Economista diz que condução das relações exteriores e falta de agenda fiscal podem afugentar investimento direto no país em momento de economia global mais tímida. A reunião ministerial do último dia 22 de abril coroa a falta de planejamento para sair da crise econômica causada pela pandemia do novo coronavírus. A avaliação é da economista Zeina Latif em entrevista ao G1. Na ocasião, não foram discutidas medidas prioritárias de crédito para empresas, de assistência para a população ou de ajuste das contas após a intensificação dos gastos públicos. Como prêmio, ainda houve desaforos à China, principal parceiro comercial do Brasil. O G1 entrevistou economistas para saber o que esperar depois da pandemia. Leia as demais entrevistas: Ana Carla Abrão: ‘Não temos um plano para vencer a crise’ Eduardo Giannetti: ‘Estado brasileiro concentra renda e terá de ser repensado’ Nelson Marconi: ‘Não será o setor privado que vai tirar a economia do buraco’ Zeina Latif: "Precisamos fazer a lição de casa: ter um plano muito claro de reformas do ano fiscal e a questão diplomática" Marcelo Brandt/G1 Para Zeina, não há saída fácil sem uma agenda clara de contenção dos gastos no pós-crise e um trato mais fino com importadores de produtos brasileiros. Veja abaixo os principais trechos da entrevista. Qual a avaliação para a economia com os efeitos da pandemia? O que achava dela antes desse choque? O resultado do PIB do segundo trimestre será mais impactado que o primeiro porque terá um efeito no período todo. Os resultados desta sexta-feira servem mais para que os analistas possam calibrar suas projeções. Temos que lembrar que o ano começou com quadro de uma atividade econômica muito morna. A perspectiva era de um primeiro trimestre que não seria exatamente de aceleração. Não seria negativo, mas sem uma atividade econômica aquecida. O ministro Paulo Guedes falava que estávamos com tudo pronto para uma aceleração importante da economia e isso foi abortado pelo vírus. Isso é uma meia verdade. A gente está falando de um crescimento que seria melhor do que 2019, mas também não era nada brilhante. Por que os primeiros meses de 2020 não foram tão bons? Havia uma clara estagnação da indústria. Mesmo com o efeito do corte de juros, a indústria não conseguiu se beneficiar porque continuou sendo um setor em que a maior parte das empresas têm baixa produtividade – e não é a Selic menor que vai permitir uma recuperação. Sem produtividade, a indústria não dá conta da demanda e, mesmo com a cotação do dólar no alto, o produto importado continua fazendo parte da nossa cesta. Então, o Banco Central corta juros, a demanda ensaia uma recuperação, mas é preciso seguir importando. A nossa estrutura produtiva industrial está tecnicamente muito defasada, então não adianta a demanda aumentar e setor não conseguir competir com produto estrangeiro. Fora isso, o endividamento das famílias estava muito próximo do seu pico histórico, mesmo antes da crise. O consumo podia aumentar, mas também não teria espaço para ser um grande puxador de crescimento porque, nesses níveis, é uma questão de tempo até surgir inadimplência. Se você tem um país em que o mercado de trabalho ainda está muito engessado, que a massa salarial tem um desempenho modesto, não tem jeito: uma hora o crédito simplesmente não dá conta. E quando o crescimento é modesto, qualquer choque tem impacto muito maior. Quais os efeitos para os próximos meses? Muitas das questões, a gente ainda não tem clareza. Em especial sobre a transição até o fim das restrições e o que vai ser a economia pós-isolamento. Podemos ter uma alta judicialização de contratos rompidos, inadimplência de pessoas e empresas, fornecedores ficando sem receber. Fora, obviamente, esse entorno político. Vai ser uma recuperação muito lenta e que vai impactar estruturalmente o país, no PIB potencial. Ainda que tenha muito trabalho sendo feito pelo Banco Central, são apenas atenuantes. O país sai mais fraco. Além do impacto no setor produtivo, a questão fiscal surge muito pior e sem garantia de que o dinheiro foi bem usado. Corremos o risco de ter uma dívida pública que vai caminhar para 100% do PIB, e que a regra do teto não vai conseguir conter esse crescimento. Isso significa risco país maior, dólar pressionado e pode limitar a capacidade do Banco Central de cortar juros – ou até ter que subir precocemente. A preocupação é tanta que a gente vai estar também discutindo a nossa capacidade de ter um PIB positivo em 2021. Qual a herança da crise para o governo? No governo Dilma Rousseff, tínhamos um quadro fiscal grave e, ao mesmo tempo, uma ausência de perspectiva de conserto. Não é uma visão unânime entre os economistas, mas eu acredito que caminhávamos para um quadro de dominância fiscal. No governo Michel Temer, os rombos continuaram, mas se colocou ali uma perspectiva de ajuste, uma agenda fiscal entrava no radar. Resultado disso é que a inflação começou a cair. O governo atual precisa colocar, de novo, a agenda fiscal no horizonte. Firmar um compromisso de que os gastos de emergência são temporários e colocar como prioridade a reforma administrativa. Vai depender muito da musculatura do Paulo Guedes, e da compreensão da classe política – começando pelo próprio presidente – de que esse plano precisa ser retomado urgentemente. Se amanhã o governo esquecer a reforma estrutural – porque não tem clima, porque tem eleição – pode esperar que inflação vai dar dor de cabeça, e o dólar vai subir mais. Dos fatores de incerteza política, o que mais preocupa? É um governo com dificuldade diálogo e articulação, sem base, e com pautas perigosas no Congresso. Tem muita proposta bem intencionada, que pretende reduzir pobreza, mas pode matar o mercado de crédito. Além disso, a questão política está extravasando para questões internacionais. Temos errado muito na relação com os países, a imagem do país está muito ruim e isso vai cobrar um preço alto. Não vai ser fácil atrair investimentos com a piora na questão ambiental e comercial. As redes de auxílio foram muito importantes para resgatar a renda do brasileiro no momento de crise. O Estado precisará ser mais assistencialista? A gente precisa de um Estado forte, não de Estado grande. Temos pouquíssimas experiências de política pública eficaz. O Bolsa Família é das raras exceções, e mesmo assim precisamos fazer ajustes. Não temos uma tradição de gasto público de boa qualidade. A atuação do Estado deve ser no sentido de regular o setor privado e não atrapalhá-lo. A resposta do Brasil à crise foi para o lado do Estado grande ou do Estado forte? As medidas emergenciais eram necessárias. As prioridades foram estabelecidas de forma correta, como proteger os grupos vulneráveis e tentar preservar, na medida do possível, os empregos. Agora, o vídeo da reunião ministerial reforça que é um país sem planejamento. Qual foi a discussão de economia ali? Então, não tem coordenação, não tem plano de ação e, na saúde, a gente é citado como exemplo de fracasso. Não foi por falta de aviso, e não tem como economia ficar blindada. Como fica a economia mundial? E o Brasil neste contexto? Antes da pandemia, o investidor global já estava bem seletivo. A gente vê há algum tempo a saída de recursos da bolsa de emergentes. A nossa bolsa descolava do padrão por causa do fluxo do investidor doméstico. Lá fora, ninguém está animado. Ainda hoje, há um risco de guerra comercial, que faz um mundo mais protecionista. O mundo desacelerando, comércio mundial encolhendo e um clima de protecionismo do mundo fazem o investidor ficar mais conservador. A escolha foi manter uma boa parcela dos ativos com liquidez, em lugares seguros. Mesmo passada a pandemia, o PIB potencial de crescimento no mundo será menor. Quem faz aumentar produtividade e inovação, que estimula fluxos de investimento direto entre os países, é o comércio. Então, obviamente, não teremos essa ajuda do quadro externo. Isso reforça a necessidade de fazermos a lição de casa para tentar compensar que os ventos lá fora não serão favoráveis: ter um plano muito claro de reformas do ano fiscal e a questão diplomática. Com crise do coronavírus, Brasil terá retomada lenta, dizem economistas