Capa do álbum 'Vanessa da Mata', lançado em 2002 Jair Lanes ♪ DISCOS PARA DESCOBRIR EM CASA – Vanessa da Mata, Vanessa da Mata, 2002 ♪ Coube a Maria Bethânia a primazia de revelar Vanessa da Mata para o universo pop em 1999. A intérprete baiana avalizou a debutante colega mato-grossense – nascida em 1976 na cidade interiorana de Alto Garças (MT) e então com 23 anos – ao batizar o álbum A força que nunca seca (1999) com o nome dessa melancólica canção sertaneja composta por Chico César com letra poética de Vanessa. Em que pese o aval inicial de Bethânia, Vanessa da Mata precisou esperar cinco anos para começar a fazer sucesso massivo. Quando o produtor Liminha enquadrou o cancioneiro da artista no padrão pop dos anos 2000, ao dar forma ao álbum Essa boneca tem manual (2004), Vanessa começou a justificar o alto investimento da gravadora Sony Music e a ter adesão popular que não viera com o primeiro álbum da cantora, Vanessa da Mata, lançado em 2002. Disco de sons predominantemente acústicos, com repertório quase inteiramente autoral, o álbum Vanessa da Mata foi formatado por trupe de produtores musicais que incluiu Jaques Morelenbaum, Luiz Brasil, Dadi (em parceria com Kassin), Swami Jr e o mencionado Liminha, além da dona do disco. Analisado em perspectiva, 18 anos após a edição original, o álbum Vanessa da Mata soa como ponto fora da curva na discografia da cantora e resiste muito bem ao tempo, se impondo entre os melhores discos da artista ao lado de Bicicletas, bolos e alegrias (2010) e Quando deixamos nossos beijos na esquina (2019). Mas é disco atípico na obra da cantora e compositora justamente por apresentar Vanessa da Mata sem o filtro pop do mercado, em ambiência acústica, sempre delicada, por vezes regionalista, como mostrou a música-título A força que nunca seca, reapresentada pela autora com a letra original, já que Maria Bethânia – com aguçada percepção para entender o significado oculto das palavras das poesias e letras de música – pediu para alterar o verso “Pra água que é tão pouca” por “Pra vida que é tão pouca”. Produzida por Morelenbaum, a gravação de A força que nunca seca por Vanessa da Mata resultou inebriante, tendo sido conduzida com suavidade pelos toques dos violões de Swami Jr., Pedro Sá e Luiz Brasil. Recebido sem grande alarde pela mídia, o álbum Vanessa da Mata surtiu efeito comercial bem menor do que o esperado pela gravadora. Mesmo sem reverter o quadro, remix do samba Não me deixe só (Vanessa da Mata) inflou os ânimos quanto começou a tocar aos poucos na noite, a ponto de ter entrado na providencial reedição do álbum, em 2003, com duas faixas-bônus. Além do remix, o álbum ganhou o registro de Nossa canção (Luiz Ayrão, 1966), sucesso de Roberto Carlos no reino da Jovem Guarda. Por sugestão de Nelson Motta, Vanessa pôs voz em Nossa canção em gravação veiculada na trilha sonora da novela Celebridade (TV Globo, 2003). Nem a exposição nacional na novela salvou a pátria do disco. Contudo, a frieza do grande público jamais tirou o mérito de belíssimo álbum que sublinhou a originalidade da assinatura da compositora, bem delineada em inspiradas canções como Onde ir e no reggae A viagem, lançado dois anos antes por Daniela Mercury no álbum Sol da liberdade (2000) e rebobinado pela autora em gravação produzida por Dadi com Kassin com ares e sons (um pouco) mais modernos. Mesmo as canções menos sedutoras, caso de Delírio, primaram por evidenciar a singularidade do intuitivo fluxo melódico e poético da compositora. Como um dos arranjadores mais atuantes do disco, Jaques Morelenbaum brilhou ao evocar sons dos salões nobres do século XIX na disposição das cordas que introduziram Carta (Ano de 1890), flash memorialista de tempos idos. Escondido no fim do disco, o samba Bem da vida exibiu o gosto da compositora pela cadência bonita do ritmo que, funk à parte, ainda identifica o Brasil no mapa-múndi da música. Tanto que a única incursão da cantora por obra alheia no repertório do álbum Vanessa da Mata foi a feita pelo samba Alegria (Assis Valente e Durval Maia), lançado em 1937 pelo cantor Orlando Silva (1915 – 1978). As canções Case-se comigo – adornada com sutis efeitos eletrônicos tirados do MPC manuseado por Domenico Lancellotti – e Longe demais apresentaram a parceria de Vanessa com Liminha. Essa parceria seria ampliada em 2004 para ser o motor do segundo álbum da cantora, o já mencionado Essa boneca tem manual. Parceria de Vanessa da Mata com Lokua Kanza, gravada com cajóns e caxixis em arranjo de acento percussivo, Eu não tenho completou o repertório desse álbum que acabou permanecendo na discografia de Vanessa da Mata como objeto pouco identificado pelo público que tomaria banho de chuva com a cantora no álbum seguinte ao som de Ai, ai, ai… (Vanessa da Mata e Liminha, 2004), o primeiro grande sucesso dessa original cantora e compositora cuja força parece nunca secar, apesar da safra autoral mais escassa do álbum Segue o som (2014). Por isso mesmo, o esquecido álbum Vanessa da Mata merece ser descoberto por quem embarcou no meio da viagem.