Cantora fala sobre impacto da falta de shows para quem vive de música, critica falta de apoio do governo e explica iniciativa 'Juntos pela Música'. Ouça podcast com entrevista. "É uma reação que você vê o outro, você vê no olhar, você vê na palma, no grito, na alegria", lembra Paula Lima da energia de um show "normal" até o começo de 2020. As últimas apresentações da cantora paulistana foram no começo de mês de março e ela já sente falta dos palcos. "Quando eu vou ter meus músicos novamente no palco? Quando que eu vou poder cantar para as pessoas ali na minha frente da forma como eu estou acostumada, pelo menos?", se questiona Paula, ainda sem respostas. Ouça abaixo podcast com a entrevista. Muito mais que um desejo, voltar aos palcos é uma necessidade para Paula e para todos que trabalham com música ao vivo. Com agendas suspensas por tempo indeterminado por conta da pandemia do coronavírus, a renda de milhares de famílias está comprometida. "É um ponto de interrogação. O setor está realmente preocupado e sem saber exatamente o que vai acontecer", diz a cantora ao G1, por telefone. Ela também é diretora da União Brasileira de Compositores. UBC promove 24 horas de live com Maria Rita, Fernanda Takai e outros no sábado (30) A Câmara dos Deputados aprovou na terça-feira (26) um projeto de lei que destina R$ 3 bilhões ao setor cultural durante a crise do coronavírus. O pagamento emergencial de três parcelas de R$ 600 aos profissionais informais do setor ainda depende da aprovação no Senado. Paula fala das iniciativas privadas, como o "Juntos pela Música" da UBC, do modelo de lives patrocinadas e critica a falta de ação do governo para o setor. G1 – Paula, me conta um pouco sobre o impacto do coronavírus para você, como cantora. Você tinha muitos shows marcados? Paula Lima – Eu tinha shows marcados sim. O impacto foi tremendo porque a gente se planeja para o trabalho durante o ano e obviamente tem a questão financeira, que é uma das principais. E tudo foi cancelado simplesmente. Foi um impacto tremendo para mim, para os músicos, para banda e para o setor inteiro assim. Não tem ninguém que eu converse que esteja pensando ou sentindo diferente. Sem contar que pegou todo mundo de surpresa. É uma coisa que ninguém imaginava e é um trabalho muito pontual e instável, principalmente para artistas alternativos. Então é um ponto de interrogação, o setor está realmente preocupado e sem saber exatamente o que vai acontecer. G1 – A sua renda ficou comprometida com a pandemia? Paula Lima – Com toda certeza. A minha renda, a dos meus músicos, da minha equipe, a renda dos meus colegas. Agora o que se busca são outros caminhos, patrocínios de marcas nas lives, por exemplo. Isso já vem acontecendo, mas ainda não é uma coisa formal, uma coisa que já faz parte do mercado. A gente nesse mundo se adapta às novas situações, então eu acho que vai mudar a forma de comunicação com o público, vai mudar a forma do encontro com os fãs, vai mudar a forma de apresentar um show. G1 – Como você vê a situação dos músicos? Paula Lima – A situação do músico é realmente seríssima, porque em geral os artistas são independentes e não são uma empresa. São trabalhos pontuais em que ele vai e faz um show, talvez até para vários artistas diferentes, só que ninguém está fazendo apresentações com frequência. Quando tem live são um ou dois músicos, quando são maiores quatro músicos, mas para quem tinha 15 no palco? Sinceramente eu acho que ainda é um ponto de interrogação assim. Os músicos e eu, por exemplo, não sei exatamente como vai ser. O que a gente tenta é justamente isso através dessas lives patrocinadas ter algum fundo que cada artista reserve para os seus músicos, mas enquanto isso não acontece, eu acho que fica praticamente impossível. Eles terão e estão procurando ações de outras empresas governamentais ou não. Toni Garrido sugere 10% da renda das lives para equipes técnicas: 'Galera está passando fome' G1 – E é complicado a conta fechar, porque até os grandes artistas que faziam muitos shows por mês, hoje fazem uma live no mesmo período. Paula Lima – Mesmo que o patrocínio seja as vezes maior do que o próprio cachê, ainda assim é um, né? Os caminhos que já apareceram são bem-vindos [as lives patrocinadas], mas eles ainda não cobrem esse prejuízo e a necessidade real. Até mesmo o apoio do governo de R$ 600. Um músico em geral ganhava isso por show, entende? Como que ele vai suprir as necessidades dele? Ganhava isso para mais, então é muito delicado. A área precisa de uma atenção maior, mas ao mesmo tempo o governo respira por aparelhos. É um país imenso com inúmeras dificuldades e um momento trágico que a gente precisa encontrar caminhos. Acho que os únicos por enquanto são de doações não governamentais de apoio a cultura e à arte. E obviamente um ministério da cultura que funcione, né? Por enquanto não existe esse apoio, não existe essa ação então estamos soltos à sorte. G1 – A União Brasileira dos Compositores tem uma iniciativa para ajudar aos compositores e intérpretes. Conta um pouco sobre isso. Paula Lima – Existe o fundo "Juntos Pela Música" para ajudar os compositores e intérpretes. É uma ajuda muito bem-vinda. Você entra na UBC, você se cadastra e existe uma comissão que avalia se você realmente está passando por necessidade. Quem é aprovado recebe 4 parcelas de R$ 400. Mas depois disso, como fica? Essa pandemia é uma coisa que a cada dia a gente tem uma notícia diferente, que geralmente não é boa. Esse fundo, por exemplo, provavelmente ele deve ser reavaliado e refeito. Tudo depende do que vai acontecer e o problema é que não existe uma forma de se planejar, sendo que o próprio vírus é uma coisa que a gente não sabe como ele caminha, como funciona, qual é o tempo de vida. Não tenho respostas certas para o incerto, mas o que espero é que essa pandemia passe o mais rápido possível, que as ações governamentais e não-governamentais realmente continuem funcionando e sejam eficazes. Paula Lima fez último show no dia 8 de março, Dia Internacional da Mulher, no Parque Ibirapuera em São Paulo Divulgação G1 – Quais foram os últimos shows que você fez? Paula Lima – Eu fiz show dias 6, 7 e 8 de março. O último foi no Parque Ibirapuera em comemoração ao Dia das Mulheres. Depois do meu show, teve Claudia Leitte e outras cantoras, orquestra. Era um momento de muita felicidade para todas nós, embora tenha chovido muito. Ninguém imaginava que a gente chegaria a isso e mesmo quando rolou o aviso do isolamento, a gente acreditou nos 14 dias, né? Serão 14 dias e depois aos poucos a gente vai voltando. Não, é uma coisa que parece infinita e a gente não tem ideia de quando nem de como vai voltar. Eu já li pessoas dizendo que quando os shows voltarem só poderão ser em casas pequenas, com mesas afastadas no máximo para 50 pessoas. Mas como é que é isso? Todo mundo vai estar de máscara? Como as pessoas não vão se aproximar? Ninguém levanta para ir ao banheiro? Não sei! É uma coisa muito delicada. Eu rezo muito para que essa vacina chegue logo. G1 – Já deu saudade dos palcos neste dois meses? Paula Lima – Uma saudade imensa e um pesar imenso também pelo que a gente está vivendo. Eu já sinto, obviamente, falta do palco, das pessoas. Sinto uma dor por não saber quando eu vou reencontrá-las novamente, sabe? Quando que aquele realidade que eu estou acostumada, e que, se Deus quiser, ela voltará, quando que ela vai acontecer novamente. Quando eu vou ter meus músicos novamente no palco? Quando que eu vou poder cantar para as pessoas ali na minha frente da forma como eu estou acostumada pelo menos? É uma forma muito mais quente, mais calorosa, mais direta. É uma reação que você vê o outro, você vê no olhar, você vê na palma, no grito, na alegria. O pós-show onde você recebe as pessoas e pode abraçar! Olha que coisa louca pensando hoje em dia. As pessoas abraçam, contam uma história, falam perto de você, você pega na mão delas. Nada disso pode acontecer agora pelo menos, então é tudo muito estranho. Paula Lima durante entrevista ao jornal local de Porto Alegre em 2017