Em quarentena com a namorada, ele criou projeto para doar cestas básicas a músicos. 'Estou achando que não vai ter nem carnaval', diz, sobre desfiles na Sapucaí em 2021. Pretinho da Serrinha toca há 31 anos. Ele diz já ter vivido momentos "brabos", mas nunca viu uma situação parecida com a que a música, assim como outros setores da cultura, está passando nesta pandemia do coronavírus. O mercado de shows foi o primeiro a parar e deve ser um dos últimos a voltar a funcionar normalmente. Com isso, músicos, produtores, roadies, técnicos, toda a cadeia de profissionais da música está comprometida. Compositor de sucessos como "Burguesinha", "Felicidade", "Mina do Condomínio", "Aliança" e "Reza", Pretinho também se dedica a produção. Para ele, se vivesse só dos shows "estaria muito ferrado" neste momento. "É uma coisa inédita que ninguém sabe como lidar e não tem jeito a galera está passando fome. Não adianta amenizar", diz o músico carioca ao G1, por telefone. Ouça entrevista no podcast acima. Pretinho está passando a quarentena em casa no Rio, com a cantora paulistana Rachell Luz. Graças ao equipamento da namorada, eles conseguiram improvisar um estúdio e estão produzindo algumas coisas de casa, inclusive a música "Tudo Vai Passar", lançada por Rachell na metade de maio. Pensando em alternativas para amenizar de alguma forma a situação da banda que o acompanha, Pretinho doou cestas básicas para equipe de 15 pessoas, entre músicos, técnicos e produtores. A ideia foi ganhando corpo e apoiadores e, em dois meses, o projeto chamado Cesta Somlidária conseguiu distribuir cerca de 250 cestas básicas para outros músicos, profissionais da técnica e produtores. Na entrevista, ele explica melhor a iniciativa, fala da dificuldade dos músicos em guardar dinheiro e da estranheza com as lives. Rachell Luz e Pretinho da Serrinha Divulgação/Sympla G1 – Queria começar perguntando o que você tem feito neste período de isolamento? Pretinho da Serrinha – Fiquei 15 dias sozinho aqui no Rio, depois fiquei 15 dias em São Paulo na casa da minha namorada, a Rachell Luz. Agora a gente voltou pro Rio, trouxe parte do estúdio dela e começou a trabalhar aqui de casa, mas muito devagarinho. Já fizemos a base de duas faixas dela, eu produzi uma faixa para o Silva e outra para Adriana Calcanhotto. Estou começando a produzir umas coisas de casa, gravar umas percussões, gravar cavaquinho, tocando nossos projetos. G1 – Fico pensando que deve ser uma mudança de rotina grande, já que vocês, músicos, passam tanto tempo em viagens, passagens de som, shows, avião de novo… Pretinho da Serrinha – Olha, para cada show, depende do lugar, mas normalmente são de dois a três dias na rua e de repente você não tem nada disso. É de enlouquecer, mas ao mesmo tempo ir se descobrindo, tentando ocupar a cabeça, porque é de pirar. A pessoa que está acostumada a trabalhar no escritório sai e volta para casa todo dia, mas eu estou acostumado a sair sexta e voltar segunda ou sair um dia e voltar 20 dias depois. Agora, fico o tempo inteiro em casa, sem ter o que trabalhar, algumas horas dá vontade de dar uns gritos. G1 – Com base na sua experiência, na conversa com os amigos, como a pandemia afeta um músico, uma pessoa que toca em uma banda, que toca no barzinho que de repente não tem mais nada para fazer? Pretinho da Serrinha – Cara, é assim no coração, é certeiro. Quem tinha um emprego [fora da música] com salário pode até ter reduzido, mas está recebendo, tem alguns direitos, tem auxílio. A gente não tem nada, músico não tem nada. Músico só tem o que ele toca, o que ele guarda… Mas, no Brasil, é muito difícil um músico guardar dinheiro. A maior parte dos músicos tocam nos bares, com banda da noite e o cachê é baixo. O cara toca hoje para comer amanhã, para pagar passagem. Eu lembro quando eu comecei há uns 20 anos eu saía para tocar, ganhava um cachê e dava para um pacote de fralda, o táxi para voltar de madrugada e o dinheiro da passagem do dia seguinte para voltar e tocar de novo. Você não consegue guardar, não consegue guardar nada… G1 – Você já viu uma situação como essa que estamos vivendo? Pretinho da Serrinha – Eu nunca vi uma coisa parecida, ficava "brabo": "Pô não tem show, está difícil, tem um, tem dois só”…. mas agora não tem nada. "É uma coisa inédita que ninguém sabe como lidar e, não tem jeito, a galera está passando fome. Não adianta amenizar. " Vou tirar pela minha banda, somos 15 pessoas entre músicos, técnicos, produção. A galera não tem outro lugar para tirar dinheiro. Toni Garrido sugere 10% da renda das lives para equipes técnicas G1 – Outro ponto também é que não tem previsão clara de quando tudo isso vai passar… Pretinho da Serrinha – É desesperador, porque assim se tem uma crise, uma guerra, sei lá, que vai durar seis meses… Você até tem uma data, você vai se virar, vai fazer as contas, mas hoje a gente não sabe isso. Outra coisa é que quando as coisas começarem abrir não vai ter show. Primeiro que não vão juntar seis mil pessoas em um lugar. Segundo, quem tem dinheiro para ficar indo para show voltando de uma crise? "Quem vai ficar pagando ingresso para ir para show? Está tendo live o tempo todo. Se tem uma coisa que ninguém está carente é do show. Qualquer hora que você pegar o telefone tem uma live para assistir. Isso é uma coisa também que vai ser difícil quando voltar." Eu sou músico, sou compositor, produzo, gravo, ainda improvisei um estúdio em casa, mas se eu estivesse vivendo só de tocar agora… eu estaria muito ferrado. Agora vem o tal do auxílio, de 14 pessoas da minha banda, só duas conseguiram os R$ 600. Eu vejo só as conversas no grupo, é um desespero danado. G1 – Daí que você começou o projeto das cestas básicas, né? Conta um pouco sobre isso. Pretinho da Serrinha – A princípio era uma ajuda só para minha banda, mas agora já consegui expandir para músicos, técnicos, roadies, produtores. Doamos 126 cestas em março e acho que um pouquinho mais, 130, em em abril. Estou pedindo pros amigos mesmo e já tem uma grana de doações guardadas para o mês que vem. Não dá para sair comprando tudo de uma vez até porque não vai acabar agora. Criamos uma conta no Instagram, (@CestaSomlidária), para ter um lugar ali para a pessoa que está doando acompanhar o que está sendo comprado, doado, para saber que é sério. Até porque no meio dessa confusão tem gente mau caráter que se aproveita. 'Gatonet de lives' engana fãs de sertanejos e rouba doações G1 – Quais são as saídas financeiras para os músicos neste momento? Gravações à distância? Aula particular? Pretinho da Serrinha – Dá para fazer algumas coisas, mas elas precisam ser antes planejadas, né? Para fazer uma videoaula, o cara tinha que ter se organizado antes, ter uma equipe para filmar, montar, editar… Consegue quem tem alguma estrutura em casa. Eu mesmo sempre usei os estúdios, consegui migrar porque minha namorada tinha, mas nem todo mundo tem um estúdio em casa ou tem equipamento para gravar uma videoaula. A gente foi pego de surpresa, então é tentar gravação para quem consegue gravar. Dá para dar aula online para uma pessoa também, mas é muito barato… Até ajuda, mas não vai salvar. Não deu tempo para gente se preparar, ninguém imaginava isso, sabe? É só rezar, por ora, é rezar… Tem horas que eu fico olhando pro nada e pensando "cara, que que vai acontecer?". A gente está meio de mãos atadas, não pode fazer nada para adiantar isso, para diminuir o sufoco. Tem que ficar em casa mesmo e eu sou muito caxias. Não saio, até hoje não fiz live com equipe, nada disso. G1 – E como estava esse ano de shows? Pretinho da Serrinha – Eu estava vindo do carnaval, que trabalhei bastante. Os músicos, todo mundo do samba trabalha muito, são muitos shows. Meu último show foi em um camarote da Sapucaí e o primeiro show cancelado foi no dia 13 de março. Era um show da Maria Bethânia em São Paulo. Além do final dessa turnê da Bethânia, eu tinha shows com a Marisa Monte e meus mesmo no Rio, em Recife, na Bahia. G1 – Comparando com as suas últimas lembranças do show no carnaval, aquele calor, aquela multidão reunida, Sapucaí, como você vê isso agora de lives? Pretinho da Serrinha – Para gente entender isso é difícil. Eu sempre trabalhei com muita gente, sempre estive envolvido no carnaval, com shows, sempre fui músico. Então eu não entendo muito esse negócio de ficar sozinho, é difícil a gente acostumar com isso de que não tem show, não tem plateia. Você sente o show quando as pessoas estão cantando. Quando você está tocando e ninguém está cantando aquilo te coloca para baixo, você tem que fazer uma força danada. Eu testo logo isso mandando um "só vocês!", quando vem aquela voz da plateia, aquela massa, você dá uma respirada e fala "opa, está tudo certo". Aquilo ali te joga lá no alto e dali pra frente é só festa. "Agora quando você fala 'vai!' e não vem ninguém, você já começa a pensar o que você tem que fazer para mudar esse cenário e trazer o povo com você. Essa coisa da live é isso, você não tem o 'só vocês' .Você pode até pedir, mas você não vai ouvir nada, então é 'só eu' e isso é muito estranho." Pretinho da Serrinha durante show em camarote na Sapucaí; foram as últimas apresentações antes da pandemia Reprodução/Instagram/Pretinho da Serrinha G1 – Imagino que a turma esteja pedindo uma live sua. Você está pensando em fazer? Pretinho da Serrinha – Eu não me sinto seguro em fazer live, juntar gente. Se eu saio para fazer uma live eu tenho que pegar minha banda. "As pessoas estão colocando a banda escondida, mas não adianta está todo mundo no mesmo lugar. Saio para fazer a live são 14 pessoas, que eu vá com a metade. Mesmo que eu leve sete, cada um tem mais dez por trás [com quem tem contato], então eu não tenho uma garantia." Enquanto eu tiver recurso para me manter, eu vou ficar em casa quietinho. Não vou fazer agora não. Deixa a curva baixar, aparecer qualquer remédio aí, porque eu não tenho capacidade de ficar doente, odeio hospital. G1 – Qual é a sua perspectiva de retorno dos shows? Pretinho da Serrinha – Eu acredito que a gente vai fazer algum show corporativo lá no final de ano, dezembro. Acho que antes disso dificilmente vamos fazer apresentações em casa de show. Tomara que eu esteja errado e comece em agosto, mas acho que não vai ter show não. "Eu estou achando que não vai ter nem carnaval. Pode ter carnaval de rua, mas o carnaval de escola de samba na Sapucaí pode ser atrapalhado." As escolas de samba já começam a pensar em enredo, deviam estar escolhendo para mandar sinopse para o compositor. Normalmente escolhem o samba em junho, julho e em agosto já está tudo gravado, disco está na rua e o barracão está sendo tocado. Mas não tem nada acontecendo. Não tem tempo para montar, fora isso, as escolas não têm patrocínio, não têm dinheiro. Então eu estou achando que o carnaval da rua pode até acontecer, mas o da Sapucaí acho perigoso. Tá tipo show, a gente não sabe. Pretinho da Serrinha, Repórter por um Dia, mostra a Madureira musical