Capa do álbum 'Nana', de Nana Caymmi Cafi ♪ DISCOS PARA DESCOBRIR EM CASA – Nana, Nana Caymmi, 1988 ♪ Nascida Dinair Tostes Caymmi em 29 de abril de 1941, a cantora carioca conhecida como Nana Caymmi faz 79 anos de vida nesta quarta-feira com o nome há décadas já garantido no pódio das maiores vozes do Brasil. Controvertida e desbocada como “uma eterna criança que não soube amadurecer”, para citar verso do bolero Resposta ao tempo (Cristovão Bastos e Aldir Blanc, 1998), maior sucesso de carreira que completa 60 anos em 2020, Nana sempre se redimiu de eventuais desafinadas com a alma grandiosa que a tornou pungente intérprete da canção popular. Diamante bruto na gravação inaugural de 1960, em que fez dueto com o pai Dorival Caymmi (1914 – 2008) em registro de Acalanto (1957), a voz de Nana foi sendo lapidada com o tempo, ganhando expressão e potência emocional com o decorrer dos anos. A cantora já atingira ponto de maturação vocal em 1988, quando apresentou o álbum Nana, derradeiro disco de estúdio na primeira passagem da artista pela EMI-Odeon, gravadora por onde a cantora lançou sete álbuns entre 1979 e 1990. Com arranjos coletivos, criados por músicos como o pianista Helvius Vilela (1941 – 2010) e o violonista Helio Delmiro, o álbum de 1988 se enquadrou na moldura clássica dessa fase áurea da discografia de Nana, soando nem melhor nem pior. Mas (um pouco) diferente por ser raro título na discografia da cantora feito sem a colaboração do irmão de Nana, Dori Caymmi, presença recorrente nos álbuns da artista desde 1975. Na foto feita por Cafi (1950 – 2019) para a capa do álbum Nana, a silhueta da cantora apareceu ao ar livre em cenário bucólico iluminado pela lua. A presença da lua na capa estava em sintonia com o repertório do disco. A lua era mencionada de forma recorrente em algumas letras do cancioneiro selecionado por Nana, sobretudo em A lua e eu (1976), refinada balada do soulman Cassiano que a cantora reviveu com o filho, João Gilberto Caymmi, por insistência do cantor estreante, em gravação que tentou preservar a aura soul da canção do compositor paraibano. Debutante também era Dudu Falcão, compositor pernambucano lançado por Nana neste álbum de 1988. Falcão – que somente ganharia projeção nos anos 2000 em vozes de cantoras como Ana Carolina, de quem se tornaria parceiro – emplacou duas composições entre as 12 músicas selecionadas por Nana para o repertório deste disco produzido por Regina Oreiro, com a cantora e o irmão Danilo Caymmi colaborando na produção executiva (Danilo também integrou a banda do disco como flautista). Dudu Falcão era o autor de Deixa eu cantar – música alocada na abertura do álbum – e de Era tudo verdade, música menos sedutora, naturalmente ofuscada em repertório com joias do alto quilate de Inútil paisagem (Antonio Carlos Jobim e Aloysio de Oliveira, 1963). O arranjo da regravação de Canção do nosso amor (Silveira e Dalton Medeiros, 1970) explicitou a ambiência de samba-canção em que o álbum Nana foi aclimatado. O mergulho no samba-canção continuou em Aquário (1987), composição do então novato Moacyr Luz em parceria com Aldir Blanc que havia sido lançada em disco no ano anterior pela cantora Maria Gabriela no álbum Fim de festa. Também de 1987 era o bolero Quando o amor acontece, lançado por João Bosco – parceiro do poeta Abel Silva na composição – no álbum Ai ai ai de mim (1987). O mesmo Abel Silva era o letrista de Primeiro altar, música da compositora Sueli Costa com o qual Nana fechou o álbum em gravação pontuada pelo toque virtuoso da guitarra de Helio Delmiro. Luminoso e então inédito samba que convidava “a massa a nunca mais deixar escapulir o tempo de sorrir e de cantar”, Velha cicatriz tentou fechar as feridas dos anos de repressão, semeando paz e ideais com o sopro do trombone de David Sack. De autoria de Ivor Lancellotti e Delcio Carvalho (1939 – 2013), o samba seria regravado dois anos depois por Alcione no álbum Emoções reais (1990). Em Asas nos olhos, Nana fez voo poético pelo romantismo de Claudio Nucci, ex-marido da cantora. Asas nos olhos planou leve no disco. Só que o amor – no repertório à flor de pele de Nana Caymmi – muitas vezes rimou com dor. Tanto que um dos pontos altos do álbum Nana, no que diz respeito à interpretação da cantora, foi a regravação do bolero Desacostumei de carinho (1981), peça doída do cancioneiro autoral de Fátima Guedes. Música dissonante no tom do disco, muito por conta do arranjo que esboçou ar tecnopop, Anda lua promoveu o segundo dos dois únicos encontros da voz de Nana Caymmi com o cancioneiro tropicalista do novo baiano Moraes Moreira (1947 – 2020), parceiro de Zeca Barreto na criação da composição (a título de curiosidade, cinco anos antes, a cantora lançara Sede, música somente de Moraes, no álbum de 1983 Voz e suor, gravado com César Camargo Mariano). Ao ser lançado, o álbum Nana ganhou os admiradores habituais que compunham o público seleto, mas fiel, da cantora. Ainda assim, o disco jamais alcançou a repercussão a que merecia, mesmo dentro dos padrões quantitativos de Nana Caymmi. Talvez por já sinalizar o fim de ciclo na discografia da cantora, que sairia da EMI-Odeon após disco ao vivo gravado com Wagner Tiso, Só louco, e editado em 1990. Após breve passagem pela Sony Music em 1992, para gravar obscuro disco enquadrado dentro de série de arte padronizada, Nana voltou para a EMI para fazer o projeto temático Bolero (1993), então já sob a batuta de José Milton, produtor que daria forma a quase todos os álbuns gravados pela cantora desde então. Bolero iniciou fase de maior adesão popular na discografia de Nana, período em que a cantora fez álbuns antológicos como Alma serena (1996) e Resposta ao tempo (1998) entre discos temáticos. Mas antigos admiradores de Nana Caymmi jamais minimizam a fase fundamental vivida pela cantora na Odeon entre 1979 e 1990. São desse coeso período pérolas já raras como o álbum Nana de 1988.