anos, em acidente de carro nas proximidades da cidade fluminense de Maricá (RJ). Foi-se a cantora, mas ficaram discos como Sylvia Telles U.S.A. – álbum em que, além de Barney Kessel, cuja guitarra já disse a que veio na abertura com o samba-canção Sábado em Copacabana (Dorival Caymmi e Carlos Guinle, 1951), Sylvia cantou com os toques de músicos como o pianista Calvin Jackson (1919 – 1985) e os baixistas Al McKibbon (1919 – 2005) e Joe Mondragon (1920 – 1987). Esses ases norte-americanos – como foram caracterizados na poluída arte da capa do álbum – eram músicos de jazz, mas Sylvia Telles U.S.A. jamais se configurou como disco de jazz. O que o disco exibiu foi íntima atmosfera jazzy, como a que envolveu o então inédito samba-canção Meu mundo é você (Aloysio de Oliveira, 1961), cantado por Sylvia sem drama, no tom preciso da emoção. Nesse ambiente aconchegante, o toque minimalista da guitarra de Barney Kessel fez Sylvia Telles trilhar a melodia de Estrada do sol (Antonio Carlos Jobim e Dolores Duran, 1958) com a leveza cool exigida pela canção. Já Tra la la la la (The happy one) – versão em português, escrita por Aloysio de Oliveira, do expansivo tema de Bill Hitchcock e Tom Hormel – destoou do clima do disco. A faixa soou quase exótica, evidenciando o toque da orquestra conduzida pelo band-leader Bill Hitchcock. Felizmente, Tra la la la la pareceu alien no disco. A beleza do álbum Sylvia Telles U.S.A. saltou aos ouvidos sobretudo nas músicas mais melancólicas de registros mais íntimos, caso da gravação da canção Meu amanhã (Roberto Menescal e Aloysio de Oliveira, 1961), composição abordada pela cantora Elizeth Cardoso (1920 – 1990) no mesmo ano de 1961 e, desde então, nunca mais gravada. Um dos destaques do disco, Meu amanhã foi faixa marcada pelo toque da guitarra de Barney Kessel, assim como as gravações de Canção que morre no ar (Carlos Lyra e Ronaldo Bôscoli, 1960) e de Manhã de Carnaval (Luiz Bonfá e Antonio Maria, 1959), cujos registros exemplificaram o flerte do álbum Sylvia Telles U.S.A. com o jazz sem que se trate, a rigor, de disco de jazz, como já dito. Amor sem adeus reiterou a fina sintonia entre a voz elegante da afinada Sylvia Telles e o toque preciso da guitarra de Barney Kessel. Foi se como o álbum fosse o “Sylvia is her name” dessa cantora carioca que exalou modernidade em discos feitos nas gravadoras Odeon (de 1955 a 1959), Philips (de 1960 a 1961) e Elenco (de 1963 a 1966). Versão de Among my souvenirs (Edgar Leslie e Horatio Nicholls, 1927) – Imaginação, no título da letra em português escrita por Aloysio de Oliveira – encerrou o álbum Sylvia Telles U.S.A. em clima meio etéreo com a classe que somente ameaçou escapulir na já mencionada faixa Tra la la la la. No texto escrito para a contracapa do LP, Aloysio de Oliveira ressaltou que jamais houve a intenção, na gravação do álbum Sylvia Telles U.S.A., de americanizar a cantora e tampouco de abrasileirar os toques dos músicos. De todo modo, por ter soado moderno mesmo antes de João Gilberto sintetizar toda a modernidade na voz e no violão, o canto de Sylvia Telles atravessou fronteiras por falar a língua internacional da bossa. E, por isso, álbuns como Sylvia Telles U.S.A. ainda soam novos quase 60 anos após a edição original.