Orçamento das famílias é afetado pela combinação de crescimento do desemprego, aumento do endividamento e incerteza provocada por novas ondas de contaminação do coronavírus. SÃO PAULO – Rua 25 de março, em São Paulo, com o comércio fechado nesta sexta-feira (20) para evitar a propagação do novo coronavírus Marcelo Brandt/G1 Os estragos provocados pela crise desencadeada pelo coronavírus no orçamento dos brasileiro serão intensos e prolongados. Já no primeiro trimestre deste ano, segundo dados divulgados nesta sexta-feira (29) pelo IBGE, o consumo das famílias teve queda de 2% – a mais intensa desde 2001 -, afetado pela combinação de crescimento do desemprego, aumento do endividamento e incerteza provocada por novas ondas de contaminação da doença. A piora no cenário para as famílias brasileira marca uma importante inversão na dinâmica de crescimento do país. Nos últimos anos, mesmo com o tímido do avanço do Produto Interno Bruto (PIB), o consumo das famílias foi o que mais contribuiu para puxar a atividade econômica. Em 2020, o que se espera, no entanto, é que o consumo empurre a economia ainda mais para baixo. "Se desde o final da última recessão, o consumo vinha crescendo acima do PIB, agora vai acontecer o contrário: a queda do consumo deve ser mais intensa do que a queda do PIB, porque há uma situação no mercado de trabalho muito crítica", diz a pesquisadora da área de economia aplicada do Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV), Luana Miranda. As famílias devem deixar de gastar R$ 225,1 bilhões neste ano na comparação com 2019, segundo cálculos realizados pela consultoria Tendências. E a perda de fôlego deve ser ainda mais intensa porque os números devem ser revisados, dado que o ritmo da atividade caminha para ser ainda mais fraco do que o esperado. Antes da divulgação do desempenho da economia no primeiro trimestre, a consultoria esperava uma queda do PIB de 4,1% e uma retração do consumo de 4,8% neste ano. "Hoje, sem a revisão, o consumo já cai quase 5%. Dado que o peso dele é de quase 65% no PIB, é o que mais contribui para a queda da atividade neste ano", diz a economista e sócia da consultoria Tendências, Alessandra Ribeiro. Os dados do mercado de trabalho já indicam quão grave deve ser a crise provocada pelo coronavírus para o orçamento das famílias. Entre março e abril, o país viu a destruição de 1,1 milhão de empregos formais, segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged). "A expectativa é de uma elevação acentuada do desemprego, de um quadro bastante severo. A grande questão que fica é como será a recuperação em 2021", afirma o economista do banco Santander Lucas Nóbrega. No pior momento da crise, a taxa de desocupação no país deve chegar a 20% entre maio e junho, segundo projeção do banco. Dados do Caged mostram que o país fechou 860 mil vagas em abril Rendimentos em queda livre O aumento do desemprego terá um impacto expressivo na renda da população brasileira. Nem mesmo as medidas de compensação do governo federal, como o auxílio emergencial aos informais, vão conseguir compensar integralmente o impacto na renda. A massa salarial ampliada deve cair 10,4% neste ano, em termos reais (descontada a inflação), nas projeções do Ibre. Se as políticas de socorro não tivessem saído do papel, essa queda chegaria a 15,2%. A massa salarial ampliada leva em conta não somente os rendimentos do trabalho, como também os benefícios sociais e previdenciários. Rendimento das famílias deve cair 10% em 2020 Economia/G1 "Mesmo as pessoas que não foram mandadas embora vão segurar os gastos e aumentar a poupança por conta de incertezas sobre o que irá vir. Então o consumo fica menor e restrito aos bens de primeira necessidade”, diz a pesquisadora do Ibre. Comprometimento da renda em alta Além do desemprego e queda na renda, o endividamento das famílias aumentou com a crise. Nos cálculos da Tendências, o comprometimento da renda com o pagamento de dívidas, que estava em torno de 22% antes da pandemia, terá picos de alta nos meses de abril (23,2%), maio (23,6%) e junho (23,1%), podendo recuar gradualmente para a faixa de 22% a partir de julho. "O crescimento do comprometimento da renda com dívidas se dá pela piora das condições de crédito no segundo trimestre. Ainda que a Selic esteja baixa, os bancos estão elevando os juros e reduzindo os prazos por conta do risco maior", explica Alessandra. Ainda que a projeção da consultoria seja de redução do comprometimento, a economista não descarta que este fique em torno dos 23% nos próximos meses, dado o cenário negativo para o mercado de trabalho. Os números apresentados por Alessandra levam em conta os critérios da própria consultoria. As projeções para os dados de comprometimento da renda calculados pelo Banco Central (BC), para os meses de abril (20,8%), maio (21,2%) e junho (20,6%) são diferentes, pois a Tendências inclui em sua conta as dívidas com cartão de crédito sem juros. Já o endividamento das famílias atinge, em maio, 42,2% da renda e deve recuar para 41,9% em dezembro de 2020, diante de uma postura mais restritiva dos bancos e com as famílias mais receosas em tomarem crédito. Para a Tendências, as concessões de crédito para a pessoa física devem cair 5% este ano, em termos reais. Incerteza dificulta retomada Há ainda um fator de bastante incerteza que se dá em como os consumidores devem se comportar sem uma cura ou vacina para o coronavírus. O que pode ocorrer é o que os consumidores podem fazer o que os economistas chamam de poupança precaucional – ou seja, guardar uma parte dos recursos para enfrentar um eventual novo período de dificuldade econômica provocada pelo vírus. "Vai haver um ambiente de insegurança geral, mesmo entre quem não perdeu o emprego ou foi afetado parcialmente pela crise. Quando passar o momento mais crítico, as pessoas podem ficar com medo de que vai acontecer de novo, e podem fazer um esforço extra de guardar um pouco mais de dinheiro", afirma o economista-chefe do do BNP Paribas no Brasil, Gustavo Arruda. Em várias cidades e estados do país, já existem tentativas de reabrir parte da economia, apesar dos índices de contaminação e mortos pelo coronavírus ainda estarem elevados. "Mesmo que a gente não esteja mais nesse ambiente de fechamento parcial da economia, só o fato dessa insegurança deve fazer com que a gente tenha uma recuperação mais lenta", diz Arruda. Quarentena em SP é prorrogada por 15 dias com flexibilização progressiva Initial plugin text