Ao morrer aos 82 anos, compositor deixa obras-primas na história da Portela, como 'Macunaíma, herói de nossa gente', e sucessos nas vozes de cantores como Almir Guineto e Elza Soares. David Corrêa deixa obras-primas como o samba-enredo 'Das maravilhas do mar, fez-se o esplendor de uma noite' Reprodução / Internet ♪ OBITUÁRIO – É clichê perdoável dizer que David Antonio Corrêa (5 de junho de 1937 – 10 de maio de 2020) “foi morar no infinito e virou constelação” na tarde de domingo. O perdão é concedido porque é justo poetizar a morte de David Corrêa, cantor e inspirado compositor fluminense que deixa grande legado como criador de sambas-enredo ao sair de cena a menos de um mês de festejar 83 anos de vida, vítima de complicações decorrentes de infecção pelo covid-19. Poesia foi quesito fundamental na criação do cancioneiro carnavalesco de David Corrêa, campeão do gênero, merecedor de várias notas dez pelos sambas que compôs para a Portela nas décadas de 1970 e 1980. A expressão “foi morar no infinito e virou constelação” usada no início deste texto, por exemplo, é reprodução de verso do primeiro samba-enredo de David – Macunaíma, herói de nossa gente (Portela, Carnaval de 1975), criado com Norival Reis – que extrapolou a avenida, permanecendo na boca do povo após a folia, inclusive pelo fato de ter sido gravado por Clara Nunes (1942 – 1983) – cantora associada ao samba e mais especificamente à escola de samba Portela – e até por Angela Maria (1929 – 2018). Macunaíma marcou época. Hoje tem marmelada (David Corrêa, Norival Reis e Jorge Macedo, Portela, Carnaval de 1980) também. No entanto, é outro samba-enredo da agremiação azul e branca, Das maravilhas do mar, fez-se o esplendor de uma noite (Portela, Carnaval de 1981), que mais bem exemplifica a maestria de David Corrêa na arte de criar obras-primas do gênero – no caso, em parceria com Jorge Macedo. Mesmo quem não é carioca ou ligado em Carnaval, se embeveceu com a arte de David Corrêa nesse samba se é seguidor de Maria Bethânia. É que o samba-enredo Das maravilhas do mar, fez-se o esplendor de uma noite foi revivido pela cantora no álbum Mar de Sophia (2006) em abordagem que reverberou no bis do show Dentro do mar tem rio (2006 / 2007), eternizado em álbum ao vivo e em DVD. Como muitos, Bethânia deixou-se encantar pela melodia esplendorosa desse samba e pela letra em que os compositores construíram universo poético ao versar sem clichês sobre as maravilhas do mar. Criador de sete sambas-enredos levados pela Portela à avenida do samba, David Corrêa também transitou por outras escolas. Em pelo menos duas, Salgueiro e Mangueira, foi coautor de sambas também populares. Com Jorge Macedo, parceiro dos tempos áureos, David Corrêa criou Skindô, skindô para o Carnaval do Salgueiro em 1984. Dez anos depois, o compositor foi um dos quatro autores – Bira do Ponto, Carlos Senna e Paulinho de Carvalho foram os outros três – de Atrás da verde e rosa só não vai quem já morreu, empolgante samba-enredo com o qual a Mangueira celebrou Caetano Veloso, Gal Costa, Gilberto Gil e Maria Bethânia no Carnaval de 1994. A escola ficou em 11º lugar na apuração, mas o samba-enredo verde-e-rosa foi para as cabeças e se tornou o último grande sucesso de David Corrêa. Embora nascido na Baixada Fluminense, no município de São João de Meriti (RJ), David Corrêa foi criado no subúrbio carioca. O que explica a ligação forte com a Portela, escola celebrada pelo compositor em Bom dia, Portela, samba lançado na voz de Elza Soares em 1974. Além do universo carnavalesco, David esboçou obra como cantor e compositor, tendo gravado quatro álbuns – Menino bom (1976), Lição de malandragem (1981), Pique brasileiro (1986) e Chopp escuro (1991) – em discografia espaçada sem jamais obter, como cantor, a repercussão alcançada na avenida pelos sambas-enredos do compositor. Ainda assim, David Correa teve músicas gravadas por vários cantores ligados ao samba. Além de Elza Soares, pioneira ao gravar Madrugada vai chegar em 1969, as composições de David Corrêa ganharam as vozes de Agepê (1942 – 1995), Almir Guineto (1946 – 2017) – intérprete original do sucesso Mel na boca (1986) – e Roberto Ribeiro (1940 – 1996). Contudo, é mesmo pelo antológicos sambas-enredos portelenses que David Corrêa está sendo saudado ao partir para o infinito e virar constelação.