Tomás Bertoni, guitarrista e tecladista, analisa era das lives e comenta cachês da banda nessas transmissões: 'vão de R$ 2 mil a mais de R$ 10 mil'. Ouça podcast com entrevista. "Acabei de sair de uma reunião com o contador para perguntar como faz para declarar falência", diz Tomás Bertoni, rindo de nervoso, logo no começo da entrevista ao G1. O tecladista e guitarrista do Scalene estava exagerando um pouco, mas nem tanto. Da reunião veio a decisão de deixar o CPNJ inativo, como uma das medidas da banda economizar nos meses sem show. "Para que a gente tem CNPJ? Para emitir a nota de uma live a cada mês que deve rolar com algum cachê?", questiona Bertoni. Ouça trechos da entrevista no podcast acima. Deixando um pouco de lado o glamour de estar nos palcos de festivais como Rock in Rio ou Lollapalooza, a banda formada por Tomás, Gustavo Bertoni, Lucas Furtado e Philipe Nogueira também é uma empresa, paga imposto e tem custos fixos. O Scalene fazia em média 4 a 5 shows por mês, mas nem conseguiu "engatar o ano" por conta da medidas de isolamento. Sem previsão de mudança de cenário rapidamente, os músicos conversaram, fizeram algumas reduções nos custos da banda e concluíram que, apesar da crise, conseguem viver com o capital de giro e a renda dos serviços de streaming até dezembro. Na entrevista abaixo, Bertoni fala também sobre o Festival Coma em Brasília, do qual é sócio. Ele comenta o desafio de chegar ao valor de cachê de uma live, e fala da chegada do primeiro filho, Benjamin, com a apresentadora Titi Müller, no meio da pandemia. Tomás Bertoni, do Scalene, no palco do Lollapalooza 2019 Fabio Tito/G1 G1 – Queria começar perguntando sobre como que vocês do Scalene estão? Tomás Bertoni – Espiritualmente, psicologicamente, moralmente ou fisicamente? G1 – Financeiramente também… Tomás Bertoni – Para você ver que eu pensei nas outras coisas primeiro. Talvez isso seja um bom sinal ou não [risos]. Bom, acabei de sair de uma reunião com o contador para perguntar como faz para declarar falência. Obviamente eu estava sendo dramático, porque imaginei que tivessem outras formas menos cinematográficas de poupar custos do CNPJ de uma banda que está no meio de uma pandemia. Essa opção existe que é deixar o CNPJ inativo, então, estou aqui em primeira mão, depois da reunião com o contador dizendo para imprensa que o CNPJ do Scalene a partir de junho estará inativo. A gente não vai poder emitir nota, mas é para economizar, inclusive até o próprio contador, coitado. "Quando a gente foi se organizar, viu que tem dinheiro de capital de giro e de streaming entrando, então meio que tem dinheiro para viver até dezembro. O que já é muito melhor do que muita gente em qualquer ramo. A gente está feliz e orgulhoso disso, com a consciência dos privilégios disso também." Para que a gente tem CNPJ? Para emitir a nota de uma live a cada mês que deve rolar com algum cachê? Então a gente emite nota de outras formas, faz um MEI, não sei o que a gente vai fazer. Banda Scalene se apresenta em Natal no domingo (17) Divulgação G1 – Como é a divisão no Scalene? Tomás Bertoni – A marca é 25% de cada um, mas a divisão financeira não é exatamente igual, porque não é o que condiz com o desprendimento de trabalho e contribuição, mas é bem próxima assim. A gente falou muito abertamente quanto cada um precisa para pagar aluguel e comer, porque ninguém está gastando muito dinheiro com outras coisas, né? E também todos temos outros projetos paralelos, então a gente fez um cálculo baseado nessas necessidades e vai fazer essa divisão mínima para a empresa continuar existindo. A gente fez o projeto Respirando na Quarentena também, que foi com apoiadores, tipo um “ScaleneFlix”. Deu uma grana mas era muito trabalho, cinco lives por semana…. A gente não imaginava que a demanda ia ser tão grande fora isso [durante a quarentena]. Vamos encerrar o projeto no fim de maio e talvez voltar depois, mas repaginado. G1 – Como estava o ano para o Scalene? Muitos shows marcados? Tomás Bertoni – Na pré-história de 2 meses atrás, que é até difícil lembrar, a gente ia engatar o ano na verdade. No nosso nicho do rock, janeiro e fevereiro não são exatamente meses produtivos de show, porque a galera fica muito no carnaval. Geralmente a gente usa esse tempo para compor, fazer outras coisas. Não tivemos tantos shows adiados ou cancelados, porque ainda não tinha tanto show anunciado. Por outro lado foi pior ainda, no sentido financeiro mesmo, a gente chegou a fazer seis shows só neste ano e parou por conta da pandemia. Tomás Bertoni, guitarrista do Scalene, toca no show da banda no Rock in Rio 2017 Marcos Serra Lima/G1 G1 – Sem shows, como fica a situação da equipe do Scalene? Vocês conseguem ajudar de alguma forma? Tomás Bertoni – É bem complicado, né? Tem que ter essa consciência de ajudar todo mundo o máximo que pode. A gente fez uma live com um bom cachê para o aniversário de Brasília e pagou a nossa equipe de show inteira com esse show. Para ajudar mesmo, como um gesto simbólico, apesar de saber que um cachê de um show não resolve ninguém. Mas é impossível assim, não tem como a gente manter a galera… A gente teve que renegociar assessoria de imprensa e de digital e equipe de show não é uma galera que tem um contrato com a gente, né? Não sei se nenhum artista no Brasil que tem contratos assinados com técnicos de som e roadies. É por show, por demanda. A gente pagou o cachê dessa live que a gente fez, mas fora isso não tem nem da onde vir esse dinheiro assim… Toda live que a gente receber, a gente, provavelmente, vai pagar a equipe. Scalene canta 'Náufrago' no Palco Mundo do Rock in Rio G1 – Curioso isso que você falou de um 'bom cachê' em uma live. O que significa isso em valores? Tomás Bertoni – Uma live é o quê? Só o vocalista com um violão? É o vocalista que não sabe tocar violão com alguém acompanhando, que, às vezes, nem é da banda ou é? É banda? É artista solo? Vai ser tipo uma câmera de celular com uma micro fonação profissional, passando por uma mesa de som que coloca um reverb na voz? Ou é só captação direto do celular? É igual a live que fizemos que tem quatro câmeras 4k com cinegrafista e uma captação de áudio profissional? Não tem muito como dizer quanto custa o cachê de uma banda de uma live. Do mesmo jeito que cachê de show varia porque depende muito do contexto para o qual a banda está sendo contratada, a live é a mesma coisa. Só é mais complicado ainda, porque depende do nível de qualidade que a galera que está contratando quer. "A gente já ganhou cachê de R$ 2 mil e já ganhou um custo colocado de mais de R$ 10 mil, que a gente gastou parte com equipamento, mas sobrou uma boa grana e conseguimos pagar a equipe." G1 – Complexo mesmo. Eu fico pensando que esse nó deve dar na cabeça tanto de quem está vendendo, quanto de quem quer patrocinar. Tomás Bertoni – A gente apresentou projetos para duas marcas e ficou nesse debate. Quanto é que é o cachê vei? Sei lá… Tem que ser o Gustavo sozinho tocando, né? Tem isso. Só que ao mesmo tempo você entrar em uma live é coisa para milhares, milhares e milhares de pessoas e depois fica um conteúdo gerado que é o equivalente de uma session, então qual é o valor disso? Ainda tem isso… Depois a gente pode ficar com esse conteúdo para a gente cortar algumas músicas pra colocar no YouTube? Só que se a gente faz isso vai ficar propaganda da marca lá para sempre. Quanto que é o valor disso? Quantos views que isso vai dar? Como que se calcula tudo isso? É bem confuso mesmo. Scalene fala de rock brasileiro e de competição com Lady Gaga e 'Game of Thrones' G1 – Além do Scalene, você também é um dos produtores do festival Coma, em Brasília. Como você enxerga o festival neste momento? Tem alguma chance de o evento acontecer no mesmo formato nesse ano? Tomás Bertoni – Menor chance assim. Não é nem responsável. Eu acho que essa coisa de "agosto acabou a quarentena"… Talvez agosto não tenha tanta quarentena, tanto isolamento, mas vai ter outro surto, vai voltar em setembro. Não tem como saber. Não tem como divulgar um festival com três meses de antecedência e vender ingresso, sem saber como vai estar. Você faz um festival aglomerando 25 mil pessoas, 15 mil pessoas ou faz até menor para 10 mil. E aí um novo surto no DF acontece por causa do Coma, tá doido! E o colapso econômico? A gente vai ficar enfiando R$ 50 na galera de ingresso para ir para o festival? Ninguém está com dinheiro. G1 – A gente tem visto muitos artistas grandes, do mainstream, com lives patrocinadas por grandes marcas, mas esse movimento na cena independente não é tão comum. O que você tem a dizer sobre isso? Tomás Bertoni – Estamos entrando em uma nova era, mas o quão nova ela vai, de fato, ser? Quando eu vejo uma marca dando centenas de milhares de reais, patrocinando uma live de qualquer artista mainstream eu fico pensando "Como é que não tem um pensamento pelo próprio posicionamento dessa mesma marca?" Com essa mesma grana que ela patrocina uma live grande, óbvio que o retorno é muito maior dessa uma live, mas ela poderia patrocinar 40 lives de artistas pequenos, sacou? Isso teria um impacto conceitual fortíssimo na marca e se você somar essa audiência dessas 40 lives será que não seria tão grande quanto ou maior até? Eu fico pensando nisso… É muito bonito falar de nova era, quero ver fazendo. Banda Scalene durante show no palco principal do Lollapalooza 2019 Fabio Tito/G1 G1 – Nesse tempo longe dos palcos, já deu para sentir saudade de tocar, estar em contato com os fãs? Tomás Bertoni – Admito que ainda não bateu uma grande saudade assim de fazer show, não. Ontem eu estava vendo shows no Youtube e deu uma saudadezinha, mas eu estou bem conformado. Eu vou ser pai no mês que vem também, então eu estou encarando a pandemia com uma certa racionalidade e seriedade que tipo não fazer show me parece um problema tão pequeno, que nem problema é. A interação com os fãs se bobear está até maior… Não está rolando pessoal, depois dos shows, atendendo e tirando foto, mas de conhecer os fãs, trocar ideia, sacar como a cabeça deles funcionam, se bobear está sendo até maior nesse período. G1 – Verdade, ainda tem essa questão da gravidez durante a pandemia. Como vocês estão com isso? Tomás Bertoni – Eu e a Titi somos pessoas bem intensas assim, mas a gente é bem alinhado na percepção do que vai ser essa pandemia. A gente acabou de comprar um sítio, quer dizer um terreno, não tem nem estrada de acesso ainda. Rola só o medo de pegar Covid e ter que ficar isolado dentro de casa com ela grávida de 34 semanas… Ah e eventualmente o Benja pegar, enquanto bebê. Mesmo que a taxa de mortalidade não seja alta, ainda estão pesquisando se ficam sequelas no pulmão do bebê para o futuro. São coisas meio horripilantes, né? Mas no sentido de desgaste mental e físico de estar em isolamento social, ela tá grávida, então não estaríamos exatamente indo para balada né? Não tem muito o que fazer, é respeitar a quarentena e o que está acontecendo no mundo. Quando o bebê vier, tentar proteger o máximo que pode assim. Se não tivesse toda a raiva do nosso governo estaria muito de boas, dentro do nossos privilégios e da forma que a gente está encarando. Initial plugin text