Capa do álbum 'Mais', de Marisa Monte Arte de Claudio Gonzaga ♪ DISCOS PARA DESCOBRIR EM CASA – Mais, Marisa Monte, 1991 ♪ Antecedido por habilidosa estratégia de marketing que criou e alimentou expectativas por tudo que envolvia o nome de Marisa Monte, cantora carioca revelada em 1987 com cultuado show na cidade natal do Rio de Janeiro (RJ), o primeiro álbum da artista desafiou lógicas e padrões do mercado fonográfico. A começar pela data do lançamento do álbum Marisa Monte em 1989. Também conhecido como MM, o disco foi arremessado nas lojas em janeiro, mês tradicionalmente de ressaca em indústria que acionava as máquinas a pleno vapor entre outubro e dezembro para suprir as altas demandas do período das festas de fim de ano. Sem falar que MM foi álbum gravado ao vivo, opção inusual para apresentar cantores, mas que funcionou muito bem com Marisa por conta da beleza do canto inicialmente teatral da artista e do excelente gosto do repertório eclético lapidado pela poderosa artilharia vocal da intérprete debutante. Tudo deu tão certo que, quando Marisa Monte lançou o segundo álbum em março de 1991, Mais, a artista já se tornara ela própria padrão e referência para toda a geração de cantoras surgidas no rastro do furacão provocado na cena musical brasileira pelo aparecimento de Marisa. Afinal, tinha sido Marisa que religara de forma definitiva tribos até então nem sempre se harmonizadas na cena brasileira. Na voz de Marisa Monte, surgiu uma música pop brasileira que conciliou influências da MPB, do rock, do samba e da nação nordestina sem que um gênero se sobrepusesse a outro. Valorizado pela antenada produção musical de Arto Lindsay, o álbum Mais – o segundo álbum na cronologia fonográfica da cantora, mas o primeiro gravado em estúdio, entre Rio de Janeiro (RJ) e Nova York (EUA) – reverteu expectativas de quem ansiava por outro disco com lapidações de joias da música brasileira, mote do anterior MM. Para quem esperava ouvir pérolas na voz de Marisa, havia em Mais uma delicada abordagem da parnasiana valsa Rosa (Pixinguinha, 1917, com letra posterior de Otávio de Souza, 1937) – composição de aura clássica revestida com a modernidade dos teclados do músico japonês Ryuichi Sakamoto – que comprovou que a cantora era fina estilista da canção brasileira. Também havia em Mais a sagaz lembrança de música então esquecida de Caetano Veloso – De noite na cama (1971), lançada por Erasmo Carlos há então 20 anos – e o delicado canto de Borboleta, tema do folclore nordestino. E havia a releitura de Ensaboa (1976), lundu de Cartola (1908 – 1980) aditivado pela cantora com trecho do Lamento da lavadeira (Monsueto, Nilo Chagas e João Violão, 1956) em mash-up de tons sociais com citações de versos de Sorrow, tears and blood (Fela Kuti, 1977), Colonial mentality (Fela Kuti, 1977), Eu sou negão (Macuxi muita onda) (Gerônimo Santana, 1987) e A felicidade (Antonio Carlos Jobim e Vinicius de Moraes, 1959). Contudo, havia sobretudo em Mais – e nisso reside a importância adquirida pelo álbum na discografia de Marisa Monte com o decorrer dos anos – uma cantora que se apresentava como compositora, abrindo parcerias com Arnaldo Antunes e com Nando Reis, então integrantes dos Titãs, grupo do qual Marisa vinha se aproximando. Ao assinar cinco das 12 músicas do álbum Mais, sozinha e/ou com parceiros, Marisa abriu espaço como compositora com coragem para encarar cobranças de críticos – como este colunista – que na ocasião não perceberam que, nesse disco, Marisa começou a moldar universo musical particular que lhe garantiu lugar nobre na galeria dos imortais da arte brasileira. Futuro colega da artista no trio Tribalistas, formado em 2002, Carlinhos Brown apareceria como parceiro somente no álbum seguinte, Verde-anil-amarelo-cor-de-rosa e carvão (1994). Mas Arnaldo Antunes já estava presente em Mais, como coautor do primeiro hit radiofônico do disco, Beija eu, composição de Marisa e Arnaldo com o produtor musical Arto Lindsay. Arnaldo também foi o parceiro do titã Branco Mello em Eu não sou da sua rua, mensagem de desapego às coisas do mundo que Marisa deu com delicadeza, numa demonstração de que adotaria desde então tons menos dramáticos. Sozinho, Arnaldo contribuiu para o repertório de Mais com uma das grandes músicas inéditas do disco, Volte para o seu lar, demarcação de território ideológico, feita por Marisa sobre batuque que soou tribal e contemporâneo. Compositor recorrente no repertório do álbum, assinando quatro das 12 músicas de Mais, Nando Reis – com quem Marisa Monte teria retomado recentemente a parceria… – foi o compositor solitário da graciosa Diariamente, canção desde então adorada pelos seguidores da cantora. Com Marisa, Nando assinou três músicas em Mais. A mais conhecida das três, Ainda lembro, foi balada de acento soul sublinhado pela presença de Ed Motta como solista convidado, em reedição do dueto feito no show que gerou o álbum de estreia da cantora e o primeiro registro audiovisual de Marisa Monte em gravação ao vivo realizada em outubro de 1988 com a presença de Ed em I heard it through the grapevine (Norman Hitfield e Barret Strong, 1967) e These are the songs (Tim Maia, 1970). As outras duas parcerias de Marisa com Nando Reis, Tudo pela metade e Mustapha, resultaram menos imponentes no conjunto do aliciante repertório de Mais e, sintomaticamente, foram alocadas ao fim do disco. Sozinha, Marisa mostrou bom domínio do idioma pop ao compor Eu sei (Na mira), um dos singles promocionais do álbum Mais. Tanto que Eu sei permaneceu em muitos roteiros de shows posteriores da cantora e compositora. Álbum moderno, Mais resistiu bem ao tempo sem envelhecer. Gravado de setembro a novembro de 1990, o disco ganhou mais relevância ao longo desses 30 anos, como já dito. Analisado em perspectiva, o álbum Mais é ótimo exemplo de que, às vezes, uma cantora pode e deve virar o disco no auge, sem esperar o desgaste da fórmula, quando então já pode ser tarde demais.