Capa do álbum 'Quando os maestros se encontram com Angela Maria', de Angela Maria Reprodução ♪ DISCOS PARA DESCOBRIR EM CASA – Quando os maestros se encontram com Angela Maria, Angela Maria, 1957 ♪ Cantora proeminente da era do rádio, Angela Maria (13 de maio de 1929 – 29 de setembro de 2018) atravessou gerações e movimentos musicais sem deixar de ser referência assumida para sucessoras do porte de Elis Regina (1945 – 1982) e Fafá de Belém. Entre altos e baixos, o alcance da voz de mezzo-soprano da Sapoti – assim apelidada pelo então presidente do Brasil Getúlio Vargas (1882 – 1954) – chegou até os presentes anos 2010 com discos e shows de tons outonais. Intérprete que irradiou emoções do povo brasileiro através do canto geralmente melodramático, lapidado em coros da igreja batista antes da fama obtida na década de 1950, Angela Maria deixou discografia irregular ao sair de cena aos 89 anos. Iniciada em 1951, ainda no tempo dos singles duplos de 78 rotações por minuto, a carreira fonográfica da cantora abrangeu todos os formatos da indústria do disco. E, em todos esses formatos, Angela Maria priorizou canções, boleros, tangos e sambas-canção de tom sentimental em repertório que nunca perdeu o forte apelo popular. Terceiro dos 48 álbuns lançados pela cantora entre 1955 e 2017, Quando os maestros se encontram com Angela Maria foi LP de dez polegadas com oito faixas. Um álbum que sobressaiu na discografia da artista fluminense pela coesão do repertório. Como o título e a capa do álbum já deixaram claro, tratou-se de disco pautado por arranjos orquestrais, criados por oito maestros no tom grandiloquente da época. Cada música foi arranjada por um maestro diferente neste álbum lançado pela gravadora Copacabana, companhia fonográfica brasileira que editou os discos de Angela Maria de 1951 a 1960 e de 1965 a 1977, períodos que abrangeram os ápices de popularidade vividos pela cantora ao longo dos anos 1950 e em meados da década de 1970. A abertura do disco Quando os maestros se encontram com Angela Maria, com Dora (Dorival Caymmi, 1945), já deu a pista do tom majestoso do álbum. Personificada na letra como “rainha do frevo e do maracatu”, ritmos do Recife (PE), Dora requebrou com toda a pompa e circunstância do arranjo orquestrado pelo maestro pernambucano Severino Araújo (1917 – 2012). A solenidade do arranjo cheio de quebras deu sentido aos versos que anunciavam a passagem de Dora com o toque dos “clarins da banda militar”. Na sequência, o samba triste Aos pés da cruz (Zé da Zilda e Marino Pinto, 1942) teve a melancolia amplificada no arranjo orquestrado maestro paulista Lindolpho Gaya (1921 – 1987) com cordas sobressalentes na pauta. A tristeza também foi naturalmente senhora na abordagem do lacrimoso samba-canção Cinco letras que choram (Adeus) (Silvino Neto, 1947), música orquestrada pelo maestro paulistano Renato de Oliveira (1923 – 1980) com o uso, em atmosfera clássica, de coro masculino típico dos conjuntos vocais dos anos 1940 e 1950. O lirismo do arranjo criado pelo maestro paulistano Leo Peracchi (1911 – 1993) para outro marcante samba-canção dos anos 1940, Saia do caminho (Custódio Mesquita e Evaldo Ruy, 1946), se ajustou tão bem à alma da composição que, na gravação de três minutos e meio, a voz de Angela Maria somente foi ouvida no disco quando a faixa já contabilizava um minuto e 51 segundos. O choro-canção Carinhoso (Pixinguinha, 1917 / com letra posterior de Braguinha, 1937) foi tratado como peça clássica pelo maestro paulista Lyrio Panicalli (1906 – 1984). Única música do repertório do LP que foi ficando esquecida com o decorrer dos anos, mesmo tendo sido eventualmente regravada, Promessa (Custódio Mesquita e Evaldo Ruy, 1943) – sucesso original do cantor Silvio Caldas (1908 – 1998) – também foi arranjada como tema erudito pelo maestro paulista Gabriel Migliori (1906 – 1975) em orquestração que abriu espaço para as vozes do conjunto vocal masculino recorrente no disco. Em que pese toda a natural suntuosidade dos arranjos orquestrais do álbum Quando os maestros se encontram com Angela Maria, a voz de Angela Maria jamais ficou ofuscada entre as sinfonias do LP. Alcançando todos os agudos e graves da áurea fase vocal da intérprete, o canto da Sapoti reluziu no álbum, como comprovou a gravação do samba-canção Caminhemos (Herivelto Martins, 1947), orquestrada pelo Maestro Guaraná, como era conhecido o arranjador mineiro Gustavo de Carvalho (1911 – 1968). Marco de uma era, a voz de Angela Maria se elevou novamente ao fim do disco com a interpretação luminosa do samba-exaltação Canta Brasil (Alcyr Pires Vermelho e David Nasser, 1941), lançado por Francisco Alves (1898 – 1952) e revivido por Gal Costa em 1981, 40 anos após o registro original do Cantor das multidões. No inebriante arranjo orquestrado pelo maestro paulistano Sylvio Mazzucca (1919 – 2003) para o samba-exaltação, com as vozes do conjunto masculino recorrente no disco, a percussão apareceu com justo destaque para dar cor a essa aquarela do Brasil, país de música fincada no batuque do povo negro. O registro épico de Canta Brasil foi fecho de ouro para disco que mostrou que, quando os maiores maestros se encontravam com uma grande cantora como Angela Maria para abordar repertório de alta qualidade, o resultado era álbum à altura da importância perene da Sapoti na história da música do Brasil.