Capa do álbum 'O canto jovem de Luiz Gonzaga', de Luiz Gonzaga Reprodução ♪ DISCOS PARA DESCOBRIR EM CASA – O canto jovem de Luiz Gonzaga, Luiz Gonzaga, 1971 ♪ Principal difusor do baião, Luiz Gonzaga do Nascimento (13 de dezembro de 1912 – 2 de agosto de 1989) reinou no Brasil nacionalista da década de 1940. Tanto que a sanfona se tornou o instrumento preferencial de jovens dos centros urbanos que queriam aprender como se tocava o baião, o xote e outros ritmos da nação nordestina. Abalado com os ventos da modernidade que sopraram no Brasil e na música do país ao longo dos anos 1950, bafejados com a chegada de Juscelino Kubitschek (1921 – 1976) à presidência em 1956, o reinado do cantor, compositor e sanfoneiro pernambucano foi implodido em 1958 com a revolução detonada por João Gilberto (1939 – 2019). A invenção da bossa nova conduziu o violão e o intimismo ao poder musical, injustiçando Gonzaga e toda a geração de astros iluminados pela era do rádio, tachada de cafona em ação radical e elitista que se provaria equivocada e precipitada com o decorrer do tempo. Luiz Gonzaga jamais foi abandonado pelo povo nordestino, súdito mais refratário às modas e modismos impostos pelo eixo Rio-São Paulo. Mas perdeu espaço nesses centros culturais em rejeição ampliada nos anos 1960 e que somente começaria a ser revertida no início da década de 1970. É nesse contexto que o álbum O canto jovem de Luiz Gonzaga, lançado em 1971, se mostrou relevante na trajetória fonográfica do cantor, quase inteiramente vivida na gravadora RCA. O maestro Rildo Hora, na época um dos produtores atuantes na RCA, orquestrou esse disco para conectar a voz de Gonzaga aos cancioneiros de compositores que haviam emergido no universo da MPB, a maioria projetada em escala nacional na segunda metade dos anos 1960 nas plataformas dos festivais. A imagem do artista na capa do LP já traduzia a intenção de O canto jovem de Luiz Gonzaga, álbum nunca lançado em CD, mas disponível em edição digital que erroneamente credita o disco a 1981 ou a 1982. Sem o tradicional chapéu de vaqueiro e sem a sanfona, indumentárias então indissociáveis da figura cristalizada do artista, Gonzaga apareceu na capa com imagem mais urbana que, de certa forma, contrariava o tom do disco. A rigor, a mudança foi mais simbólica, tendo sido operada essencialmente na abertura do leque de compositores gravados pelo cantor de voz grave. Os compositores, sim, eram jovens. Já o repertório (bem) selecionado manteve Gonzaga associado ao universo musical e/ou temático do sertão nordestino. Introduzida por vozes de romeiros em oração, Procissão (Gilberto Gil e Edy Star, 1965) passou pelo álbum com naturalidade no canto já maturado de Gonzaga. Como velho boiadeiro, Gonzaga também seguiu em segurança por Caminho de pedra (Antonio Carlos Jobim e Vinicius de Moraes, 1958), outro exemplo do acerto do repertório gravado com o toque de músicos como o baixista Sérgio Barroso. Aberto com Chuculatera, título menor do cancioneiro de Antonio Carlos e Jocafi (dupla então no auge naquele ano de 1971), o álbum O canto jovem de Luiz Gonzaga soou menos festivo e forrozeiro no confronto com os discos anteriores do artista, sem promover ruptura radical. Entre a estilização folclórica de Cirandeiro (Edu Lobo e José Carlos Capinan, 1967) e o lamento retirante de No dia que vim-me embora (Caetano Veloso e Gilberto Gil, 1968), abordado por Gonzaga com pungência e com a propriedade de quem já seguira rota migratória do sertão para as capitais, o pai musical da nação nordestina se reconciliou no disco com o filho Luiz Gonzaga Jr. (1945 –1991), o Gonzaguinha. Gonzaguinha fez dueto com o pai na regravação simbólica de Asa branca (Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira, 1947), toada também ruminada pelo então exilado Caetano Veloso naquele ano de 1971 em gravação feita para álbum londrino que ajudou a motivar o público da MPB a escutar Luiz Gonzaga com ouvidos mais abertos. Então no início da carreira de cantor e compositor, Gonzaguinha ainda contribuiu com a então inédita canção Morena para o repertório do álbum O canto jovem de Luiz Gonzaga. Ao reverberar o lamento de Vida ruim (Catulo de Paula, 1962), Gonzaga reiterou o tom menos animado deste disco renovador. Em contrapartida, o chamado da sanfona de Chiquinho do Acordeom (1928 – 1993) soou arretado na feitura de O milagre (Nonato Buzar, 1967) e no recado de Fica mal com Deus (1963), composição de Geraldo Vandré, artista então amaldiçoado pela ditadura. A propósito, o álbum O canto jovem de Luiz Gonzaga carregou o simbolismo político de conectar artista por vezes associado à direita com a música de compositores de esquerda, alguns exilados pelo governo militar que tentava calar vozes dissonantes do regime ditatorial. Acima de ideologias, a beleza de O cantador (Dori Caymmi e Nelson Motta, 1966) na voz do artista evidenciou o poder que emanou do canto de Luiz Gonzaga neste disco gravado com Nelson Angelo ao violão e com arranjos de maestros como Guerra-Peixe (1914 – 1993) e Luiz Eça (1936 – 1992). No arremate do álbum, Gonzaga se reaproximou do parceiro Humberto Teixeira (1915 – 1979), autor do baião Bicho, eu vou voltar, música de letra autorreferente em que o Rei do baião aludia ao fato de estar sendo revalorizado pela geração de compositores da MPB. A alusão ao momento de redescoberta também foi feita na voz de Humberto Teixeira no canto falado com o qual o parceiro de Gonzaga na composição de Baião (1946) – música (definidora de um estilo e de uma época) que completava 25 anos em 1971 – encerrou a faixa e o álbum O canto jovem de Luiz Gonzaga. Sim, Luiz Gonzaga voltou. E voltou para curtir, como avisou já no título do concorrido show que apresentou em 1972, na cidade do Rio de Janeiro (RJ), consolidando o vitorioso movimento de rejuvenescimento proposto pelo disco lançado em 1971. E ficou claro para o Brasil, desde então, que o canto de Luiz Gonzaga, mais do que jovem ou velho, já era eterno.