Capa do álbum 'N9ve', de Ana Carolina Arte de Daniela Conolly ♪ DISCOS PARA DESCOBRIR EM CASA – N9ve, Ana Carolina, 2009 ♪ Ana Carolina apareceu para o Brasil a partir de 1999 com “um desejo doido de gritar”, como já anunciou em verso do sucesso inicial Garganta (Antonio Villeroy, 1999), música que impulsionou o álbum de estreia dessa cantora, compositora e instrumentista mineira nascida em Juiz de Fora (MG) em setembro de 1974. Treinada em bares da cidade natal anos antes da vinda da artista para a cidade do Rio de Janeiro (RJ), em 1998, a voz grave de tons passionais seduziu de imediato um público embevecido com o repertório e o canto impetuosos de Ana Carolina. Se a compositora logo passou a ser gravada por intérpretes como Maria Bethânia, que teve a primazia de lançar a balada Pra rua me levar (Ana Carolina e Antonio Villeroy, 2001), a cantora foi ampliando o público a partir do segundo álbum, Ana Rita Joana Iracema e Carolina (2001), na medida em que foi sendo carimbada pelos críticos como o rótulo de over e até de brega, no caso dos mais radicais. Quinto álbum de estúdio de Ana Carolina, N9ve foi lançado em agosto de 2009 com a missão disfarçada de angariar prestígio para a artista entre os formadores de opinião. Para atingir tal objetivo, a cantora requisitou os serviços de três produtores musicais habitualmente incensados pelos críticos – Alê Siqueira, Alexandre Kassin (na época o nome mais hypado do trio por ser arquiteto fundamental da cena contemporânea carioca dos anos 2000) e Mario Caldato Jr – para dar forma no estúdio a nove inéditas canções de autoria de Ana com parceiros diversos. Do número de composições do repertório, aliás, veio o título do álbum, grafado estilosamente como N9ve na capa criada pela designer Daniela Conolly. Em bom português, Ana Carolina – cantora de tons acalorados – tentou soar cool em N9ve. Para quem detectara gorduras no álbum anterior da cantora, o duplo Dois quartos (2006), N9ve até pode ter simbolizado sopro de renovação na discografia da artista. A questão é que, pela própria natureza afogueada da voz e da obra, Ana Carolina sempre foi a antítese da cantora cool. O que fez com que certa artificialidade tenha pairado sobre o álbum N9ve. Sintomaticamente, em novembro daquele ano de 2009, somente dois meses após a edição de N9ve, a artista lançou outro produto fonográfico, fazendo com que o CD e DVD Ana Car9lina + 1 – projeto audiovisual de duetos, que reuniu Ana com elenco estelar que incluiu Maria Bethânia e Roberta Sá, entre outros nomes – deixassem o álbum N9ve encoberto no mercado e na própria trajetória da cantora. Pareceu que nem a própria Ana Carolina acreditava verdadeiramente no disco que mal lançara. Editado pelo selo da artista, Armazém, com distribuição da gravadora Sony Music, o álbum N9ve exibiu méritos que quase o redimiram por esconder a alma musical de Ana Carolina. O trio de produtores revestiu com sonoridade elegante a mediana safra de canções que compuseram o repertório autoral do disco. Parceria de Ana com Dudu Falcão, a interiorizada balada Dentro evidenciou o acerto da cantora ao baixar os tons na interpretação dessas canções geralmente confessionais. Em contrapartida, ao dar voz a 10 minutos (Dimi perché), faixa que contornou a passionalidade do tango em determinadas passagens do arranjo, Ana pareceu sufocar o tal “desejo doido de gritar” que já manifestara no sucesso inicial de 1999. Música eleita o segundo single do álbum, 10 minutos era parceria de Ana Carolina com a cantora e compositora italiana Chiara Civello, companheira da artista e nome recorrente na ficha técnica de N9ve. Além de ser coautora de 8 estórias, outra música que pedia tom mais quente, Chiara foi parceira e convidada de Ana na gravação bilíngue de Resta, bonita canção em português e em italiano que sobressaiu na safra autoral do disco. Registrada com a devida delicadeza, acentuada pelo toque da harpa da Cristina Braga, Resta trouxe também a assinatura da compositora Dulce Quental, artista associada à geração 1980 do pop nacional. Antecedido em julho de 2009 pelo single Entreolhares (The way you're looking at me), o álbum N9ve foi promovido nas rádios com essa faixa bilíngue que apresentou o dueto de Ana com o cantor e compositor norte-americano John Legend, parceiro de Ana e de Antonio Villeroy na composição. A gravação sintetizou a artificialidade entranhada no disco. Embora até tenha fluido bem nas paradas, por conta das corriqueiras ações de marketing do mercado da música, Entreolhares foi faixa arquitetada pela gravadora para ser enquadrada na industrializada moldura pop da época e, de certa forma, reforçou a ausência de emoção real no disco. Essa esterilidade talvez tenha sido o maior problema do álbum N9ve, cujo repertório incluiu dois sambas assinados por Ana com Mombaça, ambos gravados com metais orquestrados por Felipe Pinaud, adornos da produção musical de Kassin e Mario Caldato, arquitetos das duas faixas. Com sincopado mais sedutor, Torpedo trouxe ninguém menos do que Gilberto Gil na coautoria. Já Tá rindo, é? também veio com a assinatura de Antonio Villeroy, parceiro habitual de Ana. Música somente de Ana Carolina, Era foi gravada com a fricção das cordas arranjadas e regidas por Arthur Verocai. Fechando o disco, a balada Traição – outra parceria de Ana com Chiara Civello – soou delicada no canto da artista com a cantora norte-americana de jazz Esperanza Spalding e com o toque do piano de Daniel Jobim. Por mais que tenha abafado o “desejo doido de gritar” que parece sempre vir da garganta de Ana Carolina, o álbum N9ve mostrou refinamento atípico na discografia dessa cantora que, desde Estampado (2003), continua devendo álbum à altura do vigoroso começo da carreira.