Capa do álbum 'Elo', de Maria Rita Vicente de Paulo ♪ DISCOS PARA DESCOBRIR EM CASA – Elo, Maria Rita, 2011 ♪ Em maio de 2010, Maria Rita estreou show de atmosfera mais íntima na casa Tom Jazz, na cidade de São Paulo (SP). Em tese, seria mero show de entressafra, concebido por encomenda do mercado europeu e feito sem pressão e sem compromisso de virar disco ou turnê. Na prática, o show gerou longa turnê pelo Brasil e deu origem ao quarto álbum da artista, Elo, lançado em setembro de 2011 com registro de estúdio de várias músicas a que Maria Rita dava voz nesse show que – por apresentar a cantora paulistana ao lado de trio de piano (o de Tiago Costa), baixo acústico (o de Sylvinho Mazzucca) e bateria (a de Cuca Teixeira) – reconectou a filha de Elis Regina (1945 – 1982) à sonoridade do estupendo e avassalador início de carreira. Só que havia uma diferença fundamental entre esse começo de trajetória e o momento transitório de Elo. É que, em 2010, Maria Rita Camargo Mariano já havia cortado o cordão umbilical no álbum que lançara há então três anos, Samba meu (2007), título definidor da linha seguida posteriormente pela artista com predomínio do samba no repertório. Esse corte começara a se delinear no segundo álbum da cantora, intitulado justamente Segundo (2005), mas foi efetivado quando Maria Rita pediu licença aos bambas, adotou imagem mais jovial e caiu no samba, se desvinculando da herança musical da mãe, visível de forma assombrosa no primeiro álbum dessa cantora nascida em 9 de setembro de 1977, Maria Rita (2003). Em cena desde 2002, ano em que foi apadrinhada por Milton Nascimento com convite para participar de Pietá, revigorante álbum lançado pelo cantor ao fim daquele ano de 2002, Maria Rita já surgiu como cantora incrivelmente pronta, segura, como se já tivesse anos de estrada. Uma grande cantora, cuja voz conjugava técnica admirável e alta carga emocional, evidenciada no álbum inicial de 2003 e intencionalmente diluída nos álbuns posteriores, sobretudo em Samba meu. Essa grandeza foi amplificada em escala nacional pelo agressivo plano de marketing traçado em 2003 pela diretoria da Warner Music na figura de Marcelo Maia, então executivo da gravadora, para lançar a cantora com pompa. Extremamente vitorioso ao alimentar a monumental expectativa da mídia com a edição do álbum Maria Rita (2003), campeão de vendas e críticas, esse marketing desafinou no lançamento do segundo disco, a ponto de tirar o foco dos méritos do CD sequencial de 2005. Contudo, Maria Rita sempre pairou acima de estratégias mercadológicas (as certeiras e as equivocadas) pela imponência do canto naturalmente prodigioso que ressoou límpido no álbum Elo. A rigor, Elo foi disco gravado – com produção musical orquestrada pela própria cantora – para cumprir e encerrar o contrato da artista com a Warner Music. Até porque, quando gravou Elo em apenas dez dias, de 20 a 30 de julho de 2011 no estúdio carioca Toca do Bandido, Maria Rita já tinha acertado a ida para a Universal Music, gravadora na qual debutaria em 2012 com o registro do show Redescobrir, de roteiro inteiramente dedicado ao matricial repertório de Elis Regina. Dentro desse desfavorável contexto mercadológico, Elo foi lançado em setembro de 2011 sem o peso de disco de carreira na trajetória de Maria Rita. Fosse álbum de cantora de baixa estatura vocal, Elo soaria como disco menor. Como foi álbum de Maria Rita, Elo resultou interessante – inclusive por costurar momentos da carreira da artista sem ter parecido colcha de retalhos – e resistiu bem ao longo desses nove anos. Cantada com a devida leveza, a balada Só de você (Rita Lee e Roberto de Carvalho, 1982) – arranjada pelo pai da cantora, César Camargo Mariano, na gravação original de Rita Lee – era reminiscência do primeiro show feito por Maria Rita, em 2002, ainda sem a perspectiva de entrar em gravadora e de construir carreira fonográfica. Canção lançada pela banda Los Hermanos no álbum Ventura (2003), A outra teve o drama feminino depurado por Maria Rita em interpretação cool em gravação que reconectou a cantora com Marcelo Camelo, compositor carioca sobressalente no repertório do primeiro álbum de Maria Rita, para quem Camelo dera Santa chuva (drama de tons maiores) e o samba Cara valente. Composição de Fred Martins e Francisco Bosco, lançada em disco em 2010 pela cantora mineira Regina Machado, Perfeitamente era sobra do álbum Segundo que Maria Rita atualizou com a devida intensidade. A música Perfeitamente tinha aparecido na voz de Maria Rita no show de 2010 que gerou o álbum Elo. Do roteiro do show, Maria Rita também registrou – com a habitual segurança vocal – duas composições até então inéditas na voz da cantora, mas já gravadas por outras grandes cantoras do Brasil. Valorizada em Elo pela introdução dramática, Conceição dos coqueiros (Lula Queiroga, Alexandre Bicudo e Lulu Oliveira, 2004) tinha ganhado tocante registro em feitio de oração na voz de Elba Ramalho no álbum Qual o assunto que mais lhe interessa? (2007). Gravada por Gal Costa no álbum Hoje (2005), um ano após o registro do autor, Santana (Junio Barreto e João Carlos Araújo, 2004) também caiu bem na voz de Maria Rita, que já tinha cantado a música em evento com o autor Junio Barreto e com Lenine, produtor do álbum Segundo. Maria Rita inclusive chegara a abordar Santana na pré-produção desse segundo disco, mas, eticamente, retirou a composição do álbum em respeito ao fato de Junio Barreto já ter oferecido Santana para Gal sem saber que Maria Rita conhecera a música através de Lenine. Sem temer comparações, a cantora recontou A história de Lily Braun (Edu Lobo e Chico Buarque, 1983) com gracejos vocais na interpretação da música que cantava desde 2004 e que tinha sido apresentada na voz da mesma Gal no disco com a trilha sonora do balé O grande circo místico (1983). Segura, a filha de Elis também deu voz em Elo à canção Menino do Rio (Caetano Veloso, 1979) – imortalizada na voz de Baby do Brasil – em registro sereno que acertou as contas com a memória afetiva de Maria Rita, fã da canção na gravação de Baby, então Consuelo para todo o Brasil. Já Nem um dia (Djavan, 1996) se ressentiu da comparação com a gravação de Djavan e resultou na faixa mais opaca do álbum Elo, disco de tons pastéis, sinalizados pela foto da capa que expõe a cantora em imagem clicada por Vicente de Paulo. Mesmo quando caiu no samba em Elo, Maria Rita seguiu a linha cool, como exemplificou a gravação de Pra matar meu coração (Daniel Jobim e Pedro Baby, 2011), música inédita do repertório do disco. Composição também inédita, Coração a batucar (Davi Moraes e Álvaro Lancellotti, 2011) bateu bem em Elo, mostrando Maria Rita à vontade no universo do samba-jazz. Por fim, o samba Coração em desalinho (Monarco e Ratinho, 1986) também bateu no álbum Elo, mas como faixa-bônus, por ter sido gravado anteriormente pela cantora, ainda em 2010 e a convite do novelista Gilberto Braga, para tema de abertura da novela Insensato coração (TV Globo, 2011). Síntese dos oito primeiros anos de carreira de Maria Rita, o álbum Elo fechou ciclo na carreira da cantora. Consolidado o corte do cordão umbilical, Maria Rita se permitiu inclusive a dar voz ao repertório de Elis Regina no show e disco Redescobrir (2012) porque já tinha delineado a própria identidade no mercado – no caso, associada a tipo específico de samba, mote dos dois posteriores álbuns de estúdio da cantora, Coração a batucar (2014) e Amor e música (2018). Já a caminho dos 20 anos de carreira, a serem festejados em 2022, Maria Rita continua sendo uma grande cantora em 2020, pronta para reforçar o elo com o público e – quem sabe? – apresentar o grande álbum pelo qual os seguidores esperam há anos com ansiedade.