Morte do artista, aos 91 anos, joga luz sobre cancioneiro romântico que galgou as paradas nacionais ao longo da década de 1960. ♪ OBITUÁRIO – Lançada em 1965 na voz do cantor mineiro Altemar Dutra (1940 – 1983), com grande sucesso, a música Sentimental demais sintetizou no título a natureza do cancioneiro popular do compositor cearense Evaldo Gouveia de Oliveira (8 de agosto de 1928 – 29 de maio de 2020). Em parceria com o compositor capixaba Jair Amorim (1915 – 1993), a quem foi apresentado em 1958, Evaldo Gouveia construiu obra já eternizada na memória afetiva do povo brasileiro. Também cantor e violonista, Evaldo sobressaiu sobretudo como compositor de canções populares pautadas por romantismo despudorado. Ao morrer em Fortaleza (CE) na sexta-feira, 29 de maio, aos 91 anos, vítima de infecção pelo covid-19, Evaldo Gouveia deixa para a posteridade essas canções sentimentais demais. Quase sempre compostas na cadência do bolero ou do samba-canção, ritmos por vezes amalgamados, essas músicas sempre soaram sentimentais como a alma do povo que sempre as cantou em casa, nas ruas, nos bares, nos shows, enfim, em qualquer lugar em que, ao vivo ou na gravação de um disco, um intérprete se derrame ao dar voz a uma música de Evaldo Gouveia e Jair Amorim. Nos anos 1960, um desses intérpretes foi Anísio Silva (1920 – 1989), cantor baiano que lançou o bolero Alguém me disse em 1960. Primeiro grande sucesso do compositor, Alguém me disse veio ao mundo um ano após Conversa (1959), primeiro título da parceria de Jair e Evaldo. Conversa ganhou as vozes das cantoras Alaíde Costa, Hebe Camargo (1929 – 2012) e Luciene Franco em gravações quase simultâneas. Contudo, o laço mais forte da dupla de compositores foi mesmo com Altemar Dutra, em vínculo iniciado em 1963 com a gravação do bolero Tudo de mim pelo então emergente cantor com voz de trovador. Os registros sequenciais do bolero Que queres tu de mim e do samba-canção Somos iguais reforçaram em 1964 esse laço, definitivamente consolidado em 1965 com a gravação da canção Sentimental demais, à qual se seguiu, no ano seguinte, outro grande sucesso, Brigas (1966). Sem se afastar totalmente dessa linha sentimental, Evaldo Gouveia também caiu no samba mais animado – sempre em parceria com Jair Amorim – ao compor O conde (1969), grande sucesso na voz esfuziante do cantor Jair Rodrigues (1939 – 2014). Na letra de O conde, há menção à escola de samba Portela, para a qual Jair e Evaldo fizeram (com a adesão do compositor Euzébio Nascimento, o Velha) O mundo melhor de Pixinguinha (Pizindin), samba-enredo com o qual a agremiação desfilou no Carnaval de 1974, após compositores tradicionais do gênero terem protestado nos bastidores contra a entrada de dois estranhos no ninho folião. Alheio à controvérsia, o povo carioca cantou a plenos pulmões o fluente samba-enredo de Jair Amorim, Evaldo Gouveia e Velha. Nascido na interiorana cidade cearense de Iguatu (CE), Evaldo Gouveia morreu em Fortaleza (CE), onde residia nos últimos anos, mas fez sucesso ao transitar entre as cidades de Rio de Janeiro (RJ) e São Paulo (SP) a partir dos anos 1940, em plena era do rádio. Se o cantor (integrante do Trio Nagô de 1950 a 1962) nunca ficou muito tempo sob os holofotes, o compositor reinou nas paradas – em vozes alheias – entre 1960 e 1975, ano em que a cantora Angela Maria (1929 – 2018) voltou a fazer sucesso massivo com Tango pra Tereza, última composição da dupla a obter ampla repercussão nacional. A partir da década de 1980, o cancioneiro de Evaldo Gouveia perdeu impulso no mercado, embora sempre reaparecesse regularmente através de regravações dos sucessos do compositor por cantoras como Ana Carolina (Alguém me disse, em 1999), Fafá de Belém (Que queres tu de mim, em 1989) e Gal Costa (Alguém me disse, em 1990), entre outras vozes. Além de Jair Amorim, Evaldo Gouveia compôs com parceiros do quilate do compositor carioca Paulo César Pinheiro – com quem assinou músicas como Poster, samba-canção gravado em 2017 pelo cantor Léo Russo – e do poeta conterrâneo Fausto Nilo, com quem fez Esquinas do Brasil (2001) e Nada mudou (2017). Contudo, é mesmo pela obra composta com o parceiro mais famoso, Jair Amorim, que Evaldo Gouveia será lembrado como hábil arquiteto da canção popular. Um artista assumidamente sentimental demais, como o povo que, imune aos pré-conceitos dos críticos e das elites culturais do Brasil, desde o início referendou Evaldo Gouveia como compositor de grande sucesso.