
Capa do álbum 'Momento de amor', de Elizeth Cardoso Humberto Franceschi ♪ DISCOS PARA DESCOBRIR EM CASA – Momento de amor, Elizeth Cardoso, 1968 ♪ Morta há exatos 30 anos, Elizeth Cardoso (16 de julho de 1920 – 7 de maio de 1990) deixou discografia extensa, marcada pela classe vocal dessa cantora carioca que entrou em cena em 1936 e que gravou o primeiro disco em 1950. Momento de amor – álbum lançado pela artista em 1968 através da gravadora Copacabana – é um dos exemplos mais bem-acabados do rigor estilístico de Elizeth, cuja alta categoria vocal lhe rendeu a contragosto a alcunha de Divina. Derivado da conexão da artista com o Zimbo Trio nos anos 1960, o álbum Momento de amor foi produzido pelo recentemente falecido baterista desse trio paulistano de samba-jazz, Rubens Antonio Barsotti (1932 – 2020). Outro vértice do Zimbo Trio, o baixista Luiz Chaves (1931 – 2007) dividiu com o pianista e maestro Cyro Pereira (1929 – 2011) a criação dos majestosos arranjos orquestrais do álbum, fiéis ao estilo tradicional do canto de Elizeth. Tais orquestrações por vezes embutiram harmoniosos arranjos vocais que embelezaram as gravações de músicas como Pra você (Silvio Cesar, 1965), instante luminoso do álbum. Momento de amor foi disco que refletiu a ausência de vaidade de Elizeth na escolha de repertório – traço determinante nos 40 anos de carreira fonográfica dessa cantora que nunca se preocupou em saber se uma composição era ou não inédita para decidir se a gravaria ou não. Tanto que, entre as 11 músicas do álbum Momento de amor, somente duas eram inéditas em disco. As novidades do álbum – Canto de partir e a música-título Momento de amor – eram de autoria do pianista e compositor Adylson Godoy. Ambas seguiram o tom melodramático do álbum, também exemplificado pela gravação do samba-canção Razão de viver (Eumir Deodato e Paulo Sérgio Valle, 1965). Só que o melodrama sempre soou sem excessos no canto depurado de Elizeth Cardoso. A Divina sabia atingir o ponto exato do melodrama, sem jamais ter passado desse ponto por conta da combinação precisa de técnica e emoção. Alocada na abertura do álbum, a magistral gravação de Derradeira primavera (Antonio Carlos Jobim e Vinicius de Moraes, 1962) mostrou tal habilidade e se impôs instantaneamente como momento antológico da trajetória da cantora. Derradeira primavera floresceu com a mesma classe com que Chuva (Durval Ferreira e Pedro Camargo, 1965) caiu lindamente na segunda faixa do álbum. Por ter sido lançado em 1968, ano tropicalista em que as guitarras já amplificavam a música brasileira após ignorar as barricadas nacionalistas, Momento de amor já veio ao mundo como disco antigo, associado à era do rádio e aos tempos idos que projetaram Elizeth Cardoso. Contudo, o álbum Momento de amor flagrou Elizeth já atenta aos sinais da renovação da música brasileira. Cantora do tipo eterna, Elizeth sempre resistiu à tentação de soar moderna. O que jamais a impediu de dar voz a compositores então emergentes nos quais identificava um apego às tradições da música brasileira. Em Momento de amor, Elizeth escolheu músicas de Chico Buarque e Edu Lobo para o repertório do álbum – dois compositores, não por acaso, dissociados da revolução tropicalista ainda em curso naquele ano de 1968. Chico – de quem Elizeth já gravara Sonho de um Carnaval (1965) em single editado em 1966 – marcou dupla presença em Momento de amor com duas composições tristonhas. Elizeth iluminou Lua cheia (1967) – parceria de Chico com Toquinho, lançada no ano anterior – e acertou com precisão o tom melancólico de Carolina (1967). De Edu Lobo, Elizeth acertadamente escolheu Pra dizer adeus, desiludido samba-canção composto por Edu com letra do poeta Torquato Neto (1944 – 1972) e em sintonia com o clima melodramático do disco, evidenciado já pelos títulos de músicas como a menos sedutora Tristeza de amar (Luiz Roberto e Geraldo Vandré, 1964). De todo modo, foi sintomático que Elizeth tenha aberto e fechado o álbum Momento de amor com músicas de Antonio Carlos Jobim (1927 – 1994) e Vinicius de Moraes (1913 – 1980). Se Derradeira primavera abrira o disco, Insensatez (1961) o fechou, reiterando a vocação de Elizeth Cardoso para dar voz às canções do amor demais sem jamais perder a classe que fez da Divina uma das maiores cantoras do Brasil de todos os tempos.