Capa do álbum 'Vamos que eu já vou', de Wanderléa Ronaldo Cientista ♪ DISCOS PARA DESCOBRIR EM CASA – Vamos que eu já vou, Wanderléa, 1977 ♪ Faz 55 anos em 2020 que Roberto Carlos mandou tudo para o inferno no reino encantado da Jovem Guarda. Desde então, Wanderléa – vértice feminino do triângulo formado pela cantora mineira com Roberto e com Erasmo Carlos na apresentação do programa de TV Jovem Guarda (1965 / 1968) – permaneceu associada à imagem juvenil da Ternurinha, construída na época por sólida estratégia de marketing que potencializou o apelo pop da artista com o lançamento de produtos associados a essa imagem. Justiça seja feita: uma vez desconstruído o reino encantado da Jovem Guarda, Wanderléa tentou expandir os horizontes musicais em série de discos lançados ao longo da década de 1970 sem conseguir se dissociar do repertório pueril (mas por vezes aliciante…) das jovens tardes de domingo. Alguns álbuns – como …Maravilhosa (1972), flerte com o desbunde que virou cult no decorrer do tempo – até surtiram algum (breve) efeito nessa tentativa de reposicionamento no mercado fonográfico. Outros álbuns foram recebidos com injusta frieza na época tanto pelo público como pela crítica e permaneceram obscurecidos na memória fonográfica brasileira. Foi o caso de Vamos que eu já vou, lançado em 1977. Nono álbum da discografia iniciada por Wanderléa em 1963, dois anos antes da criação da Jovem Guarda, Vamos que eu já vou marcou a estreia da cantora na EMI-Odeon – gravadora na qual a artista lançaria em 1978 um segundo álbum, Mais que a paixão, tão incompreendido quanto o antecessor – e marcou, sobretudo, o encontro da cantora com Egberto Gismonti, em parceria iniciada na vida e naturalmente estendida para a música. Compositor, multi-instrumentista e arranjador fluminense, Gismonti orquestrou as 12 faixas do álbum Vamos que eu já vou – sete com regências do maestro Lindolfo Gaya (1921 – 1987) – com uso pioneiro de sintetizadores que, aliados ao piano de Gismonti e aos toques elétricos de baixo e guitarra, criaram som geralmente vibrante. A eletricidade do disco saltou aos ouvidos já no rock metafísico que abria o álbum, A terceira força, contribuição dos amigos de fé Roberto Carlos e Erasmo Carlos para repertório que permaneceu esquecido, sendo que A terceira força ganharia registro de Erasmo no ano seguinte em gravação do álbum Pelas esquinas de Ipanema (1978). Com a notória habilidade, Egberto Gismonti soube embalar o regionalismo do estilizado congado Dança mineira (Aécio Flávio e Tibério Gaspar) – composição gravada por Emílio Santiago (1946 – 2013) no mesmo ano no álbum Comigo é assim (1977) – e respeitar a delicadeza do Poema para Léa (Paulo Diniz e Juarez Correya, 1976), lançado em disco no ano anterior pelo autor Paulo Diniz, e da bela canção Coisas da vida (Rosinha de Valença), simultaneamente gravada pela atriz e bissexta cantora Norma Bengell (1935 – 2013) no álbum Norma canta mulheres (1977). No álbum Vamos que eu já vou, Wanderléa apresentou o compositor e guitarrista fluminense Altay Veloso, cujo repertório ficaria mais conhecido a partir dos anos 1980 em vozes como a de Alcione. Além de ter integrado a banda do disco como guitarrista, Altay foi o compositor do rock Antes que a cidade durma, de Relva verde e da funkeada música-título Vamos que eu já vou. Como compositor, Altay somente foi suplantado por Egberto Gismonti, que marcou presença no disco com as inéditas Calypso – parceria com Geraldo Carneiro, arranjada somente com sintetizadores e percussões – e Educação sentimental (outra com Geraldo Carneiro, gravada com pegada nordestina), além das regravações de duas recentes músicas lançadas em disco em 1976, Café e a belíssima canção Carmo (mais uma parceria de Gismonti com Carneiro), embebida em nostalgia bucólica. A rigor, a única música conhecida do repertório do álbum Vamos que eu já vou é A felicidade bate à sua porta (1973), composição do primeiro álbum de Gonzaguinha (1945 – 1991) que o então novato grupo As Frenéticas fizera correr no trilho da disco music em gravação esfuziante lançada em single no fim de 1976. De tom pioneiramente tecnopop, a gravação de Wanderléa também resultou vibrante, roqueira, bem no estilo deste disco em que a cantora alternou eletricidade e ternura. Com o álbum Vamos que eu já vou, Wanderléa deu salto qualitativo na obra fonográfica. Mas o público não foi com ela e, ao se mostrar surdo à tentativa da cantora de ir além do tempo pueril da Jovem Guarda, acabou desestimulando a artista (e a indústria do disco…) a dar outros saltos em discografia que ficaria espaçada a partir da década de 1980 e, dos anos 2010 em diante, se tornaria nostálgica da breve modernidade experimentada na década de 1970 com álbuns como o desbundado …Maravilhosa (1972), o superestimado Feito gente (1975) e este interessante Vamos que eu já vou (1977).