Capa do álbum 'Mondo cane', de Lulu Santos Luiz Stein ♪ DISCOS PARA DESCOBRIR EM CASA – Mondo cane, Lulu Santos, 1992 ♪ Lulu Santos reinou nos anos 1980 como o compositor hitmaker que buscou – e muitas vezes encontrou – a batida perfeita do pop brasileiro. Já no primeiro álbum, Tempos modernos (1982), o artista vislumbrou começo de era pop para a música do Brasil. Confiando nessa visão, Lulu descobriu o tesouro da juventude e extraiu ouro puro de lavra própria, mostrando inspiração inabalável em série de discos que consolidaram, ao longo da década de 1980, um dos cancioneiros mais aliciantes do universo pop nacional. Essa monumental obra autoral resistiu bem ao tempo e, decorridos 40 anos, ainda garante plateias lotadas e embevecidas nos festivos shows do artista. Contudo, o sucesso nem sempre sorriu com todos os dentes para o carioca Luiz Maurício Pragana dos Santos. Em 1985, após os consagradores álbuns O ritmo do momento (1983) e Tudo azul (1984), Lulu dispensou os serviços de Liminha como produtor musical e assumiu o comando da gravação do quarto álbum, Normal, disco mais roqueiro e mais pretensioso que, justamente por ter interrompido o fluxo de sucesso radiofônico do cantor, motivou a transferência do artista da Warner Music para a RCA, gravadora que passou a se chamar BMG-Ariola em 1987. Sete anos depois, Lulu cometeria o mesmo erro ao produzir outro álbum recebido com certa frieza pelo público. Único álbum da breve e melancólica passagem do artista pela gravadora Polygram, Mondo cane foi lançado em 1992 e, embora tenha emplacado nas rádios a canção Apenas mais uma de amor, resultou em um dos discos menos ouvidos e aclamados de Lulu. Tanto que, após oito anos, a introspectiva balada Apenas mais uma de amor – exemplo da capacidade do compositor de atingir a perfeição pop com irresistível combinação de melodia e letra – ganhou outro sopro de vida e se tornou mais conhecida pela regravação feita pelo cantor para álbum ao vivo editado em 2000 na série Acústico MTV. Alguma coisa pareceu fora da ordem em Mondo cane – disco, além de produzido, arranjado pelo próprio Lulu Santos com repertório formado por onze inéditas composições autorais apresentadas ao longo de 12 faixas. A única música sem a assinatura de Lulu, Aquela vontade de rir, ficou esquecida no álbum Mondo cane nesses 28 anos que separam 2020 de 1992. Canção de Zé Renato com letra do diretor de teatro Hamilton Vaz Pereira, Aquela vontade de rir ganhou registro sereno de Lulu – feito somente com os teclados de Sacha Amback e o violoncelo de Mário Manga – sem deixar de exprimir certa melancolia entranhada no disco Mondo cane. Álbum menos ensolarado no confronto com discos antecessores do cantor, Mondo cane por vezes soou até sombrio. O pop rock Vício já abriu o álbum com letra que caracterizava como “droga pesada” o amor que, em canções anteriores, despertara tantos sentimentos leves. Verdade seja dita: é injusto creditar o fracasso de Mondo cane a uma possível falta de sintonia entre Lulu e a então nova companhia fonográfica do cantor, que vinha de passagens felizes pela WEA (de 1981 a 1985) e pela RCA / BMG (de 1986 a 1991). A safra autoral do compositor no álbum resultou menos sedutora em músicas como Foi mal. Entre as distorções que nublaram Ecos do passado, o flerte com o reggae em Cicatriz e a saudação ao rock em A coisa certa, faixa de potência amplificada pelas guitarras tocadas pelo próprio Lulu, ficou difícil detectar a perfeição pop do artesão em repertório que legou somente uma canção de fato antológica, a já mencionada Apenas mais uma de amor. Faltou um brilho especial ao disco. No álbum de 1989, Lulu já adicionara balanço e “outras levadas” ao pop do artista, com certa devoção ao samba-rock do então menos incensado Jorge Ben Jor, muso inspirador da música Brumário (1989). Ecos desse álbum recente reverberou em Mondo cane, sem o mesmo frescor, no samba-rock Realimentação e no samba E então? (Boa pergunta), músicas alocadas no fim desse disco indeciso. Analisado com a benção da perspectiva do tempo, o álbum Mondo cane resultou perdido no meio do caminho da discografia de Lulu por ter surgido depois da fase áurea do compositor como arquiteto do pop perfeito e antes da reinvenção eletrônica do artista na pista do DJ Memê, mentor do bem-sucedido álbum posterior Assim caminha a humanidade (1994), disco que marcou a volta de Lulu para a gravadora BMG e para o topo das paradas. Mondo cane foi disco de aura roqueira, alimentada em faixas como Fevereiro e, sobretudo, Máquinas macias, composição que ganhou peso no disco com a proeminência de guitarras de toque quase heavy. Tema instrumental, Hormônios também ressoou a ebulição roqueira do álbum, evidenciando o entrosamento da banda-base do disco, formada por Lulu (nas guitarras) com Christiaan Oyens na bateria, Décio Crispim no baixo e Sacha Amback nos teclados. Décimo álbum de estúdio de Lulu Santos, Mondo cane ficou esquecido na discografia do artista porque a humanidade sempre caminhou na direção de sucessos e, por isso mesmo, já se desviara de álbuns em que o mesmo Lulu pareceu ter recusado a perfeição pop, caso do já mencionado Normal (1985). E, verdade seja dita, Lulu não estava na melhor das formas como hitmaker em 1992. Com a ressalva de que Apenas mais uma de amor – a rigor, o único legado de Mondo cane – permaneceu como uma das mais inspiradas canções do artista em luminosa carreira solo que completa 40 anos em 2020.