Capa do álbum 'Sambas', de Dorival Caymmi Reprodução ♪ DISCOS PARA DESCOBRIR EM CASA – Sambas, Dorival Caymmi, 1955 ♪ Até então disperso em gravações editadas em discos de 78 rotações por minutos, o cancioneiro de Dorival Caymmi (30 de abril de 1914 – 16 de agosto de 2008) começou a ser agregado em álbuns a partir dos anos 1950, década em que os LPs de dez polegadas apareceram para revolucionar o mercado fonográfico. Arquiteto de Bahia mística e brejeira, imortalizada em obra que chegou ao disco na voz do autor em 1939, o cantor, compositor e violonista baiano lançou em 1954 o primeiro álbum, Canções praieiras, nesse então novo formato de disco com oito faixas. Segundo álbum de Caymmi, Sambas foi lançado em 1955 no mesmo molde, em edição da Odeon, gravadora que abrigara o artista logo após a vinda para a cidade do Rio de Janeiro (RJ) em 1938 e para a qual Caymmi regressara em 1952 após passagens pela Continental e pela RCA-Victor. Em oito faixas, Caymmi exibiu a modernidade autoral que, a partir da segunda metade dos anos 1940, tinha dado no mar enlameado do samba-canção. O lado A do álbum Sambas apresenta quatro finos exemplares do gênero, amostras da habilidade do ourives baiano para depurar o samba-canção, limando os excessos melodramáticos sem evitar tocar na questão da desilusão amorosa, matéria-prima desse ritmo que proliferara no intimismo das boates cariocas e das vozes acariciantes de cantores como o carioca Dick Farney (1921 – 1987), intérprete original de Marina (1947), umas das primeiras refinadas incursões de Caymmi pelo universo do samba-canção. No lado B, o álbum Sambas trocou esse intimismo pelo animação dos temas mais buliçosos, mostrando a face mais brejeira do samba de Caymmi. Coube ao pianista, arranjador e maestro paulistano Luiz Arruda Paes orquestrar os oito sambas do álbum. E Paes o fez sem economia. Além de ter recorrido às cordas na maioria dos arranjos, o maestro arregimentou conjunto vocal não creditado na contracapa do LP, editado sem ficha técnica, mas que se supõe ser o conjunto Os Cariocas pela assinatura vocal. A combinação de cordas e vocais desviou os quatro sambas-canção do intimismo exigido pelo gênero sem deixar de evidenciar a modernidade melódica e poética da obra arquitetada por Caymmi nesse universo. Do lote de sambas-canção do álbum, um – Só louco (1955) – até então era inédito em disco. Nunca mais (1949) e Sábado em Copacabana (Dorival Caymmi e Carlos Guinle, 1951) já tinham ganhado registros fonográficos – ambos apresentados ao mundo no canto moderno do carioca Lúcio Alves (1927 – 1993), concorrente de Dick Farney nessa escola de interpretações mais suaves – mas eram inéditos na voz grave de Caymmi. Somente Não tem solução (Dorival Caymmi e Carlos Guinle, 1950) já tinha sido gravado por Caymmi em disco de 78 RPM editado em 1952, dois anos após o registro original do recorrente Dick Farney. De qualquer forma, tudo soou novo de novo pela presença do conjunto vocal (presumivelmente Os Cariocas), cujo arrojo dos vocais gerou cadências dissonantes no “lero lero lero lero” que ornamentaram Vestido de bolero (1944), samba lançado nas vozes dos Anjos do Inferno, grupo vocal que contribuiu para que João Gilberto (1931 – 2019) identificasse a bossa entranhada nos inusitados acordes do cancioneiro de Caymmi. Gravada pela primeira vez por Caymmi no álbum Sambas, a composição Vestido de bolero integra o percussivo lado B do disco. A mudança de lado foi anunciada pelo toque serelepe do cavaco que introduziu Requebre que eu dou um doce (1941), outro samba lançado pelos Anjos do Inferno que ganhou a voz de Caymmi neste disco de 1955, ano em que, após a gravação do LP, o artista se mudou com a família para a cidade de São Paulo (SP), onde viveu por cerca de dois anos, até voltar para o aconchego carioca. Apresentado pelo próprio Caymmi em disco de 78 RPM editado em 1946, o samba A vizinha do lado ganhou remelexo singular na abordagem de 1955. Encerrado com Rosa Morena (1942), outro samba apresentado em disco pelo grupo Anjos do Inferno, o álbum Sambas flagrou Dorival Caymmi em processo de adaptação ao LP, a nova mídia do mercado fonográfico. Como as bases sólidas da obra do ourives baiano já estavam fincadas na discografia brasileira, o artista passou a recriar as próprias criações na grande maioria dos 17 álbuns que lançou entre 1954 e 1992. Sambas, o disco de 1955, é uma entre tantas amostras fonográficas de um baiano que também soube ser musicalmente carioca quando veio morar no Rio de Janeiro, mas sem esquecer as síncopes da velha Bahia.