Capa do álbum 'Matita Perê', de Tom Jobim José Maria de Mello ♪ DISCOS PARA DESCOBRIR EM CASA – Matita Perê, Tom Jobim, 1973 ♪ Álbum lançado em 1973 por Antonio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim (25 de janeiro de 1927 – 8 de dezembro de 1994), Matita Perê foi o quinto dos sete discos gravados pelo artista carioca com arranjos e regências do maestro alemão Claus Ogerman (1930 – 2016). Iniciada no tardio primeiro álbum de Tom, Antonio Carlos Jobim – The composer of Desafinado plays (1963), a conexão entre os maestros se estendeu até o álbum duplo Terra Brasilis I e II (1980). Em Matita Perê, álbum gravado por Jobim em janeiro de 1973 em Nova York (EUA), no estúdio da companhia fonográfica norte-americana Columbia Records, a colaboração de Dori Caymmi na arquitetura da música-título resultou especialmente relevante. É que o álbum Matita Perê começou a ser gravado por Jobim em 1972 no Brasil, na cidade natal do Rio de Janeiro (RJ), com arranjos de Dori e de Tom, para ser lançado pela gravadora Philips. No meio do processo de gravação, insatisfeito com a qualidade técnica dos registros das músicas, Jobim decidiu dar forma ao disco nos Estados Unidos por conta própria. Foi quando Claus Ogerman entrou em cena, criando em Nova York (EUA) os arranjos do álbum, sem inutilizar o trabalho de Dori na orquestração da música-título Matita Perê, parceria bissexta de Jobim com o poeta e compositor Paulo César Pinheiro, autor da letra. Embora tenha sido lançado pela gravadora Philips, como programado desde o início, o álbum Matita Perê acabou se tornando a primeira empreitada independente de Jobim no mercado fonográfico, o que justificou a autonomia do artista para recomeçar a gravação praticamente do zero em produção que, ao fim, ficou orçada em cerca de 30 mil dólares. Composta em 1972 com influência da obra sertaneja do escritor Guimarães Rosa (1908 – 1967) e batizada com o nome do pássaro das matas brasileiras que emite canto de duas notas, a música Matita Perê reiterou o amor de Jobim pela natureza, tendo integrado a trilha sonora do filme Sagarana – O duelo (1973) com o arranjo original de Dori, diferente da gravação desse disco formatado nos EUA com músicos norte-americanos na orquestra e com o toque da percussão de Airto Moreira. Assim como a composição que lhe deu nome, o álbum Matita Perê mostrou Jobim mais distanciado da estética minimalista da Bossa Nova e mais perto das intrincadas orquestrações sinfônicas do universo da música erudita, embora ainda pisando no terreno da música popular. Matita Perê, a música, ganhou a forma de suíte no disco. Emblemático samba apresentado por Jobim em 1972, no lado A do Disco de bolso do jornal O Pasquim que apresentou João Bosco no lado B, Águas de março abriu o álbum Matita Perê, sendo oficialmente incorporado à discografia do compositor. Então começando a se exercitar como cantor, em ação que desde então seria mais frequente, Jobim deu voz no disco à então inédita canção Ana Luiza, cujos versos líricos ratificaram a habilidade do compositor como letrista. Contudo, Matita Perê foi álbum pontuado por temas instrumentais que, arranjado com flautas e madeiras, evidenciaram a refinada assinatura orquestral de Claus Ogerman. Apresentada como tema instrumental de curta-metragem de 1971, a composição Tempo do mar foi recriada por Jobim no disco Matita Perê. Na mesma linha instrumental, Tom apresentou The Mantiqueira range, tema do filho compositor, Paulo Jobim, então ainda sem a letra de Ronaldo Bastos. Na sinfonia do álbum Matita Perê, os temas instrumentais Rancho das nuvens e Nuvens douradas – música para o qual Jobim chegou a pedir a Caetano Veloso uma letra iniciada, mas não concluída, pelo compositor baiano – sinalizaram as ambições eruditas de Jobim na construção de cancioneiro que ganhara projeção ao longo da década de 1950 e que tinha sido uma das trilhas fundamentais da revolução feita por João Gilberto (1931 – 2019) em 1958 com a criação da bossa nova, em movimento que deu projeção mundial ao compositor nos anos 1960 quando a bossa ganhou os Estados Unidos. Cabe lembrar que as incursões de Jobim pelo universo da música erudita atingiriam pico de beleza em Saudade do Brasil, tema do álbum seguinte de Antonio Brasileiro, Urubu (1976), disco também orquestrado por Claus Ogerman. Na sinfonia de Matita Perê, a beleza veio acompanhada da acusação de que a já mencionada composição Nuvens douradas poderia ser plágio inconsciente da música Prece (Vadico e Marino Pinto, 1956) – dissabor que levou o compositor a deixar o tema instrumental restrito ao disco. Embora contenha o lapidar samba Águas de março e algumas canções cantadas, caso de Chora, coração (1971), o álbum Matita Perê resultou em um dos títulos mais rebuscados da discografia de Jobim. Um disco de fruição difícil para ouvidos habituados às belezas mais simples (e por isso mesmo até mais geniais) de sambas como Garota de Ipanema (Antonio Carlos Jobim e Vinicius de Moraes, 1962) e Wave (1967). A música do álbum Matita Perê foi literalmente coisa de cinema! Com quase dez minutos, a suíte Crônica da casa assassinada – composta pelos temas instrumentais Trem para Codisburgo, O jardim abandonado, Milagre e Palhaços, além da já mencionada canção Chora, coração – tinha sido composta para a trilha sonora do filme A casa assassinada (1971) e foi reapresentada por Jobim no álbum Matita Perê com a orquestração então inédita de Claus Ogerman. A suíte foi amostra de que Antonio Carlos Jobim preferiu arriscar a soberania conquistada nos anos 1950 e 1960 para manter o cancioneiro em contínua evolução em movimento que somente seria encerrado em dezembro de 1994 com a precoce saída de cena deste compositor magistral, imortalizado como o principal arquiteto da modernidade atemporal da música brasileira.