Capa do álbum 'Edu Lobo', de 1973 Cafi ♪ DISCOS PARA DESCOBRIR EM CASA – Edu Lobo, Edu Lobo, 1973 ♪ Há quem pense erroneamente que Missa breve é o título do álbum lançado por Edu Lobo em março de 1973 pela gravadora Odeon. É que os cinco temas que compõem a hermética suíte litúrgica conhecida como Missa breve – Kyrie, Glória, Incelensa, Oremus e Libera-nos – ocupou todo o lado B do LP a rigor intitulado Edu Lobo, com incômodo acento circunflexo na grafia do sobrenome do artista carioca. Disco que marcou a volta do cantor ao Brasil, após temporada de quatro anos nos Estados Unidos em movimento migratório feito em 1969, o álbum Edu Lobo apontou a evolução da obra do artista, reiterando a maestria do compositor na busca incansável da harmonia perfeita. Produzido por Dori Caymmi, sob direção musical do maestro Lindolfo Gaya (1921 – 1987), o disco foi pautado pelos elaborados arranjos criados pelo próprio Edu Lobo para os dez temas que compuseram o repertório inteiramente autoral. A bem da verdade, o álbum Edu Lobo soou como se fossem duas obras distintas, independentes, condensadas em cada um dos lados do EP editado com capa em que o artista é flagrado em movimento na foto desfocada de Cafi (1950 – 2019). A foto traduziu o conteúdo do disco porque, sim, o compositor foi flagrado em ação nesse disco de 1973. No lado A, mais palatável, cinco músicas – sendo três inéditas – soaram como espécie de continuidade do cancioneiro apresentado por Lobo nos anos 1960. O lado B trouxe, como já dito, a rebuscada suíte litúrgica. Expoente da geração da MPB projetada na era dos festivais da segunda metade daquela década de 1960, Eduardo de Góes Lobo entrara em cena precisamente em 1963 como filho temporão da Bossa Nova sem se filiar à estética do repertório ensolarado do gênero, como o contemporâneo Marcos Valle. Lobo sempre pareceu mais irmanado com o também contemporâneo Dori Caymmi, não por acaso o arquiteto efetivo da produção do álbum de 1973. Discípulo da maestria soberana do cancioneiro de Antonio Carlos Jobim (1927 – 1994), Edu Lobo construiu obra também influenciada pela ascendência pernambucana, herdada do pai, o compositor e jornalista Fernando Lobo (1915 – 1996). Sem ranço folclórico, a vertente regionalista da obra de Lobo saltara aos ouvidos em músicas como Ponteio (1967) e reverberou no lado A do disco de 1973 em Vento bravo e em Viola fora de moda, duas grandes contribuições do álbum ao cancioneiro do compositor. Com tensão soprada pelos metais proeminentes no arranjo e acentuada pelo toque da percussão do baterista Rubinho Moreira, a gravação de Vento bravo apresentou a primeira parceria do artista carioca com o conterrâneo Paulo César Pinheiro. Vento bravo revolveu ares do Brasil imperial esculpido com marcas de chibata que ainda abriam feridas no país amordaçado de 1973. Já Viola fora de moda ampliou a obra do compositor com o parceiro José Carlos Capinan, poeta baiano que escrevera a letra da mencionada música Ponteio, marco da maturação precoce da obra de Edu Lobo. O lado A do álbum Edu Lobo também apresentou, na voz do autor, duas músicas que já haviam ganhado registros em disco, Porto do sol e Zanga zangada, ambas compostas por Edu com letras de Ronaldo Bastos, poeta fluminense que obtivera projeção no ano anterior como parceiro de Milton Nascimento em músicas emblemáticas do álbum Clube da esquina (1972). Porto do sol havia sido lançada na trilha sonora da novela O homem que deve morrer (TV Globo, 1971) em gravação creditada à dupla Wanda & Guto (Wanda era Wanda Sá, cantora com quem Edu se casara nos anos 1960). Já Zanga zangada tinha sido apresentada pelo Quarteto em Cy em álbum lançado pelo grupo em 1972. Aliás, as vozes de Cynara, Cyva e Dorinha Tapajós – integrante que ingressara em 1972 no Quarteto em Cy – reforçaram o heterodoxo coro sacro de três (Kyrie, Glória e Libera-nos) dos cinco movimentos da inovadora suíte Missa breve composta por Edu Lobo em formato então inédito na obra do compositor. Um dos temas da suíte, Incelensa, trouxe a assinatura de Ruy Guerra, também parceiro de Edu Lobo em Dois coelhos, canção inédita (nunca mais gravada desde então) que fechou o lado A do LP com arranjo calcado somente no toque do violão do próprio Edu. Presença luxuosa no registro da suíte sacra, a voz divina de Milton Nascimento elevou aos céus o movimento Oremus, gravado com o som do órgão do pianista Tenório Jr. (1941 – 1976). Embora tenha legado duas músicas dignas de figurar em antologias do cancioneiro do compositor (as já mencionadas Vento bravo e Viola fora de moda), o álbum Edu Lobo obteve moderada repercussão junto ao público e se tornou o único disco do artista editado pela gravadora Odeon. Sem se abalar com o fracasso comercial do estupendo álbum, Edu Lobo seguiu com convicção a trilha que escolhera pavimentar desde que renunciara nos anos 1960 ao posto de popstar galã da MPB. Em 1976, pela gravadora Continental, o artista retomaria a discografia com a edição do álbum Limite das águas, ao qual se seguiram – já pela Philips – outros dois álbuns, Camaleão (1978) e Tempo presente (1980), e um disco gravado e assinado de igual para igual com Tom Jobim em 1981. Desde então, Edu Lobo voltou a gravar somente nos anos 1990 e de forma cada vez mais esporádica, ficando progressivamente recluso, em casa, na busca obstinada do acorde perfeito. Perfeição atingida com maestria no álbum Edu Lobo de 1973.