Cantora lança o álbum 'Te adorando pelo avesso', gravado com participações de Silva e Baco Exu do Blues. Capa do álbum 'Te adorando pelo avesso', de Illy Julia Pavin Resenha de álbum Título: Te adorando pelo avesso Artista: Illy Gravadora: Alá / Altafonte Cotação: * * 1/2 ♪ Na capa do segundo álbum, Te adorando pelo avesso, Illy alude à capa do álbum Elis, lançado em 1973 por Elis Regina (1945 – 1982). Só que, na capa de Illy, a imagem está de cabeça para baixo em sintonia com a intenção da cantora de inverter expectativas e desconstruir conceitos pré-estabelecidos sobre o repertório da referencial cantora de MPB. O objetivo de se dissociar do universo musical original de Elis é reforçado pelo sagaz título Te adorando pelo avesso, extraído de verso da letra de Atrás da porta (Francis Hime e Chico Buarque, 1972), canção de desespero e intensidade inalcançáveis por Illy na interpretação cool dividida com Silva, cantor também sem vocação para mergulhos mais profundos nas dores das canções. O dueto de Illy e Silva já havia sido apresentado no show feito pela cantora no Rio de Janeiro (RJ) em 16 de outubro de 2019. Quem viu o show ouvirá sem surpresas o álbum gravado por Illy em estúdio e lançado nesta quinta-feira, 23 de abril, com texto de apresentação escrito pelo compositor Ronaldo Bastos. O disco rebobina as releituras do show com fidelidade, até porque ambos foram feitos com produção musical orquestrada pelo guitarrista Guilherme Lirio e pelo baixista Gabriel Loddo sob a direção da própria Illy. A rigor, o álbum Te adorando pelo avesso desconstrói o encanto deixado pelo primeiro álbum de Illy, Voo longe (2018), disco gracioso, de repertório mais adequado para o canto suave da cantora baiana. E o desencanto jamais é fruto de comparação com as gravações de Illy com as de Elis – confronto que, além de injusto com Illy, soaria despropositado. A questão é que, como cantora, Illy parece sem pimenta para encarar repertório talhado para intérpretes de vozes mais acaloradas. Mal nenhum há em ser cool. Há belezas inebriantes no universo musical cool assim como há cafonices bizarras no canto de intérpretes quentes. Só que é preciso saber escolher o que se canta quando se é cool. Esse foi o erro de Illy ao mergulhar no repertório de Elis Regina. Porque, de nada adiantou, em nome de suposta modernidade, diluir toda a expressiva reflexão geracional da letra de Como nossos pais (Belchior, 1976) no compasso ágil do ska. Illy canta com Baco Exu do Blues o bolero 'Me deixas louca', última música gravada por Elis Regina Julia Pavin / Divulgação De que adiantou também convidar o rapper Baco Exu do Blues para dueto no bolero Me deixas louca (Armando Manzanero em versão em português de Paulo Coelho, 1981) se a gravação lânguida dilui o tesão habitual do canto do conterrâneo de Illy. Falta a sensualidade que também se esvai na abordagem de outro bolero, Dois para cá, dois para lá (João Bosco e Aldir Blanc, 1974), este aditivado ao fim com inexplicáveis coros masculinos quase lúdicos. Solos de guitarra em Alô, alô, marciano (Rita Lee e Roberto de Carvalho, 1980) tampouco vão conquistar o ouvinte que espera interpretação no disco de uma cantora e não somente sonoridade contemporânea. Nesse sentido, como o show já mostrara, o guitarrista Guilherme Lirio e o baixista Gabriel Loddo fizeram bom trabalho. O samba Na Baixa do Sapateiro (Ary Barroso, 1938) até se ambientou bem na atmosfera do indie rock, com guitarras em contraponto com a percussão afro-baiana tocada por Marcelo Costa, mas o mérito parece mais dos arranjadores do que da cantora. O álbum Te adorando pelo avesso quase sempre deixa a desejar na parte que cabe especificamente a Illy – como, por exemplo, contar o drama lacrimoso de Vida de bailarina (Chocolate e Américo Seixas, 1953), samba-canção gravado por Elis em 1972 para ressaltar a assumida a influência da antecessora Angela Maria (1929 – 2018) no canto apimentado da gaúcha. Se O trem azul (Lô Borges e Ronaldo Bastos, 1972) percorre trilhos pretensamente futuristas, Fascinação (Fermo Dante Marchetti e Maurice de Féraudy, 1905, em versão em português de Armando Louzada, 1943) soa adolescente e Ladeira da preguiça (Gilberto Gil, 1973) mostra Illy à vontade no sobe-e-desce do samba ambientado na Bahia natal da cantora. Nesse mesmo ambiente soteropolitano, o samba Querelas do Brasil (Maurício Tapajós e Aldir Blanc, 1978) evolui bem com a batida do samba-reggae. Novidade do disco em relação ao roteiro do show, o samba Vou deitar e rolar (Quaquaraquaquá) (Baden Powell e Paulo César Pinheiro, 1970) reitera a sensação recorrente de que o problema do álbum Te adorando pelo avesso jamais foi encarar o mito alimentado em torno de Elis Regina, mas a escolha de repertório que pede cantoras de vozes mais picantes.