Capa do álbum 'A seu favor', de Jorge Aragão Alexandre Souza Lima ♪ DISCOS PARA DESCOBRIR EM CASA – A seu favor, Jorge Aragão, 1990 ♪ De todos os bambas associados sobretudo ao pagode carioca dos anos 1980, Jorge Aragão foi o primeiro a entrar na roda. O nome de Jorge Aragão da Cruz – cantor, compositor e músico nascido em 1º de março de 1949 na cidade do Rio de Janeiro (RJ) – começou a sair do anonimato em 1976, ano em que Elza Soares deu voz a Malandro, samba que o compositor criara em 1968 com João Batista Alcântara, parceiro dos tempos de juventude, creditado nos discos como Jotabê. Se o compositor foi precocemente reconhecido como criador de sambas melódicos, líricos e geralmente dolentes que fizeram Aragão ganhar a justa alcunha de Poeta do samba, o cantor teve que esperar até o fim da década de 1990 para virar espécie de popstar do pagode com série de discos ao vivo que tornaram redundante uma discografia até então coesa, iniciada em 1977 com edição de single em que Aragão eriçou o orgulho negro de Cabelo pixaim, outra parceria com Jotabê. Quando lançou o quinto álbum solo em 1990, A seu favor, Aragão ainda era cantor de nichos, de shows feitos sobretudo nos subúrbios cariocas, mas vinha construindo trajetória ascendente desde os anos 1970. Ao ser brindado com popularidade até então inédita na carreira fonográfica, a partir de disco ao vivo editado em 1999, Jorge Aragão teve coroada uma trajetória de grande relevância para a consolidação do samba renovado que começara a brotar nos fundos dos quintais cariocas na segunda metade dos anos 1970. Sempre atenta aos sinais, Beth Carvalho (1946 – 2019) trouxe aquela inovação rítmica para os próprios discos, gravando sambas de Aragão e dando grande destaque na divulgação dos álbuns a esses sambas, desde então definitivamente associados à carreira da cantora. É impossível escrever a historia de Beth sem mencionar Vou festejar (Jorge Aragão, Neoci Dias e Dida, 1978) e Coisinha do pai (Jorge Aragão, Almir Guineto e Luiz Carlos da Vila, 1979). Ou mesmo Tendência (1981), parceria do compositor com Ivone Lara (1922 – 2018) também lançada por Beth – no caso, no ano em que o cantor lançou sem a menor repercussão o primeiro álbum solo, Jorge Aragão (1981). Com repertório que trouxe Resto de esperança (Jorge Aragão e Dedé da Portela, 1980), samba propagado no ano anterior na voz do cantor Roberto Ribeiro (1940 – 1996), o primeiro álbum solo de Aragão chegou ao mercado após breve passagem do artista como integrante da formação original do Fundo de Quintal, com o qual o artista gravara o primeiro álbum do grupo, Samba é no Fundo de Quintal (1980). A saída de Aragão do grupo, em 1981, transcorreu sem mágoas. Tanto que Aragão continuou contribuindo para o repertório do grupo e quase sempre incluiu músicas de integrantes do Fundo de Quintal na própria discografia solo. Essa obra solo ganhou alguma visibilidade em 1986 com a contratação do cantor pela RGE – gravadora que investia no pagode, lançando discos de Almir Guineto (1946 – 2017), Jovelina Pérola Negra (1944 – 1998) e Zeca Pagodinho – e a consequente edição do terceiro álbum solo de Aragão, batizado com o nome do samba Coisa de pele (Jorge Aragão e Acyr Marques, 1986), espécie de hino dos pagodes cariocas, gravado por Beth Carvalho naquele mesmo ano. Contudo, tal impulso manteve inalterada a cotação de Aragão no mercado de shows quando o cantor lançou o álbum A seu favor, produzido por Milton Manhães, arranjado por Ivan Paulo e editado dois anos após Raiz e flor (1998) com capa que expôs Aragão em foto de Alexandre Souza Lima. Com o lado A do LP dominado por sambas dolentes, o álbum A seu favor apresentou duas joias do gênero que, com o decorrer dos anos, virariam standards do repertório de Aragão. Minha meu sonho era da própria lavra do sambista poeta. Já Papel de pão, samba sobre desilusão amorosa, veio assinado por Cristiano Fagundes e abriu o álbum A seu favor com boa dose de beleza. Samba do mesmo alto quilate e da mesma linhagem melódica, Deixa estar trouxe a assinatura de Cleber Augusto, então integrante do Fundo de Quintal, grupo que regravaria a composição em 1999. Contudo, a pérola mais reluzente lustrada pelo artista no álbum A seu favor foi o samba melancólico Reflexão, parceria de Aragão com o bamba Luiz Carlos da Vila (1949 – 2008), mal lançada pela dupla Antonio Carlos & Jocafi em disco de 1984 e, com exceção de Aragão, inexplicavelmente nunca mais gravada por outro intérprete desde então. Obra-prima, Reflexão já valeu por si só este disco de 1990 em que, nas rimas do partido alto Tem que tocar (Arlindo Cruz, Franco e Marquinho PQD), Aragão mandou recado cifrado para as emissoras de rádio FMs refratárias ao samba e a outros ritmos do Brasil. Intérprete de assinatura vocal singular, Aragão surpreendeu na abertura do lado B do LP A seu favor ao fazer bela canção do compositor Taiguara (1945 – 1996), Viagem (1970), soar como típico samba dolente do próprio Aragão. Em outra incursão por repertório alheio, o cantor deu voz tristonha a uma canção então inédita de Altay Veloso, Personagem, música apresentada por Aragão com excesso de teclados no arranjo e nunca mais gravada desde então. Também nunca mais alvo de outro registro fonográfico, o samba Missão de mim veio com as assinaturas de Aragão e Zeca Pagodinho, mas sem o brilho de outras criações dos compositores parceiros, como Voo de paz (1986) e, sobretudo, o sacolejante samba Não sou mais disso (1996). Sozinho, sem parceiros, o artista apresentou nesse disco de 1990 o lento samba-título A seu favor e Você sabe bem, samba mais sincopado. Você sabe bem foi alocado no fecho de álbum que, 30 anos o lançamento, figura como exemplo preciso da poesia romântica do samba geralmente triste do bamba carioca Jorge Aragão da Cruz, mestre na composição de obra perene. Uma arte popular extraída do chão do Brasil.