Produção industrial, vendas do comércio e prestação de serviços em março comprometeram o resultado e sinalizam uma retração ainda maior no 2º trimestre. PIB encolhe 1,5% com pandemia e economia regride ao patamar de 2012 As medidas de isolamento social e os impactos da pandemia de coronavírus na atividade econômica derrubaram o Produto Interno Bruto brasileiro já no 1º trimestre deste ano. Com exceção do agronegócio, todos os grandes setores do PIB pelo lado da oferta tiveram retração nos 3 primeiros meses do ano, segundo mostrou nesta sexta-feira (29) o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). As quedas mais acentuadas ou com maior impacto no resultado do PIB nos 3 primeiros meses do ano foram registradas na prestação de serviços e indústria extrativa. Já o consumo das famílias acusou o impacto pelo lado da demanda. O que é o PIB e como ele é calculado PIB do Brasil cresce 1,1% em 2019, menor avanço em 3 anos Algumas atividades, no entanto, foram mais abaladas que outras neste começo de ano, e a perspectiva é de uma retração ainda maior da economia brasileira entre abril e junho. Variação do PIB trimestre a trimestre desde 2015 Rodrigo Sanches/G1 Veja os principais destaques do PIB no 1º trimestre: Serviços: -1,6% (1ª queda desde o 4º trimestre de 2016) Agropecuária: 0,6% Indústria: -1,4% (1ª queda desde o 4º trimestre de 2018), quando foi -0,4% Indústria extrativa: -3,2% Construção civil: -2,4% Consumo das famílias: -2% (1ª queda desde o 4º trimestre de 2016) Consumo do governo: 0,2% Investimentos: 3,1% Exportação: -0,9% Importação: 2,8% Para a pesquisadora Luana Miranda, do Ibre/FGV, mesmo em um cenário de reabertura da economia a partir do 2º semestre, os impactos da pandemia deverão se estender para além de 2020. "Em 2021 é provável que o país recupere apenas parte das perdas acumuladas neste ano", avalia. Veja abaixo os segmentos mais impactados dentro de cada um dos grandes componentes do PIB Serviços prestados às famílias desabam No comércio, só mercados e farmácias não sofrem abalo Agronegócio em seu oásis Renda menor e desemprego derrubam consumo das famílias Investimentos adiados e saída de recursos do país Serviços prestados às famílias desabam Dentro do setor de serviços, que possui peso de cerca de 70% no PIB do Brasil e que mostrou queda de 1,6% no primeiro trimestre, o um dos segmentos mais afetados pela pandemia foi o que abrange os serviços prestados às famílias, que inclui alimentação fora de casa, hospedagem, salões de beleza, academias e reparos. Somente em março, a queda no volume foi de 31,2%, na comparação com fevereiro, segundo mostrou pesquisa setorial do IBGE. Outros segmentos fortemente abalados pela quarentena e menor circulação de pessoas foram os ligados a lazer, eventos e turismo. Setor de serviços registra em março o pior resultado da série histórica A demanda por voos domésticos, por exemplo, desabou 32,9% em março, em relação ao mesmo mês de 2019. Já o índice de atividades turísticas tombou 30% em março. Segundo o IBGE, foi a maior retração da série histórica, iniciada em janeiro de 2011. "Os serviços ligados a alojamento, alimentação fora do domicílio, transporte e comércio serão linhas que demorarão mais para se recuperar", avalia a economista Alessandra Ribeiro, da consultoria Tendências. A Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) estima que 20% dos bares e restaurantes do país já fecharam as portas em definitivo no país desde o começo da pandemia. Pesquisa da entidade divulgada na semana passada mostrou que 67,2% dos empresários pretendem retomar as atividades com operação reduzida mesmo quando forem autorizados pelo governo a reabrirem os estabelecimentos. No comércio, só mercados e farmácias não sofrem abalo As vendas do comércio entram no resultado do PIB do setor de serviços, e estão entre as atividades econômicas mais afetadas pelas restrições de funcionamento impostas pelas autoridades para tentar conter a propagação do coronavírus. No primeiro trimestre deste ano, os serviços mostraram queda de 1,6%, segundo os dados do PIB divulgados nesta sexta-feira (29) pelo IBGE. Em março, com boa parte das lojas fechadas ou funcionando apenas no sistema delivery, as maiores retrações ocorreram nas vendas de tecidos, vestuário e calçados (-42,2%), veículos (-36,4%), livros, jornais, revistas e papelaria (-36,1%), outros artigos de uso pessoal e doméstico (-27,4%) e móveis e eletrodomésticos (-25,9%), segundo dados da pesquisa mensal do IBGE, Comércio registra o pior resultado para março desde 2003 "A queda no comércio foi parcialmente suavizada devido ao aumento das vendas nos supermercados e farmácias no mês de março", destaca Luana Miranda. Em março, os segmentos de hipermercados, supermercados, produtos alimentícios e bebidas (14,6%) e de artigos farmacêuticos, médicos, ortopédicos, de perfumaria e cosméticos (1,3%) foram os únicos a registrar aumento de vendas no país. Pelos cálculos da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), o faturamento do comércio brasileiro encolheu 39% em relação ao período anterior à pandemia e, dependendo da evolução da crise, poderá cortar até 2,2 milhões de vagas de trabalho. Indústria em dificuldades Na indústria, a retração de 1,4% no 1º trimestre foi impulsionada especialmente pelas fortes quedas nas indústrias extrativas (-3,2%), mas também pela construção civil (-2,4%) e indústrias de transformação (-1,4%). Já como efeito da pandemia do novo coronavírus, a produção industrial fechou março deste ano com queda 9,1% em relação a fevereiro. Foi o pior março desde 2002, segundo o IBGE. Das 26 atividades industriais, 23 sofreram queda. Produção industrial tem queda de 9,1% em março Se os números surpreenderam negativamente, o tamanho do impacto à frente é mais assustador. A pesquisa Impacto da Covid-19 na Indústria, encomendada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) mostra que 76% das empresas reduziram ou paralisaram sua produção. Quase 60% dos empresários relatam dificuldades para pagamentos correntes e 55% reclamam do acesso a capital de giro. Resultado das dificuldades aparece na última sondagem da CNI para o Índice de Confiança do Empresário Industrial. Na escala de 0 a 100, a sondagem marca 34,7 pontos no mês de maio. A mínima foi registrada em abril, com 34,5 pontos. Qualquer resultado abaixo de 50 é considerado negativo. A situação é mais grave entre empresários do setor de calçados (26,6 pontos), vestuário (28,8 pontos), impressão e reprodução (29,2 pontos) e veículos automotores (29,6 pontos). "O segundo trimestre será dramático, o pior desempenho da história do setor. O terceiro trimestre tende a melhorar um pouco, mas vai depender de quando sairemos do pico da pandemia", disse Luiz Carlos Moraes, presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), no início do mês. De acordo com a entidade, a segunda quinzena de março e abril registraram queda de vendas de veículos da ordem de 80%. A produção não chegou a 2 mil veículos no mês passado e os estoques eram de 237,3 mil unidades, suficiente para quatro meses de venda no ritmo atual. Na construção civil, a Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC) diz que os lançamentos imobiliários caíram 14% no 1º trimestre e 79% das construtoras afirmam que pretendem adiar os lançamentos em razão da pandemia. "A construção civil deve se recuperar muito lentamente, seja pelo lado do setor imobiliário, seja pelo lado dos investimentos, diante das incertezas magnificadas pelo ambiente político", avalia a economista Alessandra Ribeiro, da consultoria Tendências. Agronegócio em seu oásis Diferente dos demais setores, a expectativa do agronegócio era de alta neste primeiro trimestre de 2020 – e ele de fato registrou crescimento, de 0,6%. O Sistema de Expectativas Focus, do Banco Central, dava conta de um aumento de 3% no PIB do Agronegócio para o período. Os resultados foram garantidos pela atividade agropecuária básica, não pela a agroindústria. A demanda da produção agrícola teve consistência porque o consumo de bens essenciais foi pouco impactado pela pandemia do novo coronavírus. Com a safra plantada e boas condições climáticas, veio resultado mesmo com a contração de renda do brasileiro. "Exceto no Rio Grande do Sul, a chuva demorou, mas chegou. A safra veio cheia. De fato, há uma percepção de que o setor ficou mais imune a pandemia", diz o economista Felippe Serigati, professor da FGV Agro. "Agora, é se preparar para a próxima safra com preço formado no exterior e voltado para exportação, que dará fôlego de caixa por conta de câmbio elevado", afirma. "Com boas notícias, dá para segurar o acumulado do ano." Em meio à pandemia, agronegócio tem previsão de safra recorde O desafio do setor é não se deixar impactar pela queda da indústria que depende dos insumos do agronegócio, com a produção de bebidas e produtos não-alimentícios, como têxtil, biocombustíveis, papel e celulose, fumo, borracha e tantos outros. Outra ameaça, mais ligada à pandemia, é a interdição da cadeia de produção animal, em uma situação próxima ao que se observa nos Estados Unidos. Por lá, frigoríficos foram fechados pela alta contaminação de trabalhadores pela Covid-19, causando desabastecimento. O Sul do Brasil e Mato Grosso registraram os primeiros problemas, mas ainda sem perigo de uma crise de oferta. "A produção de carnes, se não houver um episódio parecido com o dos Estados Unidos e se der destaque para exportação, pode se beneficiar de um preço mais competitivo", diz Serigatti. "O mesmo vale para insumos agrícolas, que competem melhor com os importados em tempos de dólar alto." O Ipea avalia que o PIB do setor agropecuário brasileiro deve fechar o ano com crescimento de 2,5%, sustentado pela perspectiva de safra recorde e aumento das exportações de carnes. No cenário de maior estresse, considerando os riscos de um maior impacto da Covid-19 sobre a demanda por produtos agropecuários, o Ipea projeta uma alta de 1,3% no PIB do setor. Renda menor e desemprego derrubam consumo das famílias Do lado da demanda, a forte da retração da economia no 1º trimestre é explicada principalmente pelo freio no consumo das famílias, que encolheu 2%, com os consumidores gastando menos ou consumindo apenas o essencial, quer seja por queda da renda ou por medo do desemprego e da recessão que se anuncia. Levantamento feito pelo Ibre/FGV mostrou que a pandemia já afetou o trabalho e renda de 53,5% das famílias brasileiras. Segundo o estudo, quase metade (43,9%) teve algum membro da família impedido de trabalhar em virtude do isolamento social. Outros 24,9% presenciaram redução jornada e salário, 14,7% informaram que pelo menos um integrante teve o contrato de trabalho suspenso, e 12,7% citaram que uma pessoa do núcleo familiar foi demitida. Renda menor e contas atrasadas: trabalhadores relatam impactos da redução de jornada ou suspensão de contrato Famílias mudam os hábitos de consumo e economizam no isolamento A taxa de desemprego no Brasil subiu para 12,2% no 1º trimestre, atingindo 12,9 milhões de pessoas, segundo o IBGE. Em 3 meses, o número de pessoas na fila por um emprego aumentou em 1,2 milhão, sem contar aquelas que simplesmente saíram da força de trabalho e deixaram de procurar emprego em razão das restrições impostas pela pandemia. Os números do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), divulgados na última quarta-feira (27), ajudam a dar a dimensão do derretimento do mercado de trabalho. A economia brasileira fechou 1,1 milhão de vagas de trabalho com carteira assinada entre março e abril – 860,5 mil só no último mês. O Ibre/FGV projeta que o Brasil deverá encerrar este ano com uma taxa média de desemprego de 18,7%. Investimentos adiados e saída de recursos do país A demanda mais fraca, aumento da capacidade ociosa e cenário político mais turbulento também já afeta o ímpeto por investimentos no país. Ainda que os investimentos tenham registrado avanço no 1º trimestre, de 3,1%, os analistas destacam que o resultado sequer compensou o tombo de 3,3% registrado no 4º trimestre, quando a economia brasileira já começou a dar sinais de perda de dinamismo. Dados divulgados nesta semana pelo Banco Central mostram que, de janeiro a abril, os investidores retiraram US$ 31,4 bilhões do Brasil. O resultado representa uma forte reversão em relação ao registrado no mesmo período do ano passado, quando houve ingresso de US$ 9,96 bilhões na economia brasileira. Os valores retirados do país englobam aplicações em ações, em fundos de investimentos e em títulos da renda fixa. "A gente vinha observando que o investidor global estava bem seletivo, e havia uma saída de recursos das bolsas de países emergentes. A nossa bolsa descolava do padrão por causa do fluxo do investidor doméstico", diz a economista Zeina Latif. "Agora, há uma preocupação extra com o impacto da política nas relações exteriores. Vai ter um custo bastante grande recuperar imagem do país, seja na questão de saúde, na ambiental, ou na questão comercial", afirma. "Para o futuro, é preciso restabelecer uma agenda de reformas estruturais para dar confiança e reconstruir a questão diplomática." Especialistas analisam os impactos da crise política na economia brasileira Falta de coordenação no combate ao coronavírus prejudica retomada da economia, apontam empresários Initial plugin text