O austríaco Johannes Roscheck, presidente da Audi do Brasil: "sem inovação, a empresa morre" (Audi/Divulgação)
Nas pistas de Fórmula 1, Ayrton Senna foi piloto de diversas escuderias, Lotus, Williams, McLaren. Do lado de fora dos autódromos, o ídolo de milhões de brasileiros dirigia um Audi. Senna foi o principal responsável por trazer a marca ao Brasil após a abertura do mercado para produtos importados.
De lá para cá, a montadora de luxo enfrentou inúmeras crises, abriu duas vezes uma operação fabril no país e agora se vê diante de um mercado automotivo minguado. Nem as marcas premium devem escapar do cenário dramático que se desenha para o setor.
“Tínhamos um planejamento que não vai se confirmar devido à pandemia. O mercado automotivo só deve se recuperar plenamente a partir de 2023”, afirma Johannes Roscheck, presidente da Audi do Brasil, em entrevista à EXAME.
O executivo austríaco visitou o Brasil pela primeira vez em 1996. “O país era muito diferente. Com o mercado ainda fechado, os brasileiros estavam sempre à procura de produtos importados, achavam que os nacionais eram inferiores.”
Roscheck trabalhou na operação local da Audi entre 1999 e 2002 e, em 2017, retornou ao Brasil para chefiar a montadora no país. “A crise de hoje é diferente das outras porque a retração econômica é só um dos efeitos, o grande problema é uma pandemia de saúde, que não sabemos quando vai acabar.”
A indústria automotiva vem enfrentando altos e baixos bem antes do coronavírus. Depois de registrar recorde de vendas no país em meados de 2011, a euforia no mercado começou a perder força nos anos seguintes, culminando na pior retração do setor de 2014 a 2016.
Em um processo lento de recuperação, as montadoras começaram a ver um cenário melhor a partir de 2018, mas o otimismo durou pouco. Com a pandemia, as vendas despencaram novamente, e no segmento de luxo não foi diferente: de janeiro a abril, os emplacamentos das principais marcas – Audi, BMW e Mercedes-Benz – recuaram cerca de 30%.
A montadora de luxo do grupo Volkswagen trabalha com uma projeção de queda no segmento premium de 30% a 40% neste ano, com vendas de aproximadamente 35.000 unidades no país. O recorde deste mercado foi verificado em 2015, com emplacamentos de quase 60.000. “Só devemos atingir esse patamar novamente em 2023”, estima Roscheck.
Ele ressalta que as projeções apontavam para esse nível de vendas, no Brasil, para meados de 2021 ou no ano seguinte, mas os efeitos da pandemia atrapalharam os planos do setor. “A oscilação do câmbio também vai ser um desafio adicional.”
Público-alvo em transição
Roscheck relata que os clientes da Audi são, em sua maioria, fiéis. Mas também existe aquela parcela que está ascendendo socialmente e que gostaria de migrar para uma marca premium. “Este grupo foi o que mais sofreu na crise de alguns anos atrás.”
O executivo acredita que, a partir de agora, os clientes com maior poder aquisitivo continuarão sofrendo menos com a recessão, entretanto, devem avaliar com mais cautela se é o momento de trocar de carro.
Neste sentido, a Audi deve manter a aposta em tecnologias avançadas, a começar pela eletrificação. A marca trouxe ao mercado brasileiro, neste ano, o e-tron, primeiro modelo 100% elétrico da Audi. Também anunciou um investimento de 10 milhões de reais para a instalação de 200 postos de recarga de veículos elétricos no país, em parceria com a Engie.
Além disso, a montadora também tem um dos únicos modelos do mundo quase autônomo, o Q8, que reúne sistemas que se aproximam da automação nível 3.
“Esse tipo de tendência chega muito mais rapidamente no segmento premium, porque os clientes estão dispostos a pagar um pouco mais para ter essas novas tecnologias. Nós temos a inovação como DNA, sem isso a empresa morre.”
Além da inovação no sentido da automação e da eletrificação, a Audi também aposta no segmento de superesportivos. A marca lançou em maio, virtualmente, o R8, que vai de 0 a 100 km/h em apenas 3,2 segundos. Tem motor V10 com 610 cv de potência e será oferecido no Brasil somente na modalidade de venda direta (neste caso, por encomenda), com preço único: 1,234 milhão de reais.
“Este mercado só tende a crescer”, afirma Roscheck. A montadora vendeu mais de 25 unidades do modelo em apenas 4 dias.
Enquanto isso, a fábrica da marca em São José dos Pinhais, no Paraná, está produzindo apenas o sedã A3. Lá, a linha é compartilhada com a Volkswagen.
Segundo o executivo, desde o final de 2018, quando foi anunciado o Rota 2030 – conjunto de políticas voltadas para a indústria automotiva – as montadoras com pequenos volumes de produção local estão à espera de definições sobre suas metas.
“Enquanto não houver definições claras sobre a política para estas empresas, fica difícil fazer qualquer tipo de planejamento”, afirma Roscheck.