Capa do álbum 'Patota de Cosme', de Zeca Pagodinho Reprodução ♪ DISCOS PARA DESCOBRIR EM CASA – Patota de Cosme, Zeca Pagodinho, 1987 ♪ Em 1987, quando lançou o segundo álbum, Patota de Cosme, Jessé Gomes da Silva Filho já era definitivamente Zeca Pagodinho e vivia momento de consolidação da mudança de identidade iniciada espontaneamente no alvorecer da década de 1980. Em 1981, o franzino Jessé virou nome de respeito nas rodas armadas na quadra do bloco carnavalesco Cacique de Ramos, no subúrbio do Rio de Janeiro (RJ), cidade onde o sambista debutante nascera em fevereiro de 1959. É que, naquele ano de 1981, o grupo Fundo de Quintal gravou Amarguras – parceria do artista carioca com Cláudio Camunguelo (1947 – 2007) – no segundo álbum e Jessé começou a ser publicamente Zeca Pagodinho, como esse cantor e compositor carioca de então 22 anos já era conhecido pelos frequentadores dos pagodes da vida suburbana do Rio. Mesmo assim, foi preciso esperar dois anos pela chegada do futuro glorioso. O Brasil somente passou a conhecer Zeca Pagodinho a partir de 1983, ano em que Beth Carvalho (1946 – 2019), fazendo jus ao futuro epíteto de Madrinha do samba, selecionou música do artista – Camarão que dorme a onda leva, samba composto por Zeca em parceria com Arlindo Cruz e Beto Sem Braço (1940 – 1993) – para o repertório do disco Suor no rosto (1983) e o convidou para participar da gravação. A faixa repercutiu, ganhou clipe no programa dominical Fantástico (TV Globo) e abriu caminho para Zeca fora das quadras do Cacique de Ramos. Em 1985, já antevendo o boom do pagode que aconteceria no ano seguinte, a gravadora RGE bancou projeto coletivo para revelar talentos do gênero. Ao lado da também debutante partideira Jovelina Pérola Negra (1944 – 1998), Zeca integrou o elenco do LP Raça brasileira – histórico pau-de-sebo, termo que no jargão fonográfico designa discos coletivos para testar o potencial comercial de artistas novos – e, no ano seguinte, lançou um primeiro álbum, Zeca Pagodinho (1986), que também fez história do ponto de vista artístico e comercial, ultrapassando o milhão de cópias vendidas no embalo do furor de consumo provocado por plano econômico que, num primeiro momento, favorecera o bolso do povo brasileiro. Para o sambista, lançar Patota de Cosme – álbum gravado de abril a maio de 1987 com produção musical capitaneada por Milton Manhães sob a coordenação de Marcos Salles – poderia ter significado encarar a sempre temida prova do segundo disco. Como Zeca Pagodinho nunca correu atrás do sucesso, o artista passou automaticamente na prova antes mesmo de fazê-la. Com arranjos divididos entre Ivan Paulo e Mauro Diniz, Patota de Cosme repercutiu bem menos nas paradas do que o álbum antecessor de 1986, mas delineou a assinatura de Zeca Pagodinho no universo do samba. As qualidades do primeiro disco foram bisadas com naturalidade em Patota de Cosme, álbum que reiterou o talento desse partideiro hábil nos improvisos – com canto aparentemente displicente, mas de aguçado senso rítmico – e reverente à nobreza das velhas guardas, representadas no pot-pourri de partido alto em que Zeca dividiu com Mauro Diniz a interpretação de Que mulher (Nega danada) (Ary Guarda e Chatim), Mulher ingrata (Chatim) e Para o bem do nosso bem (Alvaiade). Com capa que expôs o artista cercado de crianças de regiões próximas do morro de Mangueira, o álbum Patota de Cosme foi aberto com o fluente samba que lhe deu nome, composto por Carlos Senna e Nilton Santos com letra em que Zeca professou a fé sincrética no arremate de versos que fizeram crônica de briga de casal. Na sequência, Arlindo Cruz puxou papo com o amigo e compadre Zeca na fala introdutória de Seu endereço, partido de alto quilate composto por Arlindo com o imortal Luiz Carlos da Vila (1949 – 2008) e gravado com Zeca com a destreza dos bambas. Feristes um coração – samba de Monarco e Ratinho (1948 – 2010), compositores de Coração em desalinho (1986), um dos maiores sucessos do primeiro álbum de Zeca – trouxe o lirismo dolente do cancioneiro dos bambas das velhas guardas. Esse lirismo reverberou em Termina aqui (Arlindo Cruz, Zeca Pagodinho e Ratinho) e – com dose menor de melancolia – em Gota de esperança, belo samba de Orlando Rangel e Nelson Rufino, compositor baiano que forneceria sucessos relevantes para Zeca nos anos 1990, década em que o cantor vivenciou fase de revitalização da carreira fonográfica após período de baixa visibilidade na BMG-Ariola, gravadora na qual ingressou em 1988 após o relativo “fracasso” do álbum Patota de Cosme no confronto com a explosão de vendas do LP de 1986. Evocadas no título Patota de Cosme, as crianças foram o tema de Menor abandonado, samba composto sob prisma social por Pedrinho da Flor e Mauro Diniz com o próprio Zeca Pagodinho. Marcando mais presença com compositor nessa fase inicial da discografia, Zeca também assinou no disco sambas com o contemporâneo Jorge Aragão (Testemunha ocular, composição aquém do talento dos parceiros e, talvez por isso mesmo, nunca mais regravada) e Beto Sem Braço (Colher de pau, delícia temperada com a ancestralidade do povo negro). O mesmo Beto Sem Braço tirou do forno Bisnaga, pagode com Arlindo Cruz que fez crônica de costumes dos subúrbios cariocas sem a graça de outros sambas do gênero. Mesmo sem a coesão do repertório do primeiro disco solo de Zeca, sobretudo no lado B do LP editado pela gravadora RGE, o álbum Patota de Cosme legou dois grandes sucessos populares ao longo dos anos. Pérola do pagode que confirmou a maestria do compositor Nei Lopes, o partido alto Tempo de Don-Don foi propagado na trilha sonora da novela Mandala (TV Globo, 1987 / 1988) na gravação original e ecoou, 16 anos depois, em outra trilha de novela, Celebridade (TV Globo, 2003), em abordagem de Dudu Nobre, cantor carioca que despontou nos anos 1990 como assumido discípulo de Zeca. O outro sucesso do disco foi Maneiras (Sylvio da Silva), samba cuja letra, no início, citou versos do samba-canção Lama (Paulo Marques e Aylce Chaves, 1952) e que se tornou espécie de marca registrada do temperamento espontâneo de Jessé Gomes da Silva Filho, grande nome da música brasileira que, já com a identidade de Zeca Pagodinho, reuniu a patota bamba e – sem querer impressionar ou inovar – mostrou personalidade neste álbum de 1987.