Em entrevista ao G1, ator discute filme sobre Sérgio Vieira de Mello, que estreia sexta-feira (17), e sequência de projetos baseados em fatos: 'É incrível como isso foi acontecendo'. Veja trailer de 'Sergio' Interpretar o diplomata brasileiro da Organização das Nações Unidas (ONU), Sérgio Vieira de Mello, na cinebiografia "Sergio" não foi fácil para Wagner Moura. Mais do que dar vida a alguém que admira, o ator conta que não é exatamente fã de representar um personagem baseado em alguém real. O filme sobre o diplomata brasileiro da Organização das Nações Unidas (ONU), morto em atentado terrorista no Iraque em 2003 estreia nesta sexta-feira (17) na Netflix. "Eu não gosto não, cara. É incrível como isso foi acontecendo", conta ao G1 o ator, que ao longo de sua carreira se tornou conhecido por personagens inspirados em pessoas reais. Além de Mello, o brasileiro interpretou Pablo Escobar, em "Narcos", e até seu capitão Nascimento, de "Tropa de Elite" (2007), foi baseado no ex-comandante do Batalhão de Operações Especiais (Bope) do Rio de Janeiro, Rodrigo Pimentel, um dos autores do livro que originou o filme. "Eu prefiro muito mais fazer personagens que eu não tenha obrigação com a vida de ninguém, sabe. Que eu não tenha responsabilidade de contar a história da pessoa." Wagner Moura e Ana de Armas em cena de 'Sergio' Divulgação Segundo Moura, o que atraiu no projeto foi a oportunidade de fugir dos estereótipos de personagens latinos no cinema americano e uma admiração pelo papel do diplomata na organização internacional. Em 2003, o alto comissário da ONU para os Direitos Humanos era um representante especial da entidade no Iraque, logo após a invasão americana, quando foi alvo de um atentado a bomba provocado pela Al-Qaeda. Na conversa por telefone de sua casa em Los Angeles, o ator falou sobre o isolamento, o adiamento de sua estreia na direção, "Marighella", também baseado em fatos, e o novo gosto pelo papel de produtor. Leia a entrevista abaixo: Ana de Armas e Wagner Moura em cena de 'Sergio' Divulgação G1 – Você já falou que o Sérgio era um ídolo seu, e que queria fazer esse filme há muito tempo. Como foi exatamente essa história? Quando foi que você tentou pela primeira vez conseguir os direitos do livro da Samantha Power? O livro da Samantha, eu tentei quando tive certeza que eu queria fazer o filme. O filme vem de uma, como você falou, de um interesse muito grande que eu sempre tive, desde menino, pelas Nações Unidas. Sempre tive uma fascinação pela ONU, o seu papel no mundo, ou sua fragilidade frente às grandes potências. Tudo isso sempre me inquietou muito. O fato de ter havido, no cenário da ONU, uma figura importante como o Sérgio e, neste caso, ser brasileiro, evidentemente para mim era um fator de interesse grande. Sinceramente eu comecei a procurar mais quem o Sérgio era depois que ele morreu. Em 2003, quando tiveram as notícias todas da morte do Sérgio eu comecei a procurar saber. Um pouco depois eu li o livro da Samantha, e logo um tempo depois eu fui ver o filme do Greg (Baker, documentarista que também dirige (Sergio). Mas não deixei quieto aquilo. Eu achava que aquilo podia virar um filme. Um pouco antes de "Marighella", eu comecei a pensar no que eu queria fazer no cinema americano e tal. Eu não estava afim de fazer as coisas que queriam que eu fizesse. E achei que poderia produzir meu próprio conteúdo. Na minha cabeça, para fazer filmes sobre personagens latinos que não reforcem o estereótipo e reforcem essa sub-representação que os latinos têm em Hollywood. E achei que um filme sobre o Sérgio era um excelente primeiro projeto nesse sentido. Aí fui procurar os direitos do livro da Samantha Power e descobri que quem tinha os direitos era o cara que dirigiu o documentário. Eu já tinha sondado algumas pessoas para dirigir o filme, mas quando conversei com ele — a gente teve uma conversa por Skype longa, cerca de uma hora — eu vi que nós dois víamos o mundo de forma parecida e que queríamos fazer um filme sobre o Sérgio pelas mesmas razões. Terminei essa conversa convencido de que o Greg tinha de dirigir o filme. Greg Barker conversa com Wagner Moura durante gravação de 'Sergio' Divulgação/Netflix G1 – Você tem falado bastante sobre o estereótipo latino. Qual seria ele exatamente? Primeiro, quando eu falo de sub-representação tem duas formas de analisar. As duas são péssimas. Uma é a quantidade de latinos em proporção, nos filmes americanos, ao tamanho da comunidade latina (nos Estados Unidos), que é enorme. Há poucos representantes da cultura latina no cinema norte-americano de um modo geral. E quando essas pessoas são representadas, elas o são de uma forma caricata. Ou é o latino violento, agressivo, ou o bandido, presidiário, ou o cara que trafica drogas, ou a latina sexy, aquela mulher latina matadora. E acho que isso já deu. Acho que fazemos parte da vida da sociedade de uma forma muito mais complexa. Por exemplo, uma coisa que eu adorei há um tempo foi poder ver o "Rogue One" com o Diego Luna falando, sendo o protagonista, com o sotaque mexicano. Isso para mim é uma coisa que faz muito sentido politicamente. Os latinos podem estar fazendo um personagem que é um médico, ou um cara violento que seja, mas que possamos abrir mais horizontes do que nós representamos na sociedade. G1 – Na última vez em que conversamos, antes do lançamento de "Narcos", falamos sobre essa coisa de fazer personagens baseados em pessoas reais. E você tem ficado marcado, ao longo da carreira. Por que você gosta tanto de contar essas histórias de pessoas reais? Eu não gosto (risos). Eu não gosto não, cara. É incrível como isso foi acontecendo. Eu prefiro muito mais fazer personagens que eu não tenha obrigação com a vida de ninguém, sabe. Que eu não tenha responsabilidade de contar a história da pessoa. E é muito mais difícil isso. Não é uma predileção, não. Foram acontecendo. Eu fiz um filme ano passado ("Wasp Network") com o Olivier Assayas que era baseado na história dos espiões cubanos que foram presos em Miami, e, claro, "Marighella", Pablo (Escobar). Cena da série 'Narcos', protagonizada pelo ator brasileiro Wagner Moura Divulgação/Netflix Foram projetos que eu achava interessantes e que também não ia falar: "ah, não vou fazer. Acabei de fazer um que já era assim". Era bom, então eu fiz. Agora acho que não tem como eu ser acusado disso, entendeu? (risos) Mas, por outro lado, eu acho que tem duas coisas aí que me agradam muito. Uma é você revisar a história e revisar a forma como ela foi contada. No caso de "Narcos", no caso de "Marighella", acho que isso é interessante. Entender como o narcotráfico nasceu na Colômbia, ou entender como foi que se deu a resistência armada à ditadura militar no Brasil e revisitar a história, de qual ponto de vista ela foi contada. E a outra é trazer vivências de pessoas interessantes que possam iluminar, de alguma forma, o contexto atual, como é o caso do Sérgio, por exemplo. Se você comparar a atuação de Sérgio com a atuação da maioria dos líderes do mundo hoje você vê que falta faz um cara como esse. Dito isso, não é uma predileção, não. E eu pretendo me dedicar a outras coisas. Seu Jorge e o diretor Wagner Moura no set de 'Marighella'. Filme estreia no Festival de Berlim 2019 Divulgação G1 – E quais são esses planos então para quando voltarmos à normalidade? Os meus planos de trabalho são… Assim, eu gostei muito da experiência de produzir filmes, de fazer filmes aqui (nos Estados Unidos), coisas que eu queira fazer e, claro, eu estou aqui, então há projetos que não são meus e que me interessam, mas a maioria não me interessa. E acho que o que mais me anima é poder fazer mais filmes que possam juntar as pessoas com quem eu quero trabalhar. Eu tenho um projeto com o Karim (Aïnouz), um cara com quem eu fiz o "Praia do Futuro" (2014), a gente tem uma identificação muito legal. Estamos trabalhando nesse projeto juntos. E muitos outros. eu quero produzir e oferecer aqui no mercado americano. G1 – Falando então desses dias atuais. Você está conseguindo ficar em casa? O que está fazendo para se manter ocupado? Estou em casa. Estou me dedicando, refletindo, tentando me conectar com as pessoas que me interessam, sobretudo com a minha família. Não é muito comum eu ficar tanto tempo em casa, né? Eu viajo muito para trabalhar, então poder estar com meus filhos, com a minha mulher, ouvi-los, olhá-los. E poder olhar também mais para dentro de mim, também. Ter tempo de me olhar. De meditar. Ver o que eu quero. É um momento um pouco para isso também. Wagner Moura em 'Sergio' Divulgação G1 – Pra finalizar, como está a situação de "Marighella"? Agora, assim, esse adiamento de "Marighella" não me angustia tanto, porque é o que é. Todos os projetos que seriam lançados nessa época serão adiados. Me angustiou muito o começo, quando o filme não estreava por uma pressão do governo. Uma má vontade da Ancine. Um episódio claro de censura. Isso foi muito difícil, mas agora o filme está na barca do cinema no qual todos os projetos do mundo foram adiados. Não temos uma data ainda, porque é prematuro para saber, mas o filme vai estrear. Não recebemos o dinheiro do Fundo Setorial, o qual teríamos direito. Tomamos essa posição. Os produtores foram valentes em fazer isso. Então, estou muito tranquilo. O "Marighella" vai estrear.