Filme de Greg Barker sobre diplomata brasileiro da ONU, que morreu em atentado terrorista no Iraque em 2003, estreia sexta-feira (17). Veja trailer de 'Sergio' "Sergio", filme com Wagner Moura ("Narcos") que conta os últimos anos da vida de Sérgio Vieira de Mello (1948-2003), estreia nesta sexta-feira (17). A cinebiografia do diplomata brasileiro da Organização das Nações Unidas (ONU), morto em atentado terrorista no Iraque em 2003, é um projeto de mais de dez anos do cineasta americano Greg Barker — admirador tão grande da história que também dirigiu o documentário "Sergio", em 2009. Em conversa com o G1, ele falou sobre o que o fez dirigir pela primeira vez um filme com atores e sobre como teve sorte quando Wagner o procurou pelo projeto. "Sempre senti que seria preferível ter um ator brasileiro para o Sérgio, mas não era como se a gente não fosse conseguir fazer o filme sem um brasileiro", afirmou Barker pelo telefone. Greg Barker conversa com Wagner Moura durante gravação de 'Sergio' Divulgação/Netflix "Ele tinha uma certa forma de ser, uma empatia com pessoas comuns, que vinha muito de sua criação brasileira. E o Wagner não precisou inventar isso. Ele mesmo sentia isso, de um nível muito profundo." Em 2003, o alto comissário da ONU para os Direitos Humanos Sérgio Vieira de Mello era um representante especial da entidade no Iraque, logo após a invasão americana, quando foi alvo de um atentado a bomba provocado pela Al-Qaeda. Respeitado pelo mundo após cuidar da transição à independência do Timor Leste um ano antes, ele era um dos cotados para assumir o cargo de secretário-geral da organização. Para Barker, o lançamento ganha maior importância durante essa época de quarentena provocada pela pandemia do novo coronavírus, que impediu que o filme chegue aos cinemas. "Sergio" poderá ser assistido no mundo inteiro através da Netflix. "Ele não era um cientista, ou um médico. Ele não teria uma pílula mágica para resolver esse problema, mas ele seria muito bom em encontrar recursos vitais e coordenar uma resposta global respeitada para essa pandemia." Leia abaixo a íntegra da entrevista: Wagner Moura em cena de 'Sergio' Divulgação G1 – O que te atraiu tanto para essa história? Eu sei que você é amigo da Samantha, autora do livro, mas em uma entrevista você disse que pensou nela como um filme, antes de gravar o documentário. Como foi isso? Greg Barker – Há algo na história de vida de Sérgio, e na dimensão dela, que realmente me pegou. E também se conectou comigo em um nível profundamente emocional. A paixão que ele tinha, seu impacto no mundo. Ele via o mundo e toda a sua complexidade, mas ao mesmo tempo tinha dificuldade de se ver claramente e de ser autêntico com aqueles que eram mais próximos dele. Eu sou tímido, acho que essa história falou comigo, e é meio que universal. Acho que muitas pessoas tiveram problemas com esse mesmo tipo de dilema. E também meio que me lembra o tipo de filme que eu gostaria de ver. Amo esses grandes filmes profundamente emocionantes que se passam em meio a grande turbilhão político. "O ano que vivemos em perigo" (1982), "Os gritos do silêncio" (1984) ou "O paciente inglês" (1996), coisas assim. Eu achei que a história tinha o potencial para ser esse tipo de filme. E eu não conseguia tirar a história da minha cabeça. Presto atenção quando me sinto assim. G1 – Você disse que tentou comprar os direitos da história, mas alguém já os tinha. Esperou alguns anos e então conseguiu. Como você se sentiu quando o Wagner falou contigo sobre o projeto? Greg Barker – Eu sempre quis que a história parecesse autêntica, certo? Então, conforme os anos se passaram, Wagner se tornou mais e mais certo para o papel. Há dez anos, se eu tivesse feito o filme ele seria provavelmente muito jovem. Mas o tempo passou e, quando ele veio falar comigo, na verdade era a pessoa perfeita para interpretar o Sérgio. Nos conectamos e nos demos bem. E percebemos que queríamos fazer o mesmo filme. Então, as estrelas se alinharam. Às vezes as coisas dão errado por um motivo e no fim tudo funcionou ainda melhor do que eu poderia imaginar. G1 – Você já pensava em um ator brasileiro para o papel? Ou estava aberto a outras nacionalidades? Greg Barker – Bom, primeiro eu só queria conseguir tirar o filme do papel. Sempre senti que seria preferível ter um ator brasileiro para o Sérgio, mas não era como se a gente não fosse conseguir fazer o filme sem um brasileiro. Quer dizer, se achássemos o ator certo, que por acaso fosse brasileiro e que quisesse interpretar… Quero dizer, demos sorte. Mas como o Wagner é brasileiro ele traz uma autenticidade ao papel. Esse é um papel no qual qualquer um teria dificuldades. O Sérgio trabalhava para o mundo, mas também era brasileiro, e ele usava suas qualidades de brasileiro para fazer as coisas acontecerem. Para atrair as pessoas. Ele tinha uma certa forma de ser, uma empatia com pessoas comuns, que vinha muito de sua criação brasileira. E o Wagner não precisou inventar isso. Ele mesmo sentia isso, de um nível muito profundo. Então isso torna sua performance muito mais autêntica. Por ser brasileiro. Se tivéssemos um ator que não fosse brasileiro, ele ainda poderia fazer isso, claro, porque atores são muito habilidosos, mas poderia não ter o mesmo poder emocional que teve na mão de um grande ator que também por acaso é brasileiro. Acabou funcionando. Ana de Armas e Wagner Moura em cena de 'Sergio' Divulgação G1 – O filme também foca muito no relacionamento entre Sérgio e Carolina Larriera. Por que você sentiu que isso era tão importante para a sua versão dessa história? Greg Barker – Para mim, as histórias têm que funcionar em um lado emocional. Essa é a forma como eu a vi. Eu achei que tinha uma luta real e universal que eu vi no Sérgio em ter um impacto no mundo, ao ver o mundo claramente, mas ao mesmo tempo ter dificuldades em se ver tão claramente. Como nós amamos não apenas o mundo, mas também aqueles próximos de nós. Então isso pra mim, sempre, desde o começo, era uma parte central da história que eu queria contar. E, claro, há a virada dramática com o que aconteceu no Iraque. Carolina lá, no final do corredor, quando a bomba explode. E ela tenta chegar até ele. Isso é incrivelmente dramático. Pareceu uma jornada emocional que eu queria explorar. Mas também a forma como as coisas aconteceram foi incrivelmente atraente. G1 – A entrevista que eu falei foi dada durante o festival de Sundance, no começo do ano. Você falou sobre como o contexto era diferente da época do lançamento do documentário de 2009. Quanto esse contexto mudou para você desde então? Greg Barker – Em uma forma prática, claro que mudou a maneira como estamos vivendo. Estamos fazendo essa conversa remotamente. Eu deveria estar no Brasil essa semana para o lançamento e entrevistas. A gente ia lançar o filme nos cinemas, além da Netflix, e isso obviamente não vai acontecer. Mas, de uma forma mais profunda, "Sergio" é sobre encontrar, em um nível político, soluções para problemas globais complexos. Quero dizer, ele não era um cientista, ou um médico, ele não teria uma pílula mágica para resolver esse problema, mas ele seria muito bom em encontrar recursos vitais e coordenar uma resposta global respeitada para essa pandemia. Talvez ele fosse o secretário-geral agora. Talvez ele estivesse em alguma outra posição alta na ONU. Estamos sem o tipo de liderança global que ele representava. Como um brasileiro, como um cidadão do mundo. E em um tempo em que as pessoas estão culpando umas as outras, tentando apontar dedos, essa não é a forma como o Sérgio… ele era um idealista, mas ele focava em soluções práticas. A história política que ele representa é mais poderosa agora. E eu acho também que o lado emocional, que é sobre empatia e compreensão, é algo que realmente precisamos agora. Porque a história mostra que momentos de grande turbulência, que chocam todo o sistema internacional, podem levar a guerra e conflito, a pessoas se isolando, e agora precisamos, mais do que qualquer outra coisa, de compreensão e abertura. É um filme mais relevante. E, claro, as pessoas podem ver em casa. Wagner Moura e Ana de Armas em cena de 'Sergio' Divulgação G1 – Acho que eu ando mais emocional do que normalmente. Devo confessar que chorei um pouco naquela cena com a senhora no Timor Leste. Fui surpreendido pela cena. Onde você a encontrou? Todos os atores são dos locais representados? Greg Barker – Obrigado. É uma das minhas cenas favoritas e é uma das cenas-chave do filme. Ela é do Timor Leste. Filmamos na Tailândia — não era algo prático ir ao Timor Leste para filmar —, mas nós trouxemos cerca de 24 figurantes do Timor Leste, com as roupas e tecidos, e encontramos mais algumas pessoas de lá que já estavam na Tailândia. Então foram cerca de 50 pessoas. E nós encontramos Senhorita, que é o nome dela, no Timor Leste. Tínhamos um diretor de elenco que encontrou um monte de gente que não eram atores profissionais. Ela tinha alguma experiência. A razão pela qual a cena afeta tanto é que aquela história vem da vida real. Ela foi tirada de uma experiência que o Sérgio realmente teve em um campo de refugiados na Ásia central, no qual um encontro parecido aconteceu. Alguém falou aquelas palavras para ele sobre querer subir aos céus e cair como chuva em sua terra. Então, isso aconteceu. E a atriz perdeu entes queridos na guerra civil. Ela estava seguindo o roteiro, mas também estava falando por si mesma e por seu país e seu povo. É por isso que é tão poderoso. Aquelas lágrimas que você vê no Sérgio, ou no Wagner, são reais. Não ensaiamos a cena. E você podia ver que ela estava tão pronta que seria difícil repetir isso para alguém que não é ator. Então, nós não ensaiamos e só gravamos. E foi muito emocionante para todos nós. Estávamos todos chorando. Wagner estava chorando, porque aconteceu e estava claro que ela não estava só atuando. Ela sentia aquilo muito profundamente. Obrigado por destacar essa cena. É uma das minhas favoritas do filme. E também foi um privilégio muito grande estar lá para esse momento.