Batuque do solitário disco do artista resulta frio, sem o calor das rodas de samba. Capa do álbum 'Sincretismo', de Leandro Lehart Arte de Elifas Andreato Resenha de álbum Título: Sincretismo Artista: Leandro Lehart Gravadora: Edição independente do artista / ONErpm Cotação: * * ♪ Cantor, compositor e músico paulistano projetado nos anos 1990 como mentor e vocalista do grupo Art Popular, Leandro Lehart sobressaiu na geração pagodeira daquela década por abordagem pop mestiça do samba. Infectado pelo coronavírus em março, o artista venceu a doença – após “dias difíceis” na UTI, como Lehart revelou em rede social – e, curado, lança o álbum Sincretismo, disponível desde sexta-feira, 17 de abril. Com capa que expõe arte em que Elifas Andreato retrata símbolo do universo afro-brasileiro, Sincretismo é álbum produzido, mixado e masterizado pelo próprio Leandro Lehart. A ideia foi regravar sambas mais ou menos conhecidos, a maioria da década de 1980, com ênfase na percussão tocada pelo artista para criar clima de terreiro e evocar o batuque dos negros nos tempos do Brasil imperial, exercitando a imaginação para mostrar como sambas recentes seriam tocados há cerca de 200 anos. “São batuques em madeiras, de uma maneira festiva e tribal”, conceitua Lehart, que, além de cajon, também tocou violões de aço e nylon na confecção do álbum Sincretismo. Em tese, a ideia do disco é ótima. Na prática, resulta decepcionante, aquém da vibração do samba do artista nos tempos do Art Popular. Se a abordagem de Pára-raio (Djavan, 1976) soa curiosa, por ser samba criado fora das fronteiras harmônicas dos fundos de quintais, os registros de Viola em bandoleira (Guaracy Sant'anna – Guará – e Renato da Viola, 1984), Papai vadiou (Rody do Jacarezinho e Gaspar do Jacarezinho, 1985) e Sorriso aberto (Guaracy Sant'anna, o Guará, 1988) soam desanimados nos confrontos com as respectivas gravações do grupo Só Preto Sem Preconceito, da cantora Leci Brandão e da partideira Jovelina Pérola Negra (1944 – 1998). Sem falar que o samba-canção Antonico (Ismael Silva, 1950) pede tom mais interiorizado, condizente com a melancolia que pauta a súplica feita na letra. O problema do disco é que o batuque soa frio em Sincretismo. Lehart erra ao seguir o bloco do eu sozinho nessa investida no terreiro. Nascente da paz (Adilson Victor e Sombrinha, 1989), por exemplo, já brotou melhor na coletividade do grupo Fundo de Quintal, intérprete original do samba. Pagode do repertório do grupo Sensação, Pé no chão (Carica e Vicente, 1998), Identidade (Jorge Aragão, 1992) e Sofro de amor (Zé Sereno, 1987) completam o repertório do álbum sem alterar o status de Sincretismo. Em 2020 ou há 200 anos, o terreiro é espaço a ser pisado e ocupado pela coletividade.