A pandemia do novo coronavírus pegou empresas e instituições de surpresa em todo o país. Agora, quase três meses depois do início da crise no Brasil, as principais lições do período ficam mais claras. Colaboração entre empresas até concorrentes, capacidade de adaptar o negócio e a transformação digital estão entre os principais aprendizados, segundo Reynaldo Gama, presidente da HSM, empresa de educação executiva.
As companhias também irão rever o home office, viagens corporativas, modelos de negócio e até canais de venda, acredita o executivo. Gama também é co-presidente da SingularityU Brazil.
“Esse momento é estratégico para entender melhor o negócio, se o modelo atual vai continuar fazendo sentido depois da pandemia”, diz ele em entrevista à EXAME. Veja abaixo os maiores aprendizados que devem se manter para além da pandemia do novo coronavírus nas instituições.
Rever o planejamento – e o modelo de negócios
Para grande parte das empresas, todo o planejamento que havia sido feito para esse ano precisou ser descartado ou, ao menos, adaptado. Planos de abertura de lojas ou novas unidades e previsões de receita foram impactados duramente pela pandemia.
Gama acredita que esse momento exige reflexões ainda mais profundas sobre o próprio negócio. “Esse momento é estratégico para entender melhor o negócio, se o modelo atual vai continuar fazendo sentido depois da pandemia. É hora de pensar em como o negócio pode se adaptar e quais as oportunidades que podem surgir”, diz.
Segundo ele, o comportamento do consumidor está mudando, ele está mais aberto para consumir ou testar coisas diferentes, como novos produtos, novos canais de compras ou novas marcas, o que pode ser um bom momento para que as empresas se tornem mais conhecidas e engajem um público novo.
Poder de adaptação
Mudar o modelo de negócios, criar novos canais ou rever os processos de trabalho podem ser decisões difíceis para algumas empresas. Assim, as organizações capazes de se adaptar rapidamente sofreram menos, diz o executivo. Essa capacidade não depende do tamanho da companhia, se é uma multinacional ou startup. “É bem mais difícil virar um transatlântico do que uma canoa – startups têm mais poder e velocidade de manobra. Já as empresas grandes têm mais estrutura para suportar o baque da queda de vendas.”
Esse é um momento especialmente delicado para as startups com pouco caixa. A solução da startup pode ser boa e em crescimento, mas sem apoio, novos aportes e com queda nas vendas a dificuldade é maior. “Os fundos de venture capital têm noção disso. Vão aportar mais caixa nas soluções mais disruptivas e que fazem mais sentido para um mundo pós-pandemia. É óbvio que muitas empresas vão sucumbir, mas muitas irão ressurgir”, afirma.
Transformação digital
As empresas que já atuavam de forma mais digital se adaptaram melhor ao momento. Empresas que só trabalhavam com desktop precisaram sair com pressa e comprar notebook para os funcionários, por exemplo.
Mais do que ser uma startup ou grande empresa, o importante é a mentalidade digital, diz o executivo. “A Amazon é uma empresa gigante, mas que já nasceu digital e vence num cenário como esse.” A Amazon mantém seu valor de mercado em níveis recordes, perto de 1,2 trilhão de dólares, alta de 30% desde o início do ano.
Questionar processos
Com a transformação digital, algumas práticas nas empresas são questionadas. Um exemplo simples é a assinatura de contrato, por exemplo. Antes feita pessoalmente, a assinatura passou a ser feita digitalmente – e não deve voltar ao modo anterior.
O home office chegou para ficar em diversas empresas – muitas, como o Twitter e Nubank, estenderam a prática para até o fim do ano e outras a adotaram de forma permanente, como a QuintoAndar.
Gama, porém, diz que essa mudança precisa vir acompanhada de outras adaptações nos benefícios oferecidos aos colaboradores. “Vivemos num país com um desnível social muito grande, nem todo mundo tem cadeira e mesa adequados. Como a empresa vai ajudar o colaborador? Vai custear a internet, oferecer mais vale alimentação? É necessário entender as realidades de cada um”, diz.
Viagens a trabalho também devem ser questionadas, já que representam um custo alto para as empresas. Se o objetivo é só realizar uma reunião, deve ser transferida para uma teleconferência, por exemplo.
Inteligência emocional
Muitos estão usando o período de isolamento para o desenvolvimento pessoal, com cursos online. Mas, além de cursos sobre habilidades técnicas, a HSM percebeu aumento no interesse pelos cursos de habilidades pessoais, ou as chamadas “soft skills”.
Entre os cursos mais buscados está o de liderança digital. Segundo Gama, o papel de líder no meio de uma turbulência como a atual pandemia do novo coronavírus é diferente do papel de momentos de crescimento. “Em momentos de turbulência, de pandemia e crise, o líder precisa acalmar. Em tempos de bonança, a liderança precisa criar um senso de urgência e realidade”, afirma. A empresa de cursos diz que vê muita procura por cursos sobre inteligência emocional, para ajudar a lidar com o momento, a necessidade de se adaptar e a ansiedade que vem com a crise.
Colaboração
“Se existe algo positivo nessa pandemia é que estamos vendo uma colaboração maior entre as companhias”, diz Gama. Parcerias em projetos, em doações em conjunto e até na divulgação de conhecimento, como em lives e seminários digitais, estão mais comuns.
Na HSM, por exemplo, houve seminários para clientes, com o Sebrae para pequenas empresas e com hospitais como o Sírio e a Beneficência Portuguesa. Além de deixar uma marca de solidariedade, a colaboração também pode ser uma oportunidade de escalar um produto, aproveitando as forças das diversas marcas. “É um legado que precisamos insistir para manter.”