Capa do álbum 'Essencial', de Fafá de Belém Marco Rodrigues ♪ DISCOS PARA DESCOBRIR EM CASA – Essencial, Fafá de Belém, 1982 ♪ Fafá de Belém ouvia e cantava músicas de estilos variados na pré-história profissional vivida no Pará. Ao ser projetada em todo o Brasil há 45 anos na trilha sonora da novela Gabriela (TV Globo, 1975), como intérprete do samba de roda Filho da Bahia (Walter Queiroz), a cantora foi levada a adotar imagem brejeira, regional, pela diretoria da gravadora Philips, personificada na época por Roberto Menescal. Fafá foi lançada como a cantora de voz, riso e seios fartos que simbolizava o elo perdido do Brasil com a música do Pará. Nessa seara, a artista lançou os álbuns Tamba-tajá (1976), Água (1977), Banho de cheiro (1978), Estrela radiante (1979) e Crença (1980). O desgaste da fórmula e da imagem resultou na pouca repercussão comercial e artística do disco e show Crença. Foi quando Fafá virou a mesa. E virou também o disco. Essencial, sexto álbum da cantora, lançado em 1982, foi idealizado por Fafá para romper com a imagem regionalista que aprisionava a artista e limitava o repertório da cantora. Sintomaticamente, Essencial foi o primeiro álbum em que a cantora assinou somente Fafá na capa, tirando momentaneamente do nome artístico o Belém que a identificava no imaginário nacional. A bem da verdade, o disco Essencial surtiu pouco efeito comercial, até porque a gravadora jamais acreditou no potencial da repaginada de Fafá a ponto de ter chegado a sugerir uma volta (literal) para Belém (PA) – descaso que levou a cantora a sair da Philips e a assinar contrato com a Som Livre, gravadora na qual viveria fase de grande sucesso popular, entre 1983 e 1987, período em que encarnou a Musa das Diretas (ação reforçada com a gravação de músicas políticas e do Hino Nacional Brasileiro) e em que deu voz a canções românticas de comunicação mais imediata com o tal grande público. Gravado entre novembro de 1981 e janeiro de 1982, sob direção musical do pianista César Camargo Mariano, Essencial foi álbum diferenciado na trajetória da artista, sendo conhecido somente pelos seguidores mais fiéis de Fafá. Um disco que fez diferença. Até por conter o registro antológico de Bilhete (Ivan Lins e Vitor Martins, 1980), ainda uma das melhores gravações de Fafá em carreira fonográfica que já contabiliza 45 anos. Reflexo do momento conjugal da artista, que se separara do saxofonista Raul Mascarenhas em 1981, quando arquitetava o disco, a entrada de Bilhete no repertório valorizou o álbum Essencial e deu visibilidade ao disco quando a faixa entrou na trilha sonora da novela Sol de verão (TV Globo, 1982). A canção de separação tinha sido lançada por Ivan Lins dois anos antes, sem grande repercussão, no álbum Novo tempo (1980). Com a voz posta no fio da navalha e escorada no arranjo preciso de César Camargo Mariano, Fafá elevou Bilhete a patamar nunca atingido por nenhuma outra cantora. Nos tons serenos com que adocicou Jambo (Juca Filho e Rodrigo Campello) e realçou Cheiro doce (Paulo Jobim), Fafá se mostrou cantora em processo de depuração. “Pode começar a me aprender / Aprendendo a me aceitar”, mandou recado Fafá através dos versos de Joyce Moreno, compositora da música-título Essencial (regravada pela autora em 1990 e desde então nunca mais registrada em disco, nem por Fafá). A marca sonora de César Camargo Mariano ficou nitidamente impressa no álbum Essencial nos arranjos de músicas como No meio da roda (Tavinho Bonfá e Geraldo Carneiro), funcionando como grife que legitimou a virada de Fafá. A musica mais conhecida do repertório do álbum Essencial, Nos bailes da vida (Milton Nascimento e Fernando Brant, 1981), já era um clássico recente da MPB quando ganhou a voz de Fafá, tendo sido lançada por Joanna – para quem a música foi dada em primeira mão – e por Milton Nascimento no ano anterior. A gravação de Fafá começava íntima e ganhava progressiva intensidade sem resultar festiva. A estrela soou mais radiante na autorreferente O gosto da vida (Péricles Cavalcanti), fecho exteriorizado de álbum em que Fafá também deu voz às canções Cumplicidade (Tavinho Bonfá e Luis Mendes Júnior) – exemplo de que poderia ter havido mais rigor na seleção do repertório de Essencial – e Caso especial (Sônia Burnier e Sônia Hirsch). Blues sensual, Caso especial foi defendido por Fafá na primeira eliminatória do festival MPB-Shell 82, realizada em março daquele ano de 1982, com performance que garantiu à cantora o prêmio de melhor intérprete da fase inicial da competição exibida pela TV Globo. Alocada no lado B do LP original, a lembrança interiorizada da canção Pai e mãe (Gilberto Gil, 1975) foi ponto alto de Essencial, disco em que Fafá, sem fechar o sorriso como no recente álbum Humana (2019), mostrou que podia ir muito além de Belém.