Espécie de tribunal supremo, órgão será independente e tem poder de decisão sobre o conteúdo que fica e que sai do Facebook e do Instagram. Veja como vai funcionar. Sede do Facebook, na Califórnia Thiago Lavado/G1 O Facebook anunciou nesta quarta-feira (6) os 20 primeiros nomes que irão compor o Comitê de Supervisão da rede social e do Instagram. Serão 40 no total, com outros 20 sendo anunciados numa data futura. Entre os primeiros nomes está o do brasileiro Ronaldo Lemos, advogado especializado em direito digital e professor na Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Os nomeados são pessoas de todos os continentes, incluindo ex-juízes, advogados, jornalistas, ativistas de direitos humanos e até uma ex-primeira ministra da Dinamarca e uma vencedora do Nobel da Paz (veja lista completa no final da reportagem). O Comitê de Supervisão é um órgão independente, que recebeu um investimento de US$ 130 milhões da rede social para funcionar como uma espécie de alta corte, em que usuários poderão apelar sobre a remoção ou recolocação de conteúdo no Facebook e no Instagram (não vale para o WhatsApp, pois as mensagens trocadas são criptografadas). A iniciativa é única em termos de gestão corporativa. Para garantir independência, o Comitê conta com um estatuto próprio, que prevê suas obrigações e sua relação com o Facebook. Ele será gestado por um fundo fiduciário, financiado pelo dinheiro investido, e toda a estrutura da organização fica fora da empresa. Pelo estatuto, as decisões são finais, o que significa que o Facebook é obrigado a acatar o que o Comitê decidir — goste Mark Zuckerberg ou não. O Comitê de Supervisão também terá a prerrogativa de sugerir mudanças na política de uso da rede social. Mark Zuckerberg, presidente do Facebook Aaron Bernstein/Reuters O primeiro anúncio sobre o Comitê foi feito ainda em 2018 por Mark Zuckerberg. Aquele foi um ano atribulado para a empresa, e a ideia de implementar um órgão independente para lidar com conteúdo é uma tentativa de lidar com os crescentes problemas que a rede social enfrenta desde 2016, como influência internacional em eleições. A crescente ameaça ao poder de Mark Zuckerberg, dono do Facebook É esperado que um dos primeiros assuntos que deve ser tratado pelos membros do Comitê seja a política de anúncios do Facebook. O tema é crítico desde o final do ano passado, quando Zuckerberg anunciou que não removeria publicidade política da plataforma, mesmo que elas contivessem mentiras. Zuckerberg defende não remover anúncios políticos com mentiras Em coletiva realizada nesta quarta, os quatro presidentes do Comitê fizeram críticas ao Facebook e afirmaram que pretendem trabalhar para solucionar problemas de gestão de conteúdo dentro da rede social. “Problemas de moderação de conteúdo existem desde o início das redes sociais e esse é um novo modelo para abordar isso” afirmou Jamal Greene, professor de direito na Universidade Stanford e co-presidente do Comitê de Supervisão. Para ele, se as decisões precisam ser transparentes e é preciso que as pessoas confiem nelas. “O objetivo é ser independente, livre de influências e interferências. Todos poderão analisar se será assim no futuro”, disse. De acordo com Ronaldo Lemos, membro brasileiro do Comitê, a primeira missão será estruturar o próprio modo de atuação do órgão. "Acredito que o board pode se tornar referência sobre como lidar com questões globais envolvendo a internet". “O Facebook se comprometeu com o cumprimento dessas regras publicamente. Terá um custo reputacional muito alto não cumprir com as decisões do Comitê que ele próprio [Facebook] criou para moderar casos difíceis de conteúdo”, explicou Catalina Botero-Marino, também co-presidente do Comitê. Como vai funcionar exatamente? O Comitê terá painéis menores, composto por 5 membros, para avaliar os casos. O time de Padrões de Comunidade do Facebook, que atualmente é quem revisa pedidos de remoção, vai preparar informações sobre o conteúdo e defender as ações tomadas pela empresa. Depois, o Comitê completo confirma ou questiona a decisão do painel. Tudo é projetado para funcionar como um grande sistema jurídico particular, que vai julgar os posts do Facebook e do Instagram. Quando implementado e estiver funcionando, o Comitê vai receber casos e reclamações de usuários, e do próprio Facebook, para retirar ou recolocar conteúdo na plataforma. Ele também poderá auxiliar o time de política interna do Facebook, sugerindo mudanças na política de uso da rede social e traçando precedentes para remoção de publicações — usando decisões passadas para novos casos, por exemplo. Todas as decisões serão públicas e o Facebook deve responder a elas publicamente também. Um relatório será divulgado anualmente com transparência sobre as decisões e sobre como a empresa está honrando o que o Comitê decidiu. Além dos membros, o Comitê deve contar ainda com um time que intermediará a relação com o Facebook e com o fundo fiduciário, além de uma equipe para auxiliar no julgamento dos casos. Os membros do Comitê terão mandatos com duração de 3 anos, podendo servir até 3 vezes cada. Inicialmente os membros vão estudar e receber treinamento sobre as políticas de uso do Facebook. Depois, devem haver discussões e o estabelecimento de um critério para a seleção dos casos. As decisões são parte de um mecanismo de justiça privado, de acordo com Michael McConnell, ex-juiz federal dos EUA e também co-presidente do Comitê. "Existem diferentes sistemas de justiça ao redor do mundo. Não queremos cortar essas jurisdições e nos atentaremos a temas de direito internacional", disse. Segundo Heather Moore, advogada que trabalha no time de governança e estratégia do Facebook e liderou a formulação do estatuto e das regras, é esperado que os primeiros casos sejam julgados entre setembro e outubro. Foram feitas pesquisas para saber se institucionalizar uma rede social dessa maneira não afastaria os usuários, de acordo com Moore. “Usuários estão animados por ter um mecanismo que eles possam questionar e que é diferente do Facebook”, disse. “Melhora a experiência quando eles podem conseguir uma decisão final de um órgão externo. O impacto vai além de apenas um usuário”. "Na minha visão estamos vivendo um momento importante de criação institucional. O Oversight Board é uma das primeiras novas instituições a surgir para lidar com os desafios que a internet trouxe para este novo milênio", disse Lemos. Escolha dos membros Para que a decisão dos primeiros 20 membros não fosse impactada pelo Facebook e pudesse manter a independência, primeiro foram escolhidos os quatro co-presidentes do Comitê, que ajudaram na seleção dos outros 16. Os nomes apresentados nesta quarta ajudarão na escolha dos próximos 20. Buscando representatividade, os escolhidos são igualmente divididos em gênero, de todos os continentes e com diferentes históricos e carreiras. A diversidade em torno do órgão é para garantir que aspectos culturais e regionais sejam levados em consideração no momento da análise dos casos — uma publicação pode ser ofensiva na Índia, mas não no Brasil, por exemplo. O Facebook consultou mais de 2,2 mil pessoas de 88 países para estabelecer os membros. Antes da escolha, foi estabelecido um processo para vetar nomes que tivessem algum tipo de conflito de interesse. Veja a lista dos 20 primeiros nomes: Afia Asantewaa Asare-Kyei – advogada de direitos que luta por direitos das mulheres na África Evelyn Aswad – Professora de direito na Universidade do Oklahoma especializada na aplicação de padrões de direitos humanos internacionais à moderação de conteúdo; Endy Bayuni – jornalista e ex-editor-chefe do jornal “Jakarta Post”, na Indonésia; Catalina Botero-Marino – Co-presidente do Comitê, já trabalhou com direitos humanos na Organização dos Estados Americanos (OEA) e agora é diretora da Faculdade de Direito da Universidade dos Andes; Katherine Chen – ex-reguladora nacional de comunicações em Taiwan e estudiosa de mídias sociais; Nighat Dad – defensora de direitos digitais que treina mulheres no Paquistão em segurança digital; Jamal Greene – também co-presidente do Comitê, é professor de direito na Universidade Columbia nos EUA, com foco em direito constitucional; Pamela Karlan – professora de direito na Universidade Stanford, nos EUA, e advogada que já representou casos sobre direito ao voto e direitos LGBTQ+ perante a Suprema Corte; Tawakkol Karman – vencedora do Prêmio Nobel da Paz por promover mudança não-violenta no Iêmen durante a Primavera Árabe; Maina Kiai – defensora de direitos humanos no Quênia e diretora do programa de parceria do Human Rights Watch; Sudhir Krishnaswamy – vice-chanceler da Escola Nacional de Direito na Universidade da Índia e co-fundador de uma organização que advoga pelos direitos constitucionais da população LGBTQ+ e transgêneros na Índia; Ronaldo Lemos – Advogado especializado em direito digital que ajudou na formulação de leis de internet no Brasil e professor na Universidade do Estado do Rio de Janeiro; Michael McConnell – co-presidente do Comitê, é um ex-juiz federal dos EUA, expert em liberdade religiosa e professor de direito constitucional na Universidade Stanford; Julie Owono – defensora de direitos digitais à frente do projeto Internet Sem Fronteira e de campanhas contra censura na Internet na África; Emi Palmor – ex-diretora geral do Ministério da Justiça de Israel, que tratou de temas como digitalização de plataformas judiciais; Alan Rusbridger – ex-editor-chefe do jornal “The Guardian”, no Reino Unido, que acompanhou o processo de digitalização do jornal; András Sajó – ex-juiz e vice-presidente da Corte de Direitos Humanos da União Europeia; John Samples – intelectual que escreve sobre mídias sociais, regulação de expressão e defensor do da livre expressão on-line; Nicolas Suzor – professor de direito na Universidade de Tecnologia de Queensland, na Austrália, com foco em governança de redes sociais e regulação de sistemas automatizados; Helle Thorning-Schmidt – ex-primeira ministra da Dinamarca e co-presidente do Comitê.