Cantora carioca vem se destacando na onda de apresentações virtuais pela sedutora informalidade com que dá voz, a capella, a músicas de compositores como Chico Buarque e Paulinho da Viola. Teresa Cristina em live feita na madrugada de domingo, 19 de abril Reprodução de vídeo ♪ ANÁLISE – Entre goles de cerveja, Teresa Cristina lembrou, em live na madrugada de domingo, 19 de abril, que se sentia como se estivesse cantando novamente no Semente, bar do bairro carioca da Lapa que, no fim dos anos 1990, foi a plataforma que alavancou a carreira da então debutante cantora carioca. Ali, no palco do Semente, Teresa começou a angariar seguidores e afeto. A comparação fez sentido. Na contramão das paramentadas lives patrocinadas do universo pop sertanejo, a artista vem semeando empatia, solidariedade e (mais) seguidores com série diária de lives noturnas que, desde o início do isolamento social, estão conquistando o público pelo mix azeitado de música boa, espontaneidade e informalidade. A mistura fina tem sido temperada com as presenças de convidados e com os comentários de muitos dos cerca de três mil espectadores reunidos atualmente em cada live da artista. Na live que entrou pela madrugada do domingo, 19, o foco foi o cancioneiro de Chico Buarque – compositor que Teresa já havia abordado dias antes em outra live, mas que voltou a cantar pela vastidão do repertório do autor. Se a anfitriã cantou a capella canções como De todas as maneiras (1978) e Amando sobre os jornais (1979), ressaltando a (oni)presença morena de Maria Bethânia na vida adolescente de Teresa com os álbuns Álibi (1978) e Mel (disco de 1979 abordado na live programada por Teresa para entrar pela madrugada desta segunda-feira, 20 de abril), os convidados reiteraram a genialidade do cancioneiro de Chico. A atriz Camila Pitanga deu voz ao samba Morena dos olhos d'água (1966), Marina Íris cantou Amor barato (1981, samba da irretocável parceria de Chico com Francis Hime) e Moyseis Marques pareceu ter incorporado o próprio Chico Buarque ao cantar esplendidamente bem Subúrbio (2006) e Mambembe (1972) com timbre que evocava a voz do dono dessas canções. Sozinha, sem acompanhamento instrumental, como já virou hábito nas lives da artista, Teresa também cantou Vai levando (1975), primeira das quatro bissextas parcerias de Chico com Caetano Veloso. Teresa Cristina em live prestigiada pelo cantor Pedro Miranda e pela jornalista Flávia Oliveira Reprodução de vídeo Se “cantar é vestir-se com a voz que se tem”, como Teresa Cristina sentenciou em verso lapidar da composição autoral Cantar (2007), a artista porta um dos mais belos figurinos dessa onda de lives que se ergueu no mar da música brasileira e do mundo por conta da pandemia do coronavírus. E a beleza vem da simplicidade com que Teresa vem fazendo lives dedicadas aos repertórios de compositores como Candeia (1935 – 1978), Paulinho da Viola e Roberto Carlos, entre outros. O segredo do sucesso das apresentações ao vivo da cantora talvez resida na ausência total de pompa com que a Teresa vem se conectando com amigos e seguidores, no melhor estilo “gente como a gente”, com a missão solidária de somente entreter e confraternizar – ao som de algumas das páginas mais inspiradas do cancioneiro brasileiro – para desanuviar o ar inevitavelmente pesado por conta da expansão do coronavírus no céu do Brasil. Entre goles de cerveja, olhadas nas colas para não esquecer algumas letras e doses cavalares de samba, Teresa Cristina talvez nem tenha se dado conta, porque não tem tal objetivo, mas, quando tudo isso passar, a cantora sairá maior e (ainda) mais valorizada e respeitada pelo público e pelo próprio meio artístico. A semente foi plantada sem segundas intenções e a colheita é uma questão de tempo.